quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Luz nas trevas. Ensaios sobre o iluminismo


Ricardo Vélez Rodriguez - Luz nas trevas. Ensaios sobre o iluminismo

Antonio Paim *

Guarapari-ES, Ex Libris, 2007.

Conhecido estudioso do pensamento político brasileiro que tantas contribuições tem proporcionado para o entendimento de certos períodos de nossa história, Ricardo Vélez Rodriguez vem de publicar livro com este expressivo título: Luz nas trevas. As trevas correspondem ao que também poderia ser designado, parodiando Bárbara Tuchman, como marcha da insensatez, sempre que nos disponhamos a meditar sobre a atual realidade política do país.

Quando se tratou de democratizar o sufrágio, na segunda metade do século XIX, William Gladstone (1809/1898), seu grande artífice, na condição de chefe do governo da Inglaterra ocupou-se ciosamente de transformar a chamada “educação popular”, ministrada pelas igrejas, no ensino público de caráter universal, com vistas à educação para a cidadania. Recorreu inclusive a artifícios para obrigá-las a aceitar a formação dos professores segundo as novas regras. Graças a isto e à moderação com que se processou a incorporação de novos segmentos da sociedade ao processo eleitoral, o sistema representativo tornou-se democrático sem experimentar qualquer risco de implosão, como se deu na França do mesmo período, quando a providência se fez de modo abrupto para beneficiar Napoleão III, no poder, terminando como se sabe.

No Brasil de nosso tempo, a extensão do sufrágio deu-se sem nenhuma medida correlata para organizar o eleitorado. Ao contrário disto, o sistema eleitoral vigente tornou-se impeditivo da formação de partidos políticos estáveis. O outro lado da moeda é agora apontado por Ricardo Vélez. Cito: “As nossas decisões erráticas decorrem justamente do fato de termos substituído a educação para a cidadania, ao longo das últimas décadas, pela doutrinação ideológica, coisa que já foi superada sobejamente no resto do mundo. A marxização na formação dos professores do ciclo básico, ao amparo das idéias gramscianas, climatizadas pela retórica de Paulo Freire, terminou abrindo espaço para o fenômeno apontado”.

E, prossegue: “Moral da história: agimos em matéria de eleições sem pensar nas conseqüências. Muitos cidadãos brasileiros não foram preparados para qualificar o seu voto. Vale mais a retórica ou a propaganda oficial, do que as razões com que podemos submeter ao crivo da análise as propostas partidárias.”

Bolívar Lamounier, em sua última obra, já havia chamado a atenção para a inconsistência do ufanismo em matéria de consistência institucional, que se apossou de setores da elite política, notadamente por acreditar na robustez das conquistas democráticas do último período. Vélez insiste nesse aspecto: “Tempestades virão, certamente, nos próximos anos em decorrência da mudança do panorama de bonança internacional, que foi condicionada pelo crescimento da economia norte-americana. ..... Ao decidir apostar unicamente no carisma e não na razão dos governantes, o Brasil subiu na corda bamba. E pagará o preço.”

O momento das Luzes, na visão do autor, conduziu ao objetivo colimado: “surgimento da modernidade e desmonte do absolutismo”. Além de apontar os episódios mais representativos do iluminismo europeu, destaca sua repercussão no Brasil.

Não se trata de desconhecer que a política é feita de paixão e intuição. Contudo, não ocorre num vazio onde cada personagem possa comportar-se como se o dia nascesse não quando o sol se levanta, mas no momento em que desperta. Vale a pena lembrar que, depois da queda do Estado Novo, quando vivíamos em plena abertura política para logo “cair na real”, como diria a sabedoria popular, isto é, darmo-nos conta de que estávamos construindo novo ciclo autoritário, o eminente líder liberal Otávio Mangabeira (1886/1960) não se cansava de advertir que em nossa terra a democracia “era uma planta tenra”. Como ensina Ricardo Vélez Rodriguez: “Nesse contexto de pessimismo é importante lembrar a falta que fazem as luzes para iluminar a opinião pública”.

Ricardo Vélez Rodriguez, colombiano naturalizado brasileiro, concluiu mestrado e doutorado entre nós. Presentemente, é professor adjunto na Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Tornou-se um dos principais estudiosos do pensamento político brasileiro, sendo autor de numerosa bibliografia. A par disto, preserva interesse no estudo da cultura latino-americana.

Antonio Paim
Concluiu sua formação acadêmica na antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, iniciando carreira acadêmica na década de sessenta, na então denominada Faculdade Nacional de Filosofia, tendo pertencido igualmente a outras universidades. Aposentou-se em 1989, como professor titular e livre docente. Desde então, integra a assessoria do Instituto Tancredo Neves, que passou a denominar-se Fundação Liberdade e Cidadania. É autor de diversas obras relacionadas à filosofia geral, à filosofia brasileira e à filosofia política.

Revista Liberdade e Cidadania

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