quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Os processos eleitorai na América Latina (2005-2006)


Os processos eleitoral na América Latina (2005-2006)

Carlos Federico Domínguez Avila

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Docente e pesquisador do Mestrado em Ciência Política do Centro Universitário Unieuro. E-mail: cdominguez_unieuro@yahoo.com.br



SANTANDER, Carlos Ugo; PENTEADO, Nelson. Os processos eleitorais na América Latina (2005-2006). Brasília: LGE, 2008. 398 p. ISBN: 978-85-7238-333-2.

Entre 2005 e 2006, uma dezena de países latino-americanos e caribenhos – inclusive o Brasil – realizou uma verdadeira maratona político-eleitoral. Na maioria dos casos, tais processos resultaram em significativos avanços na consolidação democrática vigente na região. Eis o problema-objeto geral do livro ora resenhado. Trata-se de abordar de forma sistemática, coerente e coordenada a evolução político-eleitoral recente, sua conjuntura atual e algumas perspectivas futuras das jovens democracias latino-americanas.

O livro é organizado pelos acadêmicos Carlos Ugo Santander – doutor em Ciências Sociais e Estudos Comparativos pela Universidade de Brasília (UnB) – e Nelson Penteado – mestre em Ciência Política pelo Centro Universitário Unieuro. Foi lançado em maio de 2008 e está integrado por 16 capítulos escritos por 17 autores de diferentes nacionalidades (sendo três brasileiros). Vale acrescentar que quase todos os autores da coletânea são doutores ou doutorandos em ciência política ou disciplinas afins, o que sugere uma abordagem consistente e bem fundamentada. Carlos de la Torre (Flacso Equador), Isidoro Cheresky (Universidade de Buenos Aires), Silvia Gómez Tagle (El Colégio de México) e David Fleischer (Universidade de Brasília) são alguns dos pesquisadores-sênior que participam do empreendimento. Outros autores jovens e em processo de maturação epistemológica também contribuem com excelentes trabalhos acadêmicos.

Os três primeiros capítulos do livro abordam o processo eleitoral brasileiro que culminou com a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O capítulo 1, intitulado "A mídia nas eleições de 2006 no Brasil e no Peru " – de Carlos Santander e Nelson Penteado (ambos do Centro Universitário Unieuro) –, explora a questão da posição política dos grandes meios de comunicação. Os autores reconhecem a relevância da liberdade de imprensa no processo geral de consolidação democrática. Entretanto, alertam sobre certas tendências potencialmente negativas ou preocupantes, como a consolidação de uma força hegemônica incontrolável que incide na formação da opinião pública, inclusive, em períodos eleitorais. Em "Algumas notas sobre as eleições brasileiras de 2006: disputa presidencial e reafirmação da força eleitoral do PT ", Pedro José Floriano Ribeiro (Universidade Federal de São Carlos) estuda a evolução recente e a consolidação do Partido dos Trabalhadores (PT). Ele destaca as virtudes e os aspectos polêmicos do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também pondera sobre algumas iniciativas que ajudam a compreender a reeleição do presidente e suas perspectivas políticas nos próximos anos.

O capítulo 3 é intitulado "A reeleição de Lula e a política interna brasileira: o reinado do pragmatismo " e é de autoria de Frédéric Louault (Instituto de Estudos Políticos de Grenoble, França). O autor compara os resultados das eleições presidenciais de 2002 e de 2006. Louault menciona alguns fatores que, na sua avaliação, foram altamente relevantes no resultado final do último processo eleitoral brasileiro, entre os quais: o carisma e o pragmatismo político-ideológico do presidente Lula – inclusive a "despetização " do governante e fundador do PT, situação que lembra o afastamento de Lech Walesa com relação ao Sindicato e Partido Solidariedade na Polônia pós-comunista –, o clientelismo político, a fragmentação e a limitada capacidade de afirmação da oposição. Mesmo assim, o autor do texto chama a nossa atenção para a necessidade de se continuar impulsionando reformas políticas com o intuito de consolidar o processo democrático brasileiro.

Os países andinos são mencionados nos capítulos seguintes. Especificamente, trata-se dos estudos sobre os comícios que resultaram nas vitórias de Rafael Correa, no Equador (capítulo 4), Hugo Chávez, na Venezuela (capítulo 5), Evo Morales, na Bolívia (capítulo 6), Álvaro Uribe, na Colômbia (capítulo 7), e Alan García, no Peru (capítulo 9). Com efeito, Carlos de la Torre (Flacso, Equador) sugere, em seu texto intitulado "Eleições e perspectivas pós-eleitorais no Equador ", que os últimos comícios presidenciais do País foram particularmente polarizados, virulentos e complexos. Álvaro Novoa e Rafael Correa foram os candidatos vencedores no primeiro turno. Triunfou um professor universitário que articulou propostas ditas neopopulistas, nacionalistas e de refundação nacional-constitucional. O texto é finalizado com um exame dos futuros cenários do Equador.

"Venezuela: as eleições presidenciais de 2006. A consolidação de um autoritarismo eleitoral " é o título do texto apresentado por Alfredo Ramos Jiménez (Universidade dos Andes, Venezuela). O autor apresenta no centro do seu artigo o conceito de autoritarismo eleitoral – isto é, um regime político ambíguo localizado entre a democracia liberal e o autoritarismo plebiscitário. Ramos Jiménez reconhece as virtudes e as imperfeições da experiência democrática bipartidária vigente no país até 1998 (Ação Democrática – Copei). Entretanto, demonstra certa preocupação com algumas tendências de orientação autoritária presentes no governo do presidente Hugo Chávez.

No caso da Bolívia, o autor de "O triunfo de Evo Morales: início de uma nova institucionalidade ou retorno dos conflitos sociais? ", Manuel de la Fuente (Universidade Maior de São Simão, Bolívia) cita os grandes desafios da consolidação democrática no país. O triunfo de Evo Morales é particularmente relevante pelas suas origens indígenas, camponesas e sindicalistas. O autor concorda com a necessidade de se impulsionarem reformas constitucionais, institucionais e político-administrativas. Paralelamente, de la Fuente cita outros desafios bolivianos tais como as tendências autonomistas, a ineficiência da maquinaria pública, os serviços sociais fundamentais e o controle dos recursos naturais estratégicos (hidrocarburetos).

Com relação à Colômbia, Felipe Botero e Juan Carlos Rodríguez (ambos da Universidade dos Andes, Colômbia) apresentam o texto intitulado: "Ceticismo otimista: a reforma eleitoral colombiana de 2003 ". Os autores exploram o virtual desmantelamento do sistema bipartidário liberal-conservador vigente no país desde a década de 1950, a questão do conflito armado interno, a reforma constitucional de 1991 (com o intuito de fortalecer os partidos políticos) e, em especial, o surgimento do fenômeno uribista no início do século XXI – isto é, um populismo de direita. A reeleição do presidente Uribe é objeto de particular interesse dos autores do trabalho.

"As eleições presidenciais e parlamentares de 2006 no Peru ", de Carlos Santander (Centro Universitário Unieuro), destaca a acirrada e polarizada campanha eleitoral do país andino, encabeçada por três candidaturas: Lourdes Flores (centro-direita), Ollanta Humala (centro-esquerda) e Alan García (centro), sendo que os dois últimos passaram para o segundo turno. O autor verifica que o candidato Humala foi associado ao projeto chavista pela direita local – que apoiou o ex-presidente Alan García, considerado como um perigo menor.

O capítulo 8, de autoria de Silvia Gómez Tagle (El Colégio de México) e intitulado "México 2006: as restrições da democracia ou da mercadocracia ", aborda o complexo e polêmico processo político-eleitoral mexicano que resultou na contestada vitória do presidente Felipe Calderón. A autora lembra a dinâmica política dominante no País desde 1979 – inclusive o declínio do Partido Revolucionário Institucional e a ascensão do Partido da Ação Democrática (centro-direita) e do Partido da Revolução Democrática (centro-esquerda).

O capítulo 10, de Gaudichaud Franck (Universidade de Picardie, França) e denominado "A eleição de Michelle Bachelet, a transição e a democracia chilena: ruptura ou continuidade? ", explora os avanços e desafios do quarto governo da Concertação, dirigido pela presidente Michelle Bachelet – primeira mulher a governar o país.

Os capítulos de 11 a 14 exploram, respectivamente, os casos da Nicarágua (retorno de Daniel Ortega), da Costa Rica (retorno de Oscar Arias), de Honduras (triunfo de Manuel Zelaya) e do Haiti (vitória de René Préval). Os autores desses capítulos são, na ordem: Raquel Pérez Márquez (Instituto Universitário de Pesquisa Ortega e Gasset, Espanha), Hugo Picado León (Universidade de Salamanca, Espanha), Natalia Ajenjo Fresno (Universidade de Burgos, Espanha) e Renata de Melo Rosa (Centro Universitário de Brasília).

Os capítulos finais do livro tentam sintetizar os avanços político-eleitorais na América Central (capítulo 15) e na América do Sul – com ênfase no caso argentino – (capítulo 16, de Isidoro Cheresky, Universidade de Buenos Aires). Os dois capítulos finais também identificam alguns tópicos fundamentais da agenda democrática latino-americana e caribenha e suas perspectivas.

Outrossim, é importante mencionar que a "Apresentação " do livro é do professor doutor David Fleischer (Universidade de Brasília). O último autor observa que os diferentes textos do livro "vão muito além de apenas examinar resultados eleitorais, o desempenho de partidos e candidatos, e a legislação eleitoral " (p. 8). De fato, os distintos autores verificam as bases sociais dos partidos políticos, as clivagens étnicas do eleitorado, a evolução da opinião pública, a agenda das reformas políticas, o papel dos meios de comunicação, a relevância dos poderes fáticos e outros aspectos da ciência política, da sociologia política e da evolução recente nas relações sociedade-Estado na região.

Cumpre acrescentar que os capítulos do livro em questão constatam uma acentuada inclinação para o centro e para a esquerda do espectro político continental, erigindo certo "ar de família " ou afinidades eletivas de natureza política. Entretanto, os autores também reconhecem que não existem modelos uniformes nesses países. Tal situação deriva em uma grande diversidade de matizes político-ideológicos em função das circunstâncias específicas vigentes em cada Estado. Também se constata que o México, a Colômbia e El Salvador têm consistentes governos de centro-direita.

O livro em questão constitui uma importante contribuição para o aprofundamento e a atualização dos estudos latino-americanos no Brasil. O texto é didático e pode ser utilizado como referência em faculdades e em disciplinas de ciências sociais, especialmente, nos campos de ciência política, sociologia, história e relações internacionais. Melhorar a distribuição do texto no território nacional, diminuir o preço unitário do volume e futuramente completá-lo com estudos dos países que não foram considerados nesta oportunidade – o Paraguai, o Uruguai e o Caribe de fala inglesa, francesa e holandesa – seriam, salvo melhor juízo, algumas das tarefas dos autores no intuito de aprimorar um trabalho altamente significativo e proveitoso.

Revista Sociedade e Estado - UNB

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