segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Imprensa e poder: ligações perigosas


Resenha

por Antônio Câmara

JOSÉ, Emiliano. Imprensa e poder: ligações perigosas.
Salvador / São Paulo: Edufba / Hucitec, 1996. 282p.

O novo livro do escritor Emiliano José, Imprensa e poder, apresenta, como objetivo básico, analisar o comportamento da imprensa escrita durante o "Episódio Collor": ascensão e queda. Enquanto jornalista, o autor realiza a crítica da grande imprensa, apontando os compromissos com o poder dominante. Destaca a inexistência de um jornalismo reflexivo e acredita que apenas a pressão dos dominados poderá alterar este quadro. Ele afirma:

Não carrego ilusões de uma modificação do jornalismo através de um processo reflexivo da própria imprensa. Estamos em tempos de monopólios, não de empresas democráticas. ... O jornalismo, se pode mudar e assumir uma outra feição, mais democrática, capaz de expressar de modo mais expressivo os diferentes e complexos interesses e idéias da sociedade, só poderá fazê-lo graças a avanços políticos, culturais e sociais das classes hoje dominadas. São elas, no caso brasileiro, que forçam a entrada em cena de atores pouco queridos na nossa mídia.



O livro está subdividido em três partes: a primeira contendo sete capítulos; a segunda, cinco entrevistas concedidas ao autor; a terceira, trata-se de uma iconografia.

A primeira parte encerra a contribuição principal desse livro em termos de subsídios, debate acerca das relações entre imprensa e poder político. Em seus primeiros capítulos, o autor traça o itinerário seguido pela imprensa em relação a Collor: o entusiasmo inicial de alguns meios de comunicação pela figura do "caçador de marajás" (o caso da Veja), a criação do mito Collor pela imprensa; a conivência inicial com os escândalos da "Era Collor"; a lenta e progressiva tomada de posição contra Collor forçada pelo progresso nas investigações do Congresso e pelo movimento nas ruas; a timidez na análise dos fatos; e, enfim, a postura perante o impeachment.

São analisadas com destaque as revistas Veja e Isto é; na análise da primeira, o autor coloca em evidência o processo que se inicia pela construção da imagem e do apoio aberto a Collor e culmina em uma posição contrária ao mesmo, ao longo do processo do impeachment. Quanto à segunda, procura demonstrar a coerência, tanto durante a ascensão de Collor, quanto nos momentos que antecederam o impeachment. A esta o autor atribui a iniciativa de realizar um jornalismo investigativo que teria conduzido ao esclarecimento dos principais fatos que envolveram a Operação Uruguai.

Os demais meios de comunicação são analisados de modo secundário, destacando-se, na maioria deles, a omissão ou o apoio aberto a Collor durante a maior parte do tempo em que este governou o país. Aparecem de modo negativo a Rede Globo, o jornal O globo e O estado de São Paulo. Em posições oscilantes, aparece a Folha de São Paulo, que após ter exercido o papel de anti-Lula, teria pouco a pouco tomado posição contra Fernando Collor de Melo, tornando-se partidária do seu impeachment.

O fato das revistas Veja e Isto é terem se constituído em objeto central de estudo é justificado pelo autor com base na consideração de as mesmas terem dado aos fatos uma cobertura mais completa e mais investigativa, ainda que partindo de óticas diversas e com objetivos que extrapolam o "dever" da imprensa de informar com isenção. Inclusive, este é um dos aspectos básicos do livro: mostrar que a grande imprensa no Brasil jamais foi isenta, tendo sempre tomado partido tanto no período ditatorial, quanto após a "re-democratização". Neste sentido, o autor afirma: "a imprensa é partidária, não no sentido de defender este ou aquele partido, mas no de ter um programa a defender".

Na segunda parte do livro, ao incluir entrevistas realizadas com jornalistas que tiveram a coragem de investigar e de ir contra a corrente de apoio a Collor, autor permite ao leitor fazer a sua própria análise.

Por fim, a última parte, a iconográfica, traz fac-símiles de capas de Veja e, Isto é e manchetes de alguns jornais, permitindo visualizar, ainda que de maneira parcial, o uso da imagem pelos meios de comunicação, posta a serviço do poder.

Na leitura do livro, sente-se falta de um olhar sociológico. Talvez pelo fato de ter sido originalmente uma dissertação — apresentada ao Mestrado da Escola de Comunicação da UFBA —, tal ângulo de estudo não tenha sido adotado. Se tal perspectiva fosse seguida, esse estudo seria ainda mais rico, e várias questões levantadas ao longo dos capítulos, acerca das relações da imprensa com o império econômico, do menosprezo às classes subalternas, do silêncio e da omissão da imprensa sobre os movimentos sociais, poderiam ser respondidas de modo convincente. Além disso, o entendimento acerca das conjunturas no período neoliberal, do recuo dos movimentos sociais e/ou da sua limitada eficácia (inclusive no impeachment), do controle burguês sobre os movimentos sociais no Brasil, precisariam ser melhor examinados. Tais observações visam contribuir para a problematização levantada por esse livro: de que maneira imprensa e poder político se relacionam e em quais circunstâncias a imprensa pode exercer um papel ativo, autônomo e independente.

Por fim, é necessário registrar que esse livro contribui para a análise crítica dos fatos contemporâneos no Brasil e, sobretudo, para desvendar as formas de subordinação da imprensa aos interesses dominantes.

O AUTOR: Emiliano José é professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre e doutorando em Comunicação (UFBA), Emiliano José é jornalista desde 1974, logo após ter sido libertado da prisão, onde havia permanecido por quase quatro anos, em conseqüência de sua militância contra a ditadura militar. Escreveu para vários jornais e revistas de grande circulação no Brasil, além de ter contribuído bastante com a imprensa alternativa (Opinião, Movimento, Em tempo, etc.). É co-autor do livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, adaptado para o cinema por Sérgio Rezende, e organizador da coletânea Narciso do fundo de galés: combate político através da imprensa. Foi deputado estadual, entre 1988 e 1990.

Revista Olho da História

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