segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Adeus ao trabalho?

ANTUNES, Ricardo.
Adeus ao trabalho?
(ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho).
São Paulo: Cortez, 1995. p.158.


Resenhado por Rosa Maria Marques

O livro de Ricardo Antunes é, sem dúvida, um sucesso de público. Lançado em setembro de 1995 com uma tiragem de 1.500 exemplares, encontra-se hoje já em sua terceira edição. Certamente, o interesse existente sobre o tema e a forma como o texto está estruturado, possibilitando sua fácil utilização em cursos de Sociologia, Economia e Política, entre outros, contribuíram para viabilizar sua rápida vendagem.

Estará a ‘classe-que-vive-do-trabalho’ desaparecendo? A retração do operariado tradicional, fabril, da era do fordismo, acarreta inevitavelmente a perda de referência do ser social que trabalha? Que repercussões as mudanças do mundo do trabalho estarão provocando nos sindicatos? A categoria trabalho não é mais dotada do estatuto da centralidade, no universo de práxis humana existente na sociedade contemporânea? Estas são as perguntas perseguidas pelo autor. O pano de fundo é formado pelo processo de globalização, pela difusão acelerada das novas tecnologias nos processos de produção e pela presença do toyotismo, que expressa a forma mais acabada da organização do trabalho almejada pelas empresas.

O livro está estruturado em quatro partes. Na primeira, sob o título ‘Fordismo, toyotismo e acumulação flexível’, Antunes inicia recuperando a visão de importantes pesquisadores a respeito das experiências recentes do processo de produção e trabalho. Nesse ponto, a questão central é, mais uma vez, discutir se elas superaram a organização fordista e qual sua potencialidade de generalização. Para o autor, o toyotismo é a experiência com maiores chances de se propagar. Exatamente por isso constitui um grande perigo para os trabalhadores, especialmente para os europeus. Sua adoção coloca em questão, entre outras conquistas, o Welfare State, pois esse modelo está "muito mais sintonizado com a lógica neoliberal do que com uma concepção verdadeiramente social-democrata". Lembra também, embora rapidamente, que, para se estabelecerem as atuais relações entre capital e trabalho no Japão, foi necessário que as empresas empreendessem uma repressão feroz contra o movimento dos trabalhadores. Apesar de não explorar muito esta questão, fica claro que a introdução do toyotismo apóia-se numa correlação de forças desfavorável aos trabalhadores. Talvez, por isso, refute veementemente a possibilidade de modelos do tipo japonês, mesmo que revestidos de tintura social-democrata, poderem garantir, simultaneamente, eficiência e eqüidade.

A segunda parte do trabalho de Antunes trata das metamorfoses no mundo do trabalho. Ao contrário de outros autores, defende que as alterações — tais como redução do número de trabalhadores fabris, crescimento do emprego em serviços, qualificação, desqualificação e fragmentação da força de trabalho, entre outros — não configuram uma tendência que pode ser generalizada e que caminha numa só direção. Para ele, trata-se de uma "processualidade contraditória e multiforme" que permite dizer que "nem o operariado desaparecerá tão rapidamente e, o que é fundamental, não é possível perspectivar, nem mesmo num universo distante, nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho".

A crise contemporânea dos sindicatos é o centro da atenção da terceira parte do livro. Antunes demonstra que o processo de fragmentação, heterogeneização e complexificação da força de trabalho questiona a permanência da organização sindical tradicional, construída com base no segmento estável dos trabalhadores. Dessa forma, as taxas cadentes de sindicalização, mais do que expressar o resultado do emprego, indicam a dificuldade de os sindicatos representarem um conjunto dos trabalhadores que têm em comum somente o fato de viverem do trabalho. Quais são os desafios que se apresentam para os sindicatos? Além de fazerem frente ao movimento do toyotismo, necessitam abandonar a estrutura verticalizada pela horizontalizada e, sobretudo, "avançar para além de uma ação acentuadamente defensiva e com isso auxiliar na busca de um projeto mais ambicioso, que caminhe na direção da emancipação dos trabalhadores". Talvez o aspecto mais questionável das idéias de Antunes, nessa parte, seja sua compreensão a respeito da possibilidade dos trabalhadores precários, parciais, temporários, a que chama de subproletariados, virem a se constituir num "sujeito social capaz de assumir ações mais ousadas, uma vez que estes segmentos sociais não têm mais nada a perder".

Finalmente, Antunes pergunta de que crise da sociedade do trabalho se está falando. Dadas as conseqüências teóricas e políticas que derivam das possíveis respostas, certamente a última parte de seu livro é a mais polêmica. Ao mesmo tempo, é nela que o leitor sente o peso dos argumentos que fundamentam as principais idéias defendidas pelo autor.

Inicia explicitando que é absolutamente necessário qualificar a dimensão que se está considerando quando se discute a questão da crise da sociedade de trabalho. Trata-se do trabalho abstrato ou concreto? Se a crise é do trabalho abstrato, não há novidade nenhuma, pois esta se traduz na redução do trabalho vivo e na ampliação do trabalho morto, indicado por Marx como tendência do capitalismo. O problema é que alguns autores confundem essa tendência como sinônimo de perda de centralidade do trabalho, o que, como lembra Antunes, não é possível numa sociedade produtora de mercadorias.

Deixar claras essas questões é fundamental, pois elas balizam as tarefas que devem ser realizadas pelos trabalhadores na construção de seu futuro. "A revolução de nossos dias é, desse modo, uma revolução no e do trabalho. É uma revolução no trabalho na medida em que deve necessariamente abolir o trabalho abstrato, o trabalho assalariado, a condição de sujeito-mercadoria, e instaurar uma sociedade fundada na auto-atividade humana, no trabalho concreto que gera coisas socialmente úteis, no trabalho social emancipado".

Integram ainda o livro de Antunes alguns outros artigos que foram objeto de publicação em anais de congressos ou em revistas especializadas. Vale a pena, em especial, ler sua resenha sobre o livro de Robert Kurz, O colapso da modernização.

Enfim, Adeus ao Trabalho? é para ser lido e discutido. Às vezes, sente-se falta de um maior aprofundamento das questões tratadas em suas primeiras partes, e mesmo de uma identificação entre suas conclusões e as evidências empíricas que anuncia. Mesmo assim, isso não impede que os textos sejam de ampla utilização em sala de aula e na pesquisa, podendo ser discutidos de forma independente e servindo como referência para posteriores aprofundamentos.

Revista Olho da História

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