O peladeiro de Budapeste
Folha de São Paulo
MATINAS SUZUKI JR.
Há um boom de livros sobre o futebol, não só no Brasil, mas também nos países em que esse esporte ocupa um grande espaço na vida cotidiana e no imaginário de suas populações.
Esse fenômeno pôde ser observado, no últimos anos, nas livrarias da Grã-Bretanha (que tem uma ampla tradição de leitores sobre o tema), da Espanha, da Argentina, do Brasil e, agora, da França, anfitriã da Copa do Mundo.
São livros celebrativos das conquistas e das histórias de um time ou de uma seleção, biografia de jogadores, livros técnicos ensinando os fundamentos do esporte, livros que pretendem mostrar que o futebol depende tanto da ciência quanto do talento, livros de medicina esportiva e de preparação física dos atletas, livros de estatísticas, livros de investigação das relações muitas vezes mais míticas do que verdadeiras entre política e futebol, livros de jornalistas e cronistas especializados no assunto, livros de marketing esportivo e até mesmo, em grau menor, prosa de ficção que tematiza o futebol e o mundo em torno dele.
Espremendo essa montanha de páginas e letras, pouquíssima coisa fica de pé como bibliografia de interesse geral ou até mesmo como obra de referência para o público especializado no tema. Exceções recentes, que aparecem como experiências de leitura mais estimulantes, são os livros da nova safra de escritores britânicos que podemos chamar genericamente de geração "transppoting", graças ao filme que deixou a palavra conhecida internacionalmente, exalando a paixão pelo futebol em obras que ficarão muito mais como sintomas de uma época perdida do que pela excelência literária. Até se poderia, apressadamente, arriscar uma interpretação desse fenômeno, essencialmente contestador, da cultura jovem britânica, procurando ver na tematização do futebol, graças ao seu poder mobilizador de massas, o que a época não permite que se tematize em experiências políticas ou ideológicas de maior lastro histórico.
Outra exceção de interesse são as antologias publicadas em inglês e espanhol e agora também em francês de escritores que abordaram o assunto futebol no passado ou recentemente (com alguma generosidade, essas antologias chegam até a incluir Shakespeare, embora o futebol como o conhecemos só exista a partir da segunda metade do século passado).
O caso do Brasil é peculiar. Havia uma reclamação geral sobre a quantidade de livros, principalmente de literatura, que abordassem o tema futebol como se a quantidade de obras pudesse revelar alguma coisa sobre o esporte que estivesse vedada a outras formas de manifestação. Uma grande quantidade de livros sobre o futebol não é mais nada do que uma grande quantidade de livros sobre o futebol. Não há nenhuma lei que obrigue, por mais que este esporte seja uma experiência decisiva para o brasileiro, que o futebol seja um tema de interesse literário, um bem em si; ele pode ser tão relevante para a vida literária quanto outros, desde que encontre expressividade temática e/ou formal capaz de estabelecer uma elevação do leitor.
A reclamação sobre a quantidade de livros publicados sobre o futebol no Brasil padece de uma visão pouco consistente sobre a qualidade da própria tradição dos escritos no gênero, na terra de Mané Garrincha. Seja porque boa parte dos melhores escritores brasileiros arriscou, de uma maneira ou de outra, escrever sobre um tema tão palpitante para o país deles, seja porque o Brasil tem, pelo menos na ensaística e na crônica jornalística, alguns dos melhores textos já escritos sobre futebol, como são os de Mário Filho, de Anatol Rosenfeld (que não era brasileiro), de Decio de Almeida Prado e, obviamente, de Nelson Rodrigues.
Do ponto de vista propriamente literário (ou do paraliterário, que é parte da chamada crônica esportiva), grande parte do que se escreve sobre o futebol no Brasil padece de um certo revanchismo, algo que procura na tematização de um dos setores em que o país consegue amplo reconhecimento internacional uma espécie de recompensa pela fraqueza da difusão da literatura brasileira fora de nossas fronteiras.
Quase sempre a vertente futebolística é refém do populismo, do nacionalismo e de uma espécie de exaltação da miséria como matriz de um talento futebolístico que seria uma das maneiras que o país encontraria para revidar a sua inserção menor no mercado internacionalizado.
Nessa conjuntura, em meio a inúmeros títulos sobre futebol que a época de Copa do Mundo ajuda a colocar nas livrarias locais, existe pelo menos um que realmente vale a pena ser lido. Trata-se de uma obra muito simples, de memória verbalizada (o que, do ponto de vista rigorosamente histórico, deixa dúvidas sobre a veracidade de muitos fatos) e que não é sobre um jogador brasileiro embora a sua carreira quase tenha acabado por aqui. O livro chama-se "Puskas - Uma Lenda do Futebol" e é o resultado de uma série de longas entrevistas feitas pelo jornalista inglês Rogan Taylor que, auxiliado pela húngara Klara Jamrich, entrevistou o próprio Ferenc Puskas e seus companheiros da geração de ouro do futebol da Hungria para reconstruir a trajetória de um pequeno peladeiro dos arredores de Budapeste que encantou o mundo durante toda a década de 50 e boa parte dos 60.
Há dúvidas se Puskas foi um jogador habilidoso como Pelé ou Maradona, por exemplo. Ele era baixo, um pouco atarracado para o corpo de um jogador de futebol e só jogava com o pé esquerdo. Mas isso não o impediu de ter realizado algumas das maiores proezas da história do futebol. A sua seleção húngara, entre a primavera de 1950 e fevereiro de 1956, só perdeu um jogo: a final da Copa do Mundo de 54 para a Alemanha, a mesma Alemanha que a Hungria havia batido por 8 a 3 durante aquela mesma Copa (nesse jogo, Puskas foi atingido por um alemão e só voltou a jogar na final, sem condições ideais).
No filme oficial da Fifa sobre aquela Copa existem imagens bem interessantes de Puskas tentando se recuperar e dirigindo um carro em solo suíço, ato tipicamente burguês para quem fazia parte de uma seleção que representava os ideais do socialismo. Esta seleção húngara, difusora das táticas modernas no futebol, ignorou uma boa seleção brasileira que foi inapelavelmente batida por 4 a 2. Nelson Rodrigues, que nunca se conformou com o fato de os húngaros vindos de um país da Cortina de Ferro serem superiores aos brasileiros, dizia que a fantástica Hungria era uma invenção do jornalista Armando Nogueira, que, por isso, ficou muito tempo rompido com o autor de "Toda Nudez Será Castigada".
Mas Puskas era dono de um fenomenal chute com o pé esquerdo e tinha um senso de organização tática moderno que só seria comparável ao de Johann Cruyff e da seleção holandesa que reinventaria o futebol 20 anos depois. Pela seleção húngara Ferenc Puskas marcou 83 gols em 84 jogos (Pelé marcou 76 gols pelo Brasil, disputando quatro Copas). Ele ganhou os dois jogos que os europeus consideram como os maiores de todos os tempos: a goleada de 6 a 3, em pleno estádio de Wembley, que os húngaros impuseram aos ingleses, donos da casa, em 1953; a goleada de 7 a 3 que o grande Real Madri, segundo time de Puskas, impôs ao Eintrecht Frankfurt, na final da Copa Européia de 1960.
A seleção da Hungria beneficiava-se do regime comunista fechado: ela era uma extensão do time do Honved, que usava o campeonato nacional para fazer uma espécie de treinamento permanente, o que lhe permitia ter mais conjunto do que os seus rivais. Embora fosse um dos mimos do regime as vitórias húngaras no futebol eram devidamente exploradas como propaganda da superioridade do homem socialista, Puskas tinha uma espécie de rebeldia natural e foi, com o tempo, cada vez mais sentindo necessidade de participar de um mundo que o mercado do futebol poderia lhe proporcionar na Europa ocidental.
Assim, em 1956, o time do Honved embarcou para a América do Sul naquela que seria a sua última viagem. Aliás, esta edição brasileira tem um apêndice, escrito por Alberto Helena Jr., que rememora a passagem do Honved pelo Brasil, além da ficha técnica dos jogos. Em um belo depoimento para o documentário "Futebol", dirigido por João Moreira Salles e Arthur Fontes, o já falecido goleiro Pompéia diz que pegou o único pênalti que Puskas perdeu isso, possivelmente, quando o antigo goleiro do América do Rio jogava na Colômbia. Atribuiu-se ainda aos húngaros a invenção do sistema de jogo com quatro jogadores na defesa, dois no meio-campo e quatro no ataque, que seria largamente assimilado pelo futebol brasileiro. Um dos responsáveis pela difusão 4-2-4 por aqui seria Bella Gutmann, ex-técnico do Honved, que veio trabalhar no time do São Paulo.
Puskas foi considerado desertor pelo regime húngaro, que conseguiu a sua suspensão do futebol por um ano, já com quase 30 anos de idade. Tempos depois, desiludido com o futebol, gordo, fora de forma, ele foi para o maior time da época, o Real Madri, onde corria a lenda que o dono do time em campo, o argentino Alfredo Di Stefano, não deixava nenhuma outra estrela brilhar (o que teria ocorrido com o brasileiro Didi, campeão do mundo em 58. Na história dos bastidores do futebol espanhol, não falta quem diga que o grande problema enfrentado por Didi foi o racismo de Di Stefano e de muita gente do Real. Puskas diz que Didi era muito lento e ficou gordo na sua temporada madrilenha). Ferenc Puskas conseguiu recuperar a sua forma e jogar por mais quase uma década pelo legendário time do Real Madri, tendo até hoje o recorde de gols nos torneios europeus (35 em 37 jogos).
O irônico deste processo é que o garoto propaganda do socialismo à soviética húngaro foi atuar pelo time que tinha a tradição de ser o clube da família real espanhola e que passou a ser o do coração do regime franquista que não hesitava em interferir em jogos e contratação de jogadores para favorecer o clube madrilenho. Um dos pontos fracos deste livro é não ter questionado o grande jogador húngaro sobre essa faceta do time "merengue".
Ferenc Puskas, um garoto pobre que apenas adorava correr atrás da bola, tornou-se o artilheiro vitorioso de regimes totalitários, de direita e de esquerda e não pode ser condenado por isso, pois aquilo que ele fazia muito bem é o que dá encantamento ao futebol, acima de todos os muros.
Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto da Editora Abril, colunista de esporte da Folha e moderador do programa "Roda Viva", da TV Cultura.
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Folha de São Paulo
MATINAS SUZUKI JR.
Há um boom de livros sobre o futebol, não só no Brasil, mas também nos países em que esse esporte ocupa um grande espaço na vida cotidiana e no imaginário de suas populações.
Esse fenômeno pôde ser observado, no últimos anos, nas livrarias da Grã-Bretanha (que tem uma ampla tradição de leitores sobre o tema), da Espanha, da Argentina, do Brasil e, agora, da França, anfitriã da Copa do Mundo.
São livros celebrativos das conquistas e das histórias de um time ou de uma seleção, biografia de jogadores, livros técnicos ensinando os fundamentos do esporte, livros que pretendem mostrar que o futebol depende tanto da ciência quanto do talento, livros de medicina esportiva e de preparação física dos atletas, livros de estatísticas, livros de investigação das relações muitas vezes mais míticas do que verdadeiras entre política e futebol, livros de jornalistas e cronistas especializados no assunto, livros de marketing esportivo e até mesmo, em grau menor, prosa de ficção que tematiza o futebol e o mundo em torno dele.
Espremendo essa montanha de páginas e letras, pouquíssima coisa fica de pé como bibliografia de interesse geral ou até mesmo como obra de referência para o público especializado no tema. Exceções recentes, que aparecem como experiências de leitura mais estimulantes, são os livros da nova safra de escritores britânicos que podemos chamar genericamente de geração "transppoting", graças ao filme que deixou a palavra conhecida internacionalmente, exalando a paixão pelo futebol em obras que ficarão muito mais como sintomas de uma época perdida do que pela excelência literária. Até se poderia, apressadamente, arriscar uma interpretação desse fenômeno, essencialmente contestador, da cultura jovem britânica, procurando ver na tematização do futebol, graças ao seu poder mobilizador de massas, o que a época não permite que se tematize em experiências políticas ou ideológicas de maior lastro histórico.
Outra exceção de interesse são as antologias publicadas em inglês e espanhol e agora também em francês de escritores que abordaram o assunto futebol no passado ou recentemente (com alguma generosidade, essas antologias chegam até a incluir Shakespeare, embora o futebol como o conhecemos só exista a partir da segunda metade do século passado).
O caso do Brasil é peculiar. Havia uma reclamação geral sobre a quantidade de livros, principalmente de literatura, que abordassem o tema futebol como se a quantidade de obras pudesse revelar alguma coisa sobre o esporte que estivesse vedada a outras formas de manifestação. Uma grande quantidade de livros sobre o futebol não é mais nada do que uma grande quantidade de livros sobre o futebol. Não há nenhuma lei que obrigue, por mais que este esporte seja uma experiência decisiva para o brasileiro, que o futebol seja um tema de interesse literário, um bem em si; ele pode ser tão relevante para a vida literária quanto outros, desde que encontre expressividade temática e/ou formal capaz de estabelecer uma elevação do leitor.
A reclamação sobre a quantidade de livros publicados sobre o futebol no Brasil padece de uma visão pouco consistente sobre a qualidade da própria tradição dos escritos no gênero, na terra de Mané Garrincha. Seja porque boa parte dos melhores escritores brasileiros arriscou, de uma maneira ou de outra, escrever sobre um tema tão palpitante para o país deles, seja porque o Brasil tem, pelo menos na ensaística e na crônica jornalística, alguns dos melhores textos já escritos sobre futebol, como são os de Mário Filho, de Anatol Rosenfeld (que não era brasileiro), de Decio de Almeida Prado e, obviamente, de Nelson Rodrigues.
Do ponto de vista propriamente literário (ou do paraliterário, que é parte da chamada crônica esportiva), grande parte do que se escreve sobre o futebol no Brasil padece de um certo revanchismo, algo que procura na tematização de um dos setores em que o país consegue amplo reconhecimento internacional uma espécie de recompensa pela fraqueza da difusão da literatura brasileira fora de nossas fronteiras.
Quase sempre a vertente futebolística é refém do populismo, do nacionalismo e de uma espécie de exaltação da miséria como matriz de um talento futebolístico que seria uma das maneiras que o país encontraria para revidar a sua inserção menor no mercado internacionalizado.
Nessa conjuntura, em meio a inúmeros títulos sobre futebol que a época de Copa do Mundo ajuda a colocar nas livrarias locais, existe pelo menos um que realmente vale a pena ser lido. Trata-se de uma obra muito simples, de memória verbalizada (o que, do ponto de vista rigorosamente histórico, deixa dúvidas sobre a veracidade de muitos fatos) e que não é sobre um jogador brasileiro embora a sua carreira quase tenha acabado por aqui. O livro chama-se "Puskas - Uma Lenda do Futebol" e é o resultado de uma série de longas entrevistas feitas pelo jornalista inglês Rogan Taylor que, auxiliado pela húngara Klara Jamrich, entrevistou o próprio Ferenc Puskas e seus companheiros da geração de ouro do futebol da Hungria para reconstruir a trajetória de um pequeno peladeiro dos arredores de Budapeste que encantou o mundo durante toda a década de 50 e boa parte dos 60.
Há dúvidas se Puskas foi um jogador habilidoso como Pelé ou Maradona, por exemplo. Ele era baixo, um pouco atarracado para o corpo de um jogador de futebol e só jogava com o pé esquerdo. Mas isso não o impediu de ter realizado algumas das maiores proezas da história do futebol. A sua seleção húngara, entre a primavera de 1950 e fevereiro de 1956, só perdeu um jogo: a final da Copa do Mundo de 54 para a Alemanha, a mesma Alemanha que a Hungria havia batido por 8 a 3 durante aquela mesma Copa (nesse jogo, Puskas foi atingido por um alemão e só voltou a jogar na final, sem condições ideais).
No filme oficial da Fifa sobre aquela Copa existem imagens bem interessantes de Puskas tentando se recuperar e dirigindo um carro em solo suíço, ato tipicamente burguês para quem fazia parte de uma seleção que representava os ideais do socialismo. Esta seleção húngara, difusora das táticas modernas no futebol, ignorou uma boa seleção brasileira que foi inapelavelmente batida por 4 a 2. Nelson Rodrigues, que nunca se conformou com o fato de os húngaros vindos de um país da Cortina de Ferro serem superiores aos brasileiros, dizia que a fantástica Hungria era uma invenção do jornalista Armando Nogueira, que, por isso, ficou muito tempo rompido com o autor de "Toda Nudez Será Castigada".
Mas Puskas era dono de um fenomenal chute com o pé esquerdo e tinha um senso de organização tática moderno que só seria comparável ao de Johann Cruyff e da seleção holandesa que reinventaria o futebol 20 anos depois. Pela seleção húngara Ferenc Puskas marcou 83 gols em 84 jogos (Pelé marcou 76 gols pelo Brasil, disputando quatro Copas). Ele ganhou os dois jogos que os europeus consideram como os maiores de todos os tempos: a goleada de 6 a 3, em pleno estádio de Wembley, que os húngaros impuseram aos ingleses, donos da casa, em 1953; a goleada de 7 a 3 que o grande Real Madri, segundo time de Puskas, impôs ao Eintrecht Frankfurt, na final da Copa Européia de 1960.
A seleção da Hungria beneficiava-se do regime comunista fechado: ela era uma extensão do time do Honved, que usava o campeonato nacional para fazer uma espécie de treinamento permanente, o que lhe permitia ter mais conjunto do que os seus rivais. Embora fosse um dos mimos do regime as vitórias húngaras no futebol eram devidamente exploradas como propaganda da superioridade do homem socialista, Puskas tinha uma espécie de rebeldia natural e foi, com o tempo, cada vez mais sentindo necessidade de participar de um mundo que o mercado do futebol poderia lhe proporcionar na Europa ocidental.
Assim, em 1956, o time do Honved embarcou para a América do Sul naquela que seria a sua última viagem. Aliás, esta edição brasileira tem um apêndice, escrito por Alberto Helena Jr., que rememora a passagem do Honved pelo Brasil, além da ficha técnica dos jogos. Em um belo depoimento para o documentário "Futebol", dirigido por João Moreira Salles e Arthur Fontes, o já falecido goleiro Pompéia diz que pegou o único pênalti que Puskas perdeu isso, possivelmente, quando o antigo goleiro do América do Rio jogava na Colômbia. Atribuiu-se ainda aos húngaros a invenção do sistema de jogo com quatro jogadores na defesa, dois no meio-campo e quatro no ataque, que seria largamente assimilado pelo futebol brasileiro. Um dos responsáveis pela difusão 4-2-4 por aqui seria Bella Gutmann, ex-técnico do Honved, que veio trabalhar no time do São Paulo.
Puskas foi considerado desertor pelo regime húngaro, que conseguiu a sua suspensão do futebol por um ano, já com quase 30 anos de idade. Tempos depois, desiludido com o futebol, gordo, fora de forma, ele foi para o maior time da época, o Real Madri, onde corria a lenda que o dono do time em campo, o argentino Alfredo Di Stefano, não deixava nenhuma outra estrela brilhar (o que teria ocorrido com o brasileiro Didi, campeão do mundo em 58. Na história dos bastidores do futebol espanhol, não falta quem diga que o grande problema enfrentado por Didi foi o racismo de Di Stefano e de muita gente do Real. Puskas diz que Didi era muito lento e ficou gordo na sua temporada madrilenha). Ferenc Puskas conseguiu recuperar a sua forma e jogar por mais quase uma década pelo legendário time do Real Madri, tendo até hoje o recorde de gols nos torneios europeus (35 em 37 jogos).
O irônico deste processo é que o garoto propaganda do socialismo à soviética húngaro foi atuar pelo time que tinha a tradição de ser o clube da família real espanhola e que passou a ser o do coração do regime franquista que não hesitava em interferir em jogos e contratação de jogadores para favorecer o clube madrilenho. Um dos pontos fracos deste livro é não ter questionado o grande jogador húngaro sobre essa faceta do time "merengue".
Ferenc Puskas, um garoto pobre que apenas adorava correr atrás da bola, tornou-se o artilheiro vitorioso de regimes totalitários, de direita e de esquerda e não pode ser condenado por isso, pois aquilo que ele fazia muito bem é o que dá encantamento ao futebol, acima de todos os muros.
Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto da Editora Abril, colunista de esporte da Folha e moderador do programa "Roda Viva", da TV Cultura.
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