Imposturas e fantasias
13/Jun/98
Alan Sokal; Jean Bricmont
TRADUÇÃO: CAETANO PLASTINO
ALAN SOKAL
JEAN BRICMONT
Já nos habituamos a ver nosso livro "Impostures Intellectuelles" ser debatido por pessoas que não o leram. Porém, é surpreendente que alguém que obviamente leu nosso livro -um professor de filosofia, aliás- possa ter escrito uma longa resenha, em um jornal sério, na qual ignora quase tudo o que escrevemos no livro e ainda nos atribui coisas que não escrevemos (Jornal de Resenhas, nº 38, 9/5/98, pág. 10).
Nosso livro surgiu a partir da peça pregada por um de nós, que publicou, na revista americana de estudos culturais "Social Text", uma paródia repleta de citações sem sentido, mas infelizmente autênticas, a respeito da física e da matemática, extraídas de obras de eminentes intelectuais franceses e americanos. No entanto, apenas uma pequena parte do dossiê descoberto durante a pesquisa bibliográfica de Sokal pôde ser incluída na paródia. Após mostrar esse longo dossiê a amigos, cientistas ou não, fomos (lentamente) nos convencendo de que poderia valer a pena torná-lo acessível a um público mais amplo. Desejávamos explicar, em termos não técnicos, por que as passagens citadas são absurdas ou, em muitos casos, simplesmente carentes de sentido; e também desejávamos discutir as circunstâncias culturais que permitiram a esses discursos adquirir tamanho renome e permanecer, até então, sem exame. Um segundo alvo de nosso livro é o relativismo cognitivo, a saber, a idéia de que as asserções fatuais -sejam elas mitos tradicionais ou teorias científicas modernas- podem ser consideradas verdadeiras ou falsas apenas "em relação a uma cultura particular".
Como Bento Prado Jr. reage a este livro? Deixemos de lado os epítetos pejorativos: "panfleto", "ressentimento", "red neck", "estilo monsieur Homais", "15 minutos de notoriedade". É óbvio que ele não gosta de nosso livro, mas honestamente não compreendemos por quê. Ele admite nossa tese principal: "Este livro põe em ridículo, muitas vezes com razão, um uso obscuro da linguagem" por parte de famosos filósofos-literatos franceses (Lacan, Kristeva, Baudrillard, Deleuze e outros). Ele não procura defender nenhum dos textos que criticamos, e ainda acrescenta que "a antologia levantada pelos dois autores poderia ser muito ampliada". Muito bom.
Quais são então as suas críticas?
Ele se queixa de nosso alvo -"a nebulosa pós-moderna"- ser "definido, ele mesmo, de maneira muito nebulosa: trata-se da nebulosa 'pós-estruturalista' ou 'desconstrucionista' ". Mas essa "definição" é invenção do próprio Prado; ademais, ele suprime a definição dada no primeiro parágrafo de nosso livro: "Uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por elaborações teóricas independentes de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que trata as ciências como 'narrativas' ou construções sociais como quaisquer outras".
Prado afirma, sem apresentar a mínima evidência, que nosso alvo pós-moderno "inclui quase toda a epistemologia e mesmo a filosofia de língua inglesa". Ele nos atribui a idéia de que "o pobre Quine arca com a responsabilidade de desligar a ciência do real (...). Descobrimos que Quine é desconstrucionista". Sejamos sérios! Quine figura apenas uma vez em nosso livro (págs. 65-66), em que apoiamos sua asserção de que os enunciados científicos não podem ser testados individualmente, mas criticamos as formulações mais extremas dessa tese.
Prado chega a nos atribuir uma "arqueologia da Desrazão que explica o delírio epistemológico-cosmológico de um certo feminismo a partir dos 'equívocos' lógico-semânticos de Quine". Mas isso é pura invenção, sem nenhuma base em nosso livro. Nosso capítulo filosófico não menciona o feminismo e nosso capítulo sobre Irigaray não menciona Quine.
Prado afirma que relegamos Hegel "ao inferno do 'irracionalismo'±". Mas Hegel é mencionado só em duas breves passagens de nosso livro (págs. 16-17, 146) e somente a propósito de seus escritos sobre o cálculo diferencial e integral -erros que foram repetidos, 150 anos depois, por Deleuze. Não tomamos nenhuma posição a respeito da filosofia de Hegel.
Prado zomba de termos que supostamente consideram Bergson um pós-modernista. De fato, escrevemos (pág. 166): "Obviamente, Bergson não é um autor pós-moderno. (...) Há certamente uma seriedade em Bergson que contrasta nitidamente com a desenvoltura e o caráter 'blasé' dos pós-modernos". Por uma razão diferente, incluímos um capítulo sobre os mal-entendidos de Bergson e seus sucessores (Jankélévitch, Merleau-Ponty e Deleuze) a respeito da relatividade: porque os consideramos um exemplo que ilustra a "trágica ausência de comunicação entre os cientistas e certos filósofos (e não os menores)" (pág. 168) -uma situação que persiste ainda hoje, a julgar pelos próprios mal-entendidos do professor Prado.
Ele afirma que "Bergson jamais criticou, é claro, a teoria (da relatividade) enquanto tal" e que "Bergson reconheceu que seus argumentos teóricos (...) estavam literalmente errados". Ambas as asserções são falsas. Como mostramos (págs. 175-176), Bergson fez uma predição empírica a respeito do comportamento de relógios em movimento que é diferente da predição da teoria da relatividade (talvez ele não tivesse percebido que sua predição contradiz a relatividade, mas essa é uma outra questão; na verdade, um de nossos objetivos é refutar a opinião difundida de que Bergson não criticou a relatividade, mas apenas sua interpretação).
E embora Bergson não tenha publicado "Durée et Simultanéité" (Duração e Simultaneidade) após 1931, ele repetiu as mesmas idéias em "La Pensée et le Mouvant" (O Pensamento e o Movente), de 1934, e, pelo que sabemos, nunca as negou e muito menos explicou o que havia de errado com elas. Mas, se o tivesse feito, isso apenas reforçaria nossa questão principal, que não concerne a Bergson mas a seus sucessores: por que eles repetiram os mesmos erros décadas depois de terem sido corrigidos, paciente e pedagogicamente, por numerosos físicos?
Prado conclui dizendo-nos condescendentemente que, "desencaminhados por seus informantes, (Sokal e Bricmont) não leram as melhores páginas que Merleau-Ponty consagrou à questão Bergson-Einstein. Deveriam ler os ensaios 'Bergson Se Fazendo' e 'Einstein e a Crise da Razão' ". Perguntamo-nos como Prado pode estar tão seguro acerca do que temos e do que não temos lido. Não apenas conhecemos esses ensaios (que contêm graves mal-entendidos sobre a relatividade), como criticamos explicitamente um deles em nosso livro (ver nota 232 nas págs. 180-181).
Cabe notar que as confusões de Merleau-Ponty sobre a relatividade são sistemáticas: repetem-se em suas conferências no final dos anos 50 no Collège de France, conforme examinamos (págs. 179-181). Essas mesmas confusões reaparecem no livro "Le Bergsonisme" (1968), de Deleuze.
Consideremos, finalmente, o capítulo de nosso livro dedicado à filosofia da ciência: trata-se de um esforço pedagógico para esclarecer os fundamentos conceituais do conhecimento científico e, em particular, para desfazer algumas confusões comuns a respeito de questões como a impregnação teórica da observação, a subdeterminação das teorias pelos dados e a suposta incomensurabilidade entre paradigmas. Em particular, examinamos algumas ambiguidades nos escritos de Kuhn e Feyerabend e criticamos a corrente "construtivista social" radical da sociologia da ciência (Barnes, Bloor, Latour).
Não pretendemos que essas idéias sejam novas; de fato, elas se enquadram no "mainstream" da filosofia analítica contemporânea da ciência. Nossa principal preocupação é, antes, desfazer os mal-entendidos que têm proliferado dentro de muitos domínios das ciências sociais e que têm conduzido, pelo descuido de pensamento e linguagem, a um relativismo cognitivo radical.
Estamos cientes de que essas questões filosóficas são sutis e ficaremos contentes se nossas idéias forem submetidas a uma crítica vigorosa. Infelizmente, os comentários de Prado pouco contribuem para esse debate, ao refletirem uma compreensão confusa daquilo que escrevemos. Prado afirma que consideramos que o relativismo é "hegemônico na epistemologia", mas nós não dissemos nada disso. Muito pelo contrário, o relativismo é uma tendência minoritária dentro da filosofia analítica, mas se tem tornado dominante em certos setores das ciências humanas, mais como um vago "Zeitgeist" ("espírito do tempo") do que como uma doutrina filosófica coerente.
Prado distorce nossas idéias sobre a relação entre conhecimento científico e conhecimento ordinário, ao desconsiderar nossa distinção entre metodologia e conteúdo. Insistimos na continuidade entre o "método científico" e a atitude racional cotidiana, mas salientamos que os resultados científicos "amiúde entram em conflito com o senso comum" (pág. 57).
Em suma, estamos perplexos diante da reação a nosso livro. Quando inicialmente tomamos contato com os textos de Lacan, Deleuze e outros, ficamos chocados com seus abusos grosseiros, mas não sabíamos se valeria a pena gastar tempo para revelá-los. Esses autores ainda são levados a sério? Foram pessoas das ciências humanas que nos convenceram de que poderia valer a pena. Assim, esperávamos dar uma pequena contribuição a esses campos, acrescentando mais uma voz contra o aviltamento do pensamento pela proliferação de um jargão inútil e pretensioso.
Sabíamos, é claro, que seríamos duramente atacados pelos nossos alvos e seus discípulos. Mas uma coisa que não prevíamos era a hostilidade agressiva de algumas pessoas, ainda que não sejam, pelo visto, fãs dos autores criticados. Talvez nosso livro tenha estimulado "uma estratégia de defesa de território" por parte de pessoas que, como Prado, erroneamente o tomaram como um lance numa disputa territorial. Mas não escrevemos este livro para defender as ciências naturais das ameaças do pós-modernismo e do relativismo; esse perigo é quase inexistente. Também não se trata de um ataque à filosofia ou às ciências humanas em geral; muito pelo contrário, é um modesto esforço para apoiar nossos colegas nesses campos, que há tempos denunciam os efeitos perniciosos do jargão obscurantista e do relativismo visceral. As reações corporativistas contra nosso livro estão, pois, fora de lugar.
Obviamente, Prado e muitos outros não gostam de nosso livro. Mas por que razão? Sua crítica baseia-se inteiramente em suas próprias fantasias, não em uma leitura honesta daquilo que escrevemos. Uma vez eliminadas essas fantasias, seu artigo não contém um único argumento racional contra nossas teses. Talvez uma modesta manifestação de racionalismo provoque profundas reações irracionalistas.
Alan Sokal é professor de física na Universidade de Nova York (EUA).
Jean Bricmont é professor de física teórica na Universidade Católica de Louvain (Bélgica).
Tradução de Caetano Plastino.
Folha de São Paulo
13/Jun/98
Alan Sokal; Jean Bricmont
TRADUÇÃO: CAETANO PLASTINO
ALAN SOKAL
JEAN BRICMONT
Já nos habituamos a ver nosso livro "Impostures Intellectuelles" ser debatido por pessoas que não o leram. Porém, é surpreendente que alguém que obviamente leu nosso livro -um professor de filosofia, aliás- possa ter escrito uma longa resenha, em um jornal sério, na qual ignora quase tudo o que escrevemos no livro e ainda nos atribui coisas que não escrevemos (Jornal de Resenhas, nº 38, 9/5/98, pág. 10).
Nosso livro surgiu a partir da peça pregada por um de nós, que publicou, na revista americana de estudos culturais "Social Text", uma paródia repleta de citações sem sentido, mas infelizmente autênticas, a respeito da física e da matemática, extraídas de obras de eminentes intelectuais franceses e americanos. No entanto, apenas uma pequena parte do dossiê descoberto durante a pesquisa bibliográfica de Sokal pôde ser incluída na paródia. Após mostrar esse longo dossiê a amigos, cientistas ou não, fomos (lentamente) nos convencendo de que poderia valer a pena torná-lo acessível a um público mais amplo. Desejávamos explicar, em termos não técnicos, por que as passagens citadas são absurdas ou, em muitos casos, simplesmente carentes de sentido; e também desejávamos discutir as circunstâncias culturais que permitiram a esses discursos adquirir tamanho renome e permanecer, até então, sem exame. Um segundo alvo de nosso livro é o relativismo cognitivo, a saber, a idéia de que as asserções fatuais -sejam elas mitos tradicionais ou teorias científicas modernas- podem ser consideradas verdadeiras ou falsas apenas "em relação a uma cultura particular".
Como Bento Prado Jr. reage a este livro? Deixemos de lado os epítetos pejorativos: "panfleto", "ressentimento", "red neck", "estilo monsieur Homais", "15 minutos de notoriedade". É óbvio que ele não gosta de nosso livro, mas honestamente não compreendemos por quê. Ele admite nossa tese principal: "Este livro põe em ridículo, muitas vezes com razão, um uso obscuro da linguagem" por parte de famosos filósofos-literatos franceses (Lacan, Kristeva, Baudrillard, Deleuze e outros). Ele não procura defender nenhum dos textos que criticamos, e ainda acrescenta que "a antologia levantada pelos dois autores poderia ser muito ampliada". Muito bom.
Quais são então as suas críticas?
Ele se queixa de nosso alvo -"a nebulosa pós-moderna"- ser "definido, ele mesmo, de maneira muito nebulosa: trata-se da nebulosa 'pós-estruturalista' ou 'desconstrucionista' ". Mas essa "definição" é invenção do próprio Prado; ademais, ele suprime a definição dada no primeiro parágrafo de nosso livro: "Uma corrente intelectual caracterizada pela rejeição mais ou menos explícita da tradição racionalista do Iluminismo, por elaborações teóricas independentes de qualquer teste empírico, e por um relativismo cognitivo e cultural que trata as ciências como 'narrativas' ou construções sociais como quaisquer outras".
Prado afirma, sem apresentar a mínima evidência, que nosso alvo pós-moderno "inclui quase toda a epistemologia e mesmo a filosofia de língua inglesa". Ele nos atribui a idéia de que "o pobre Quine arca com a responsabilidade de desligar a ciência do real (...). Descobrimos que Quine é desconstrucionista". Sejamos sérios! Quine figura apenas uma vez em nosso livro (págs. 65-66), em que apoiamos sua asserção de que os enunciados científicos não podem ser testados individualmente, mas criticamos as formulações mais extremas dessa tese.
Prado chega a nos atribuir uma "arqueologia da Desrazão que explica o delírio epistemológico-cosmológico de um certo feminismo a partir dos 'equívocos' lógico-semânticos de Quine". Mas isso é pura invenção, sem nenhuma base em nosso livro. Nosso capítulo filosófico não menciona o feminismo e nosso capítulo sobre Irigaray não menciona Quine.
Prado afirma que relegamos Hegel "ao inferno do 'irracionalismo'±". Mas Hegel é mencionado só em duas breves passagens de nosso livro (págs. 16-17, 146) e somente a propósito de seus escritos sobre o cálculo diferencial e integral -erros que foram repetidos, 150 anos depois, por Deleuze. Não tomamos nenhuma posição a respeito da filosofia de Hegel.
Prado zomba de termos que supostamente consideram Bergson um pós-modernista. De fato, escrevemos (pág. 166): "Obviamente, Bergson não é um autor pós-moderno. (...) Há certamente uma seriedade em Bergson que contrasta nitidamente com a desenvoltura e o caráter 'blasé' dos pós-modernos". Por uma razão diferente, incluímos um capítulo sobre os mal-entendidos de Bergson e seus sucessores (Jankélévitch, Merleau-Ponty e Deleuze) a respeito da relatividade: porque os consideramos um exemplo que ilustra a "trágica ausência de comunicação entre os cientistas e certos filósofos (e não os menores)" (pág. 168) -uma situação que persiste ainda hoje, a julgar pelos próprios mal-entendidos do professor Prado.
Ele afirma que "Bergson jamais criticou, é claro, a teoria (da relatividade) enquanto tal" e que "Bergson reconheceu que seus argumentos teóricos (...) estavam literalmente errados". Ambas as asserções são falsas. Como mostramos (págs. 175-176), Bergson fez uma predição empírica a respeito do comportamento de relógios em movimento que é diferente da predição da teoria da relatividade (talvez ele não tivesse percebido que sua predição contradiz a relatividade, mas essa é uma outra questão; na verdade, um de nossos objetivos é refutar a opinião difundida de que Bergson não criticou a relatividade, mas apenas sua interpretação).
E embora Bergson não tenha publicado "Durée et Simultanéité" (Duração e Simultaneidade) após 1931, ele repetiu as mesmas idéias em "La Pensée et le Mouvant" (O Pensamento e o Movente), de 1934, e, pelo que sabemos, nunca as negou e muito menos explicou o que havia de errado com elas. Mas, se o tivesse feito, isso apenas reforçaria nossa questão principal, que não concerne a Bergson mas a seus sucessores: por que eles repetiram os mesmos erros décadas depois de terem sido corrigidos, paciente e pedagogicamente, por numerosos físicos?
Prado conclui dizendo-nos condescendentemente que, "desencaminhados por seus informantes, (Sokal e Bricmont) não leram as melhores páginas que Merleau-Ponty consagrou à questão Bergson-Einstein. Deveriam ler os ensaios 'Bergson Se Fazendo' e 'Einstein e a Crise da Razão' ". Perguntamo-nos como Prado pode estar tão seguro acerca do que temos e do que não temos lido. Não apenas conhecemos esses ensaios (que contêm graves mal-entendidos sobre a relatividade), como criticamos explicitamente um deles em nosso livro (ver nota 232 nas págs. 180-181).
Cabe notar que as confusões de Merleau-Ponty sobre a relatividade são sistemáticas: repetem-se em suas conferências no final dos anos 50 no Collège de France, conforme examinamos (págs. 179-181). Essas mesmas confusões reaparecem no livro "Le Bergsonisme" (1968), de Deleuze.
Consideremos, finalmente, o capítulo de nosso livro dedicado à filosofia da ciência: trata-se de um esforço pedagógico para esclarecer os fundamentos conceituais do conhecimento científico e, em particular, para desfazer algumas confusões comuns a respeito de questões como a impregnação teórica da observação, a subdeterminação das teorias pelos dados e a suposta incomensurabilidade entre paradigmas. Em particular, examinamos algumas ambiguidades nos escritos de Kuhn e Feyerabend e criticamos a corrente "construtivista social" radical da sociologia da ciência (Barnes, Bloor, Latour).
Não pretendemos que essas idéias sejam novas; de fato, elas se enquadram no "mainstream" da filosofia analítica contemporânea da ciência. Nossa principal preocupação é, antes, desfazer os mal-entendidos que têm proliferado dentro de muitos domínios das ciências sociais e que têm conduzido, pelo descuido de pensamento e linguagem, a um relativismo cognitivo radical.
Estamos cientes de que essas questões filosóficas são sutis e ficaremos contentes se nossas idéias forem submetidas a uma crítica vigorosa. Infelizmente, os comentários de Prado pouco contribuem para esse debate, ao refletirem uma compreensão confusa daquilo que escrevemos. Prado afirma que consideramos que o relativismo é "hegemônico na epistemologia", mas nós não dissemos nada disso. Muito pelo contrário, o relativismo é uma tendência minoritária dentro da filosofia analítica, mas se tem tornado dominante em certos setores das ciências humanas, mais como um vago "Zeitgeist" ("espírito do tempo") do que como uma doutrina filosófica coerente.
Prado distorce nossas idéias sobre a relação entre conhecimento científico e conhecimento ordinário, ao desconsiderar nossa distinção entre metodologia e conteúdo. Insistimos na continuidade entre o "método científico" e a atitude racional cotidiana, mas salientamos que os resultados científicos "amiúde entram em conflito com o senso comum" (pág. 57).
Em suma, estamos perplexos diante da reação a nosso livro. Quando inicialmente tomamos contato com os textos de Lacan, Deleuze e outros, ficamos chocados com seus abusos grosseiros, mas não sabíamos se valeria a pena gastar tempo para revelá-los. Esses autores ainda são levados a sério? Foram pessoas das ciências humanas que nos convenceram de que poderia valer a pena. Assim, esperávamos dar uma pequena contribuição a esses campos, acrescentando mais uma voz contra o aviltamento do pensamento pela proliferação de um jargão inútil e pretensioso.
Sabíamos, é claro, que seríamos duramente atacados pelos nossos alvos e seus discípulos. Mas uma coisa que não prevíamos era a hostilidade agressiva de algumas pessoas, ainda que não sejam, pelo visto, fãs dos autores criticados. Talvez nosso livro tenha estimulado "uma estratégia de defesa de território" por parte de pessoas que, como Prado, erroneamente o tomaram como um lance numa disputa territorial. Mas não escrevemos este livro para defender as ciências naturais das ameaças do pós-modernismo e do relativismo; esse perigo é quase inexistente. Também não se trata de um ataque à filosofia ou às ciências humanas em geral; muito pelo contrário, é um modesto esforço para apoiar nossos colegas nesses campos, que há tempos denunciam os efeitos perniciosos do jargão obscurantista e do relativismo visceral. As reações corporativistas contra nosso livro estão, pois, fora de lugar.
Obviamente, Prado e muitos outros não gostam de nosso livro. Mas por que razão? Sua crítica baseia-se inteiramente em suas próprias fantasias, não em uma leitura honesta daquilo que escrevemos. Uma vez eliminadas essas fantasias, seu artigo não contém um único argumento racional contra nossas teses. Talvez uma modesta manifestação de racionalismo provoque profundas reações irracionalistas.
Alan Sokal é professor de física na Universidade de Nova York (EUA).
Jean Bricmont é professor de física teórica na Universidade Católica de Louvain (Bélgica).
Tradução de Caetano Plastino.
Folha de São Paulo
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