sábado, 24 de novembro de 2018

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NAS MENSAGENS PRESIDENCIAIS DE VARGAS E JK

Resultado de imagem para Dimensões contextuais da educação brasileira: a educação nas mensagens presidenciais de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (1951-1960) livro

REIS, Carlos Eduardo dos. Dimensões contextuais da educação brasileira: a educação nas mensagens presidenciais de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (1951-1960). Florianópolis: NUPED, 2011 (118p.)

Jéferson Dantas*
* Mestre em Educação e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na linha de investigação Trabalho e Educação. Eamil: clioinsone@gmail.com.

O historiador Carlos Eduardo dos Reis (1960-) que há muito anos se dedica a discutir as interfaces entre o conhecimento histórico e a História da Educação, traz à baila em seu mais recente livro – numa série de seis volumes – os projetos de educação para o Brasil a partir das mensagens presidenciais. Neste primeiro volume, Reis delimita temporalmente o seu debate nas mensagens proferidas por Getúlio Dornelles Vargas (1883-1954) e Juscelino Kubitschek (1902-1976) entre os anos de 1951 e 1960. Logo no início de seu exame analítico, o historiador abaliza que o ‘processo civilizatório’ em nosso país foi forjado à custa da violência do trabalho escravo e pela exploração incessante da força de trabalho das camadas sociais populares (tanto no meio rural como no meio urbano). A educação seria, pois, a condição essencial para a imposição da ‘ordem’ e do ‘progresso’ a um contingente populacional banido dos processos de escolarização até as primeiras décadas do regime republicano. Reis afirma ainda que o projeto de nação das elites dominantes para o Brasil não compreendia a educação e a instrução pública como elementos constituintes. Tais elites, educadas nas universidades europeias ou nos bancos das universidades de Direito do Brasil, fizeram da “educação a grande abstração histórica que daria conta de construir o país com um futuro brilhante, desde que fosse branco, civilizado e morigerado” (p. 9). As elites reiteravam a importância da educação, mas sempre postergando os desafios da mesma para as futuras gerações. A ‘cultura bacharelesca’ foi a tônica da formação em nível superior em nosso país durante muitas décadas, enquanto a educação básica sofria de intenso processo de indigência e inanição devido à ausência de investimentos ou recursos públicos. O fio condutor da narrativa do autor, contudo, não se baseia tão somente nas mensagens presidenciais, mas num importante debate político que se fazia no Brasil naquele período, ou seja, a tramitação no Congresso Nacional da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que seria aprovada no início da década de 1960 e ficaria conhecida como Lei 4.024/1961. As discussões relativas à LDB iniciaram-se logo após a segunda guerra mundial, em 1946, e somente 15 anos depois foi finalmente aprovada. A questão educacional em tal contexto estava alicerçada na polêmica ‘centralização’ versus ‘descentralização’, ou em outras palavras, o confronto político explícito entre ‘liberais’ e ‘autoritários’, onde então se conjugavam as defesas relativas à escola pública ou à escola privada. O udenista Carlos Lacerda, inimigo político declarado de Vargas, era o principal defensor da perspectiva privatista no campo educacional. Getúlio Vargas, em suas primeiras mensagens presidenciais ao assumir o governo em 1951, deixava claro que as suas apostas residiriam no desenvolvimento científico e tecnológico, cujo momento fulcral foi a criação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), responsável pelo fomento da pesquisa acadêmica até os dias atuais, notadamente na Pós-Graduação. Ainda durante a década de 1950, Getúlio Vargas assinalava a importância da campanha nacional do Livro Didático, além de sua recorrente preocupação com o estado lamentável do ensino primário, que apresentava, praticamente, regime de terminalidade após quatro anos de estudos básicos para grande parcela da população que se escolarizava. Poucos eram os que conseguiam continuar seus estudos em nível secundário ou quiçá ingressar no ensino superior. Juscelino Kubitschek, por seu turno, indicava no início do seu mandato em 1956 que “propunha-se a assistir a todos os tipos de escolas necessárias à formação do homem e indicava os dois princípios que iriam nortear a ação transformadora de seu governo: a descentralização administrativa e a flexibilização dos currículos” (p. 59). Todavia, imerso que estava o país na ‘cultura bacharelesca’, o que se assistiu de fato foi a saturação do ensino superior e o crescimento desordenado das carreiras profissionais liberais em detrimento das profissões técnicas. Kubitschek lamentava que a escolarização básica e a sua terminalidade precoce depois de quatro anos representava um ‘hiato nocivo’, tendo em vista que eram necessários dois anos para que os/as estudantes se preparassem para ingressar no ensino secundário. Evidentemente, muitos destes estudantes não prosseguiam os seus estudos,  dirigindo-se precocemente ao mundo do trabalho. Em 1958 havia no Brasil mais de 50% de analfabetos absolutos. Nesta direção, o ensino primário e o combate ao analfabetismo eram considerados como ‘a prioridade das prioridades’ do governo JK, pois segundo o presidente os recursos públicos disponíveis seriam “mais bem aplicados naquele nível de ensino, dando resultados imediatos na formação de pessoal qualificado para a sua proposta de desenvolvimento” (p. 83). Logo, propunha-se para este setor (ensino primário) experiências em áreas limitadas do país. De fato, houve uma experiência piloto numa cidade do interior de Minas Gerais (estado natal do presidente), mas sem maiores consequências para os enormes desafios educacionais que o Brasil arrostava. Além disso, o ensino secundário continuava sendo o grande gargalo no processo educacional brasileiro, já que poucos estudantes conseguiam ascender a este nível de escolarização. O historiador conclui por meio da análise das mensagens presidenciais que havia, por certo, um projeto educacional para o Brasil, todavia, longe de merecer a atenção requerida para uma nação em franco desenvolvimento industrial. A lógica assistencialista e meramente reativa às demandas de novas escolas e formação adequada de professores constituiu-se numa cultura perversa e permanente de se encarar a problemática educacional em nosso país. Somase a isso a concupiscente relação do público com o privado, que permitiu até os dias de hoje o enriquecimento de grandes grupos privados educacionais, responsáveis por mais de 30% das publicações didáticas (livros, manuais, apostilas, sistemas de ensino, etc.), denotando uma nefanda instrumentalidade pedagógica e a desqualificação dos saberes dos/as professores/as. Se, por um lado, a perspectiva analítica de Reis pode parecer até certa altura pouco densa, devido à sua opção em escrever um livro dirigido, especialmente, à formação inicial de professores e professoras, por outro lado, o autor nos revela o ineditismo de compreender um projeto de educação nacional a partir das mensagens presidenciais. As fontes de pesquisa analisadas ganham, assim, caráter relevante. Há determinadas lacunas analíticas ou históricas que poderiam ser mais bem problematizadas, mas nada que desautorize o debate tão atual de nosso inventário histórico, político e pedagógico. É uma obra que merece ser lida e discutida nos bancos acadêmicos. 
Revista Percursos

ENSINO DE GEOGRAFIA: novos olhares e práticas

Resultado de imagem para ENSINO DE GEOGRAFIA: novos olhares e práticas
Larissa Corrêa Firmino* 

“Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela.”. Albert Camus.

*Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: laracorreaf@gmail.com. 1 CANCLINI, Nestor Garcia. Leitores, espectadores e internautas. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, 2008. 96p. Em sua obra, Canclini faz uma reflexão de conceitos ligados à leitura, ao audiovisual e ao virtual, tratandoda analogia entre ser leitor, espectador e internauta, quando as três atividades são realizadas simultaneamente por uma mesma pessoa.


O espaço escolar se encontra atualmente configurado de modo onde o repasse excessivo de informações predomina em aulas tradicionais, que nada se difere da transmissão de conteúdos praticada há décadas nas escolas e tão criticada no meio acadêmico. Tal cenário faz o educador, de qualquer que seja a área, buscar novas ferramentas e modos de repensar sua prática pedagógica. Nós, professores e alunos, vivemos em uma sociedade onde nos portamos ao mesmo tempo como ‘leitores, espectadores e internautas’, tal nos ressalta Néstor García Canclini em sua obra1 . Assim, a importância de interligar e explorar novas práticas pedagógicas baseadas nestas três ações abordadas por Canclini e que são realizadas momentaneamente por nós e nossos alunos, devem e podem ser inseridas numa prática pedagógica do fazer em sala de aula. Afinal, “o que fazer com milhares de páginas novas por dia, com milhões de canções e chats indiscriminados?” (2008, p. 61). É neste cenário complexo e heterogêneo de informações múltiplas onde a prática pedagógica do ensinar-aprender está inserida. Eis o nosso pano de fundo: lidar com a carga excessiva de informação sobre o mundo. 
Deste modo, se quisermos nossos alunos dispostos e entregues à experiência de apreender, nada mais válido que ampliar nossa própria visão de mundo sobre práticas escolares que propõem outros olhares para a geografia escolar. Nesse sentido, o livro “Ensino de Geografia: Novos olhares e práticas” é um convite ao professor de geografia a repensar e reavaliar seus trajetos em sala de aula (e fora dela, claro!). Este livro é composto por seis artigos elaborados por oito pesquisadores que nos convidam a refletir sobre o ensino de geografia na atualidade com base nas pesquisas e práticas desenvolvidas por eles próprios com seus alunos, sejam estes acadêmicos do curso de geografia ou educandos do ensino regular em escolas públicas. A obra apresenta artigos resultantes de práticas oriundas da inquietude e da percepção de professores quanto à necessidade de aprimoramento do exercício do aprendizado, compreendido não apenas pela absorção por parte do aluno, mas também no sentido mais amplo da construção cotidiana e do registro de sua prática de ensino, onde o professor é com certeza um personagem interativo em constante desenvolvimento. O livro tem o valor de fornecer subsídios para a reflexão do leitor originandose da aplicação das práticas expostas no seu contexto. Não como um manual que deva ser seguido, um pacote a ser incorporado, exportado e aplicado, mas sim como forma de desenvolver um debate reflexivo, onde o profissional poderá dialogar e perceber a si mesmo aplicando novas práticas pedagógicas de acordo com seu contexto. Além da preocupação em problematizar o ensino de geografia no mundo contemporâneo, a obra organizada por Flaviana Gasparotti Nunes, nos apresenta saídas inventivas para tal realidade. Nos textos contidos neste livro, os pesquisadores narram suas experiências em sala de aula tal qual um diário de bordo que se configura como “um registro de práticas para discussão coletiva”, assim como prefacia o Professor Nestor André Kaercher. Flaviana Gasparotti Nunes, a organizadora do livro, é licenciada, mestre e doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP e pós-doutoranda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É professora do curso de graduação em Geografia e do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Geografia da Faculdade de Ciências Humanas da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) e desenvolve pesquisas orientando trabalhos na área de ensino e formação de professores de Geografia. Desde 2009 Flaviana coordena o subprojeto de Geografia no Programa Institucional de Bolsa da Iniciação à Docência – PIBID/UFGD. O livro abre seus trabalhos com o instigante texto de Wenceslao Machado de Oliveira Jr, “Desenhos e Escutas”, que busca resgatar uma reflexão inventiva em suas experiências com graduandos de um curso de geografia. Os desenhos confeccionados por estes alunos tornam-se ferramentas de escuta ao professor, os quais são denominados de ‘saberesconhecimentoimagens’ pelo autor. O tema dos desenhos é o meio ambiente, porém convergindo para as múltiplas possibilidades na composição possível do currículo. O ensino de cartografia também aparece como pauta de discussão numa tentativa de estabelecer um diálogo entre a sociedade e o mundo dos mapas, com o texto “O ensino de Cartografia que não está no currículo: olhares cartográficos, “carto-fatos” e “cultura cartográfica”, de Jörn Seemann. Rodolfo Finatti e Cláudio Benito Oliveira Ferraz nos mostram uma das muitas saídas inventivas contidas neste livro. No artigo “Linguagem geográfica do jogo de xadrez: uma aproximação ao conceito de território e ao processo de ensino-aprendizagem”, os autores nos apresentam o jogo de xadrez como uma importante ferramenta para trabalhar o conceito de território dentro da sala de aula, evidenciando uma relação entre o jogo e a ciência geográfica tão presente nesta. Com o decorrer das páginas, encontramos o trabalho de Jonatas Rodrigues dos Santos e Flaviana Gasparotti Nunes, intitulado como “O aluno surdo na sala de aula de Geografia: alguns elementos para a reflexão sobre a inclusão”, que nos demonstra, sob a forma de análise, as dificuldades e possibilidades de trabalho com o educando surdo dentro do ensino regular de geografia. O registro dessas experiências é algo enaltecido já no prefácio pelo professor Nestor Kaercher, que ressalta a importância de passar adiante, grafar a vivência de forma a buscar a evolução da compreensão de algo tão prático e reflexivo como é a docência. Acredito ainda, ser interessante salientar que o conteúdo do livro se metainfluencia. Ou seja, apresenta-nos uma série de inquietudes e experiências indicando a necessidade de aplicação de diferentes métodos para cada realidade/contexto. Sendo assim, o livro é uma forma de apresentar as problemáticas pelas quais os conteúdos estão envolvidos, não sendo obviamente um meio exaustivo de esgotá-las, mas necessitando complementaridade e outras formas de apreensão como o próprio exercício prático das transformações pelas quais o leitor passou. Aos interessados em novos olhares sobre o ensino de geografia, recomendo a leitura deste livro como uma maneira de iniciar deslocamentos inventivos para fazeres em sala de aula. 
Revista Percursos

Em defesa da escola: uma questão pública

Resultado de imagem para Em defesa da escola: uma questão pública
Juliana de Favere Doutoranda em Educação na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Brasil julifavere@gmail.com 
Luiz Guilherme Augsburger Mestrando em Educação na UDESC. Brasil luizg.augs@gmail.com Danilo Stank Ribeiro Mestrando em Educação na UDESC. Brasil danilostankr@gmail.com 
Ana Maria Hoepers Preve Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Professora da UDESC. Brasil anamariapreve@gmail.com

FAVERE, Juliana de; AUGSBURGER; Luiz Guilherme; RIBEIRO, Danilo Stank; PREVE, Ana Maria Hoepers. Resenha do livro “Em defesa da escola: uma questão pública”. Revista PerCursos. Florianópolis, v. 17, n. 35, p. 246 – 252, set./dez. 2016. 

2 Jan Masschelein é Professor de Filosofia da Educação da Universidade de Louvain (Bélgica). As áreas de seu maior interesse são: teoria educacional, teoria crítica e filosofia social. Atualmente, concentra seus estudos no papel público e no significado da educação, bem como no “mapear” e no “andar” como práticas críticas de pesquisa. Maarten Simons é Professor de Política e Teoria Educacional da Universidade de Louvain (Bélgica). Suas principais áreas de interesse são: política educacional, novos mecanismos de poder, novos regimes de governo e de aprendizagem. Sua pesquisa se concentra explicitamente nos desafios colocados para a educação, com o interesse principal de (re)pensar o papel público das escolas e das universidades. Juntos coordenam o Laboratório para Educação e Sociedade da Universidade de Louvain (Bélgica)

1 Trata-se aqui da segunda edição, publicada em 2014 pela editora Autêntica e tradução de Cristina Antunes. Esta edição faz parte da Coleção ‘Educação: Experiência e Sentido’ coordenada pelos autores Jorge Larrosa e Walter Kohan. A primeira edição foi publicada em 2013. O livro foi publicado originalmente em 2013, com o título ‘In Defence of the School’


Discutir sobre a escola. Uma questão vencida e esgotada... Talvez não. Talvez uma questão pública, uma questão de bem comum. Skholé, em grego, designava tempo livre e a escola, distanciada do trabalho e da ocupação adulta, era a espacialização deste tempo livre. Sua forma, desde sua invenção histórica, apresenta características comuns, porém a partir do início do século XX, entra no campo de discussão entre as comunidades epistêmicas. Iniciam-se, assim, inúmeras discursividades. A escrita do livro Em defesa da escola: uma questão pública1 , tem o foco na experiência, “transformando” o que sabemos e liberando-nos de certas verdades. Assim, não se contamina pelos discursos das reformas propondo mais uma; pretende, antes, “absolver” a escola dos ódios, críticas e crises a ela dirigidos. Discorre sobre o que há na escola de público e comum e o que a torna uma potência para pensar o mundo. Reinventá-lo, como quem revê o já visto, já criado, já escolarizado. No caminho da escola como uma questão pública, a reinvenção passa por “encontrar formas concretas no mundo de hoje para fornecer ‘tempo livre’ e para reunir os jovens em torno de uma ‘coisa’ comum [...]” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 11). Acusar. Demarcar posições. Indicar demandas. Recorrências sobre a escola que ecoam e enunciam discursividades no campo educativo que dizem muito e ao mesmo tempo não dizem nada. Dizem muito de “nós” – precisamos, necessitamos, inovamos –, classificando e incluindo cada um em cada lugar. No banco dos réus, a escola é acusada: há na escola temas artificiais, ausência do mundo real e das necessidades do mercado de trabalho! Preocupações que corroboram para acusar a escola de alienante e distante da sociedade. Ela é culpada! Abusa, reproduz e trabalha a favor da desigualdade social e a serviço do capital econômico. Opera na ordem da manutenção da elite cultural, protegendo a propriedade. Ela desmotiva nossos jovens! Em defesa da aprendizagem lúdica, os acusadores priorizam o valor de entretenimento, informação, a utilidade do que se aprende e a capacidade de se fazer escolhas, de modo que satisfaçam as necessidades da sociedade. Falta eficácia, falta eficiência, falta desempenho! Para manter sua estrutura, as necessidades indicam a escola como um negócio, condizentes com este tempo, e solicitam o cumprimento de metas e objetivos de modo rápido e ainda com baixo custo e o alcance de bom desempenho de cada escolar. Ela precisa ser reparada! As reformas trazem a ideia de otimizar o desempenho de aprendizagem (individual). A escola, numa atitude reparadora, é funcional, funciona para algo e tem um propósito específico. Aprender a aprender! A escola, em sua redundância, reduz a aprendizagem em produção de resultados, como uma instituição de reconhecimento e validação de aprendizagens e oferece diplomas válidos, com o “selo de qualidade”. A escola é obsoleta! Ainda, a aprendizagem na era digital, ligada ao tempo e ao espaço, não necessita mais de um espaço físico, pois as tecnologias digitais permitem direcionar a aprendizagem sobre o aluno individual, personalizar. O ato de aprender se resume ao divertido e à personalização, em que a aprendizagem acontece em qualquer lugar e momento. Bye-bye, Escola! Diante das acusações, a absolvição, que frui pela questão da skholé enquanto “tempo livre”. Após expor as acusações, é proposta no livro uma série de questões em torno do que é o escolar, daquilo que constituiria a forma escola. Deste modo, é posta a questão da suspensão, ou de como colocar aquilo que está na escola, no espaço escolar, de colocar aquilo que é estudado entre parênteses, liberando ou destacando essas materialidades de seu lugar habitual. Esta suspensão implica uma questão de profanação, i.e., sacar as coisas de sua sacralidade (o não humano) para torná-las disponíveis (ao estudo), torná-las um bem público ou comum – devolvê-las ao humano, ao mundo. A questão de atenção e de mundo se coloca, então, como necessidade da profanação de abrir o mundo, criar no estudante interesse, trazendo-se à vida e dando-se forma à matéria de estudo. Apresenta-se, para tanto, a questão de tecnologia, das tecnologias implicadas nesse escolar; segundo os autores, as tecnologias escolares fundamentais são praticar (o exercício), estudar e disciplinar. Entretanto, para que a escola ou o escolar possam acontecer é preciso “ser capaz de começar”, “desativando” temporariamente as particularidades e desigualdades de cada estudante com seu mundo/realidade, como um princípio escolar, uma questão de igualdade. Se a escola é uma espacialização do tempo livre, ela não está dada, ela precisa ser feita; é o professor, com seu amor (respeito, atenção, dedicação e paixão) pela matéria, que a faz ganhar vida própria; a questão de amor implica esse amadorismo e paixão do professor capaz assim de, em sua maestria, tornar presente a matéria de estudo. Para tanto, põe-se uma questão de preparação, o professor precisa estar em forma, ser bem treinado – menos como um “profissional” e mais como um atleta –, mas também bem-educar os estudantes e testar seus limites, dando-lhes uma forma na qual eles sejam “capazes de...”, em que eles experimentem “um tempo sem destinação” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 92). Neste ínterim, há uma questão de responsabilidade do professor em exercer sua autoridade como quem traz algo à vida, traz ao estudante um mundo, que não é aquele da família nem do mercado. Segundo os autores2 , desde sua origem na polis grega, a escola foi um ataque aos privilégios das elites e um espaço que possibilitou outro começo. Não surpreende, então, que a escola, ao longo de sua história, tenha sofrido várias tentativas de domá-la. Na atualidade, estas tentativas podem ser sistematizadas em seis pontos: (1) a politização da escola, na qual ela é incumbida de responsabilidades políticas (concernentes à sociedade) que não podem ser cumpridas senão com o abandono de certa responsabilidade educacional; assim, se a política está na escola não é senão como matéria de estudo, ou como aquilo que não pertence ao escolar. (2) A pedagogização, cujo efeito é imputar à escola funções que concernem à família; não que à escola não caibam questões pedagógicas, mas isso se faz de modo que se suspenda temporariamente o familiar. (3) A naturalização, por sua vez, são as tentativas de fazer da escola um meio para produzir uma elite social, reproduzindo nela determinações “naturais” – da ordem da necessidade das coisas –, como, por exemplo, se faz por meio dos talentos e aptidões físicas e intelectuais. (4) A tecnologização, a despeito das tecnologias, trata-se da tentativa de domar a escola por meio da transferência da tônica escolar à própria técnica, a tecnologias; ainda que composta de tecnologias que não fazem parte do escolar. (5) A psicologização, outra estratégia de condicionamento de professores e alunos, trata-se, em suma, de “substituir o ensino por uma forma de orientação psicológica” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 126), impingindo ao professor funções que não lhe dizem respeito e reduzindo o aluno ao espectro motivacional. (6) A popularização, por fim, implica uma manutenção do aluno numa infantilidade por meio do entretenimento e relaxamento, assim, a escola e o professor sujeitam-se à tarefa de aliviar as tensões e tédios do mundo do aluno. Se, por um lado, se tenta domar a escola, por outro, o alvo é o professor, e de dois modos: através da profissionalização, que, em uma primeira variante, substitui a “sabedoria da experiência do professor pela especialização ou competência” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 137), cujo conhecimento é considerado válido e confiável – afastando o professor do tempo livre e da autoformação; em uma segunda variante, reduz o ofício professoral a fundamentos “reais” através do acúmulo de competências, que ao cabo dizem respeito a demandas práticas do mercado; e, em uma terceira variante, profissionaliza por meio da pressão da responsabilidade; o professor é domado pela demanda, pela qualidade e outras linguagens mercadológicas. Mas se doma o professor também por meio da flexibilização, expressão de uma cultura corporativa moderna, ela exige que o professor se torne disponível e empregável em todos os momentos e em qualquer lugar; competente, o professor está inserido no padrão multitask/omnivalente. Então, repetimos a questão: discutir sobre a escola, uma questão vencida e esgotada...? Não. Uma questão pública, uma questão de bem comum... Uma questão de igualdade. Igualdade como/de princípio. Frente às diversas acusações que põem a escola e o escolar como ultrapassados/ obsoletos enquanto lugar/modo de aprendizagem, que tentam domá-la, pregam sua reforma ou o seu fim, frente a tudo isto a escola ainda está, ainda permanece. E permanece, pois, ainda em sua forma, mesmo que cada vez menos, um lugar de amor pelo mundo e pela nova geração, um lugar de “ser capaz de”, de transformar as coisas em “bens comuns”, lugar de um “tempo livre” (liberado da família, da economia, da política) ainda não preenchido, capturado, produtivo, onde ainda é possível começar, fazer novamente e, portanto, onde uma sociedade dá à nova geração a oportunidade de olhar para o mundo que partilham em comum e renová-lo. Por isso, o foco da escola não é a aprendizagem, seus resultados, sua utilidade, as competências, o gerenciamento, o empreender, os ambientes, a eficácia, a produtibilidade, aquilo que gira em torno do aprender, da verificação do aprender, da adequação do aprender, das formas de se aprender mais e melhor em menos tempo ou de regular, averiguar, inspecionar e motivar. Sem o objetivo na aprendizagem, como um fim, mas a escola como um lugar com possibilidade de atenção em um estudo e prática de interesse. Portanto, a escola, como lugar de igualdade, faz colocar algumas coisas em suspensão, “entre parênteses”, como a economia, a sociedade, a política, a empregabilidade... Para assim tentar apresentar o mundo mais uma vez, liberar algumas coisas do mundo, começar novamente, dar atenção a certas coisas (e nisso se enquadram as diversas técnicas escolares que tornam isso possível: ditado, cópia, quadro-negro ou as telas das TIC´s). Um lugar de igualdade que tem que ser inventado, pois personifica fisicamente uma crença: “a crença que não existe uma ordem natural de proprietários privilegiados; de que somo iguais; de que o mundo pertence a todos, e portanto, a ninguém em particular; de que a escola é uma aventureira terra de ninguém, onde todos podem se elevar acima de si mesmos” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 167-8). Assim, na sempre iminência de seu desfazimento, apesar da anunciação constante de seu possível fim, a despeito das tentativas de domá-la, de transformá-la, de renová-la, de adequá-la, apesar das quinquilharias, das inovações, das concepções teórico-pedagógicas que, geração após geração, se depositam em seu interior, a escola tenta preservar sua forma. Resta saber se, apesar de tudo que se incorpora/inclui/comunica na escola, ainda é possível encontrar no meio deste turbilhão o que ainda há de escola.
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
 Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED 
Revista PerCursos 

A mais bela história da felicidade


Resultado de imagem para A mais bela história da felicidade
A mais bela história da felicidade, de André Comte-Sponville; Jean Delumeau; Arlette Farge. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco Difel: Rio de Janeiro, 2006. 169 p.

Rogério Bianchi de Araújo
Doutorando em Ciências Sociais – PUC-SP; Mestre em Filosofia Social – PUC-Camp; Professor de filosofia e sociologia na Unip; Imes e Uninove. São Paulo – SP [Brasil] rogerbianchi@uol.com.br

A mais bela história da felicidade, de André Comte-Sponville; Jean Delumeau; Arlette Farge. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco Difel: Rio de Janeiro, 2006. 169 p. Rogério Bianchi de Araújo Afinal, o que é a felicidade? Vivemos em função dela? Pode a filosofia contribuir na busca do homem pela felicidade? A felicidade é intrínseca à condição humana? Existem formas particulares de felicidade? Há certezas na felicidade? A felicidade é algo impossível de alcançar? Ser feliz é um imperativo? É possível descrever uma história da felicidade? Qual o lugar da felicidade hoje? Essas são questões fundamentais que o livro tenta responder. Para tanto, utiliza-se um diálogo a três vozes: André Comte-Sponville, filósofo e autor de numerosas obras sobre a ética e a questão da felicidade; Jean Delumeau, professor do College de France e especialista em história das mentalidades religiosas e Arlette Farge, historiadora especializada no século XVIII. O livro está estruturado em três partes, chamadas de atos em vez de capítulos, assim como numa peça de teatro. São três atos divididos em três cenas cada um, composto de uma espécie de entrevista com perguntas e respostas num envolvente diálogo rico e questionador. No primeiro ato chamado “Retorno às origens da sabedoria”, as perguntas são direcionadas ao filósofo André Comte-Sponville. Comte-Sponville diz que a filosofia instaura uma nova maneira de pensar a felicidade, principalmente a partir da revolução socrática, período antropológico da filosofia, quando a preocupação fundamental é entender o que é o homem. Sócrates seria o pensador fundante da filosofia da felicidade, pois pensar melhor ajuda a viver melhor. Ser feliz e ser virtuoso, segundo o pensamento grego clássico, são necessidades básicas para estabelecer o significado da “vida boa”. O autor primeiro discute o surgimento da filosofia da felicidade, tendo como base os pensadores gregos clássicos. Faz um paralelo com a posição aristotélica e entre os estóicos e epicuristas. Depois, em Kant, entende que a felicidade é algo inatingível, pois sempre teremos desejos insatisfeitos e por isso jamais seremos plenamente felizes. Agir sem esperar nenhuma recompensa, segundo Kant, é o significado da boa ação. Esse é o dever do indivíduo, cujo objetivo é cumprir com o dever. Essa é a revolução kantiana, segundo Comte-Sponville. Considera a antropologia de Hobbes mais verdadeira, e a ética de Epicuro, mais justa. Já na abordagem pascalina, fingimos ser felizes para esquecer que não o somos. A única felicidade que poderíamos alcançar está em outra vida, porque a única coisa que desejamos é o futuro, e este não existe. Comte-Sponville discorda de Pascal no que concerne à desesperança, pois esta não pode ser tratada necessariamente como uma infelicidade. Toma, como exemplo, Espinosa, que acreditava ser a felicidade desesperança, porque ela não espera por nada, pois o real já lhe basta. Comte-Sponville conclui que a felicidade vem e vai, é momentânea e relativa e não existe no real, num ideal que é intrínseco ao ser humano e que nos mantém vivos. Propõe uma concepção modesta de felicidade, atrelada às nossas experiências da vida. A partir do momento que não nos perguntarmos mais sobre o sentido da vida, poderemos reconhecer a felicidade. O segundo ato leva o nome de “A invenção do paraíso”, em que as perguntas são destinadas ao professor Jean Delumeau que inicia a primeira cena discutindo o significado do paraíso ao longo de alguns momentos históricos, até chegar a concepção moderna de paraíso, uma morada eterna ao lado de Deus. A esperança aparece fundada sobre um ato de fé, ou seja, a crença na existência do reino dos céus e de um lugar postado ao lado de Deus. Jesus é o elo da nossa realidade com a felicidade do outro mundo. O autor aponta duas revoluções que abalam a concepção de paraíso: a científica que mudou a representação do mundo e do universo. Sob esse ponto de vista, não poderiam mais ser localizadas a morada de Deus e a dos sentimentos, na qual o paraíso seria um lugar de reencontro com os entes queridos. Encontrar os seres amados do outro lado é a representação mais fiel da felicidade. No céu e nesse reencontro de bem-aventurados reina a felicidade eterna, cercada por uma aura de amor eterno e infinito. Reina o amor entre todos, a Deus, ao próximo e a toda a humanidade. Delumeau não acredita que o paraíso seja algo perdido e também não crê na existência de um “pecado original”. Defende a idéia de um inferno minimizado. As pessoas que têm acesso à felicidade eterna recusada serão testemunhas da felicidade dos outros para, em seguida, serem reduzidas a nada, pois pressupor que existe um lugar de sofrimento eterno denotaria a idéia de que Deus não venceu o mal. Não ter acesso à felicidade de viver ao lado de Deus é a punição eterna. O terceiro ato é chamado de “O sonho dos modernos”. As perguntas são agora para a historiadora Arlette Farge. Na cena um, a discussão volta-se para o Século das Luzes. O século XVIII é marcado pela ascensão da burguesia e pelo predomínio da estética e das aparências. Os eruditos e as elites representam estilos de vida que passam a ser considerados os mais apropriados. O povo em si não teria tempo e seria considerado incapaz de ter discernimento suficiente para pensar na verdadeira felicidade. A idéia corrente é que o povo pensa pouco, é um corpo sem consciência. Aos poucos, as desigualdades sociais vão sendo desnudadas e as idéias de injustiça social tornam-se flagrantes. Paralelamente, começa-se a atribuir honradez cada vez maior ao trabalho. Para os trabalhadores do campo, vigora a idéia de que sua união e contato com a natureza lhes darão garantia da felicidade. Nas cidades, a pobreza começa a incomodar. A partir do século XVIII, associa-se a felicidade aos prazeres dos sentidos e da descoberta, reside em aprender o que é novo. O poder absoluto do rei passa a ser questionado. O povo quer reconstruir a felicidade independentemente da vontade do rei, abolindo os privilégios. No epílogo, os três autores dialogam e respondem a algumas perguntas pertinentes à sociedade contemporânea. Esta sociedade parece não acreditar mais na felicidade eterna. Atualmente, a maior aspiração é a felicidade imediata. O lema é viver o aqui e agora, e o importante é ter saúde. Comte-Sponville me parece apontar a melhor saída para repensarmos a felicidade nos dias de hoje. Sugere seguir Espinosa em vez de Platão. Para Platão, desejo é falta, já para Espinosa, é potência. A felicidade é o próprio caminho, cheio de obstáculos e incertezas, é a própria vida. No mundo contemporâneo, em que as futilidades estão na ordem do dia, alimentadas por uma sociedade de consumo desenfreado, teremos de aprender a desejar para afastar a pseudofelicidade e nossas ações devem resultar em momentos felizes cada vez mais freqüentes. Isso, em absoluto, deve significar comodismo e alienação, e sim coerência e realização, num processo de valorização contínuo, mais condigno com a nossa condição e existência humana.
EccoS Revista Científica