O mundo das imagens
Jesus De Paula Assis
O termo "explicação" sempre implica discurso: uma sequência de sentenças pelas quais o desconhecido é conectado ao conhecido, mediante passos lógicos. Assim, "explicação visual" parece um conceito estranho ou, no mínimo, uma locução mal construída.
Mas o fato é que muito daquilo que se considera "explicação" em ciências naturais, formais e mesmo na vida cotidiana é veiculado por gráficos, acompanhados ou não de palavras. A tendência de quem se depara com tais "explicações visuais" é considerar o gráfico uma ajuda, em última análise desnecessária, cujo fim é apenas economizar palavras ou auxiliar os menos capazes.
Da mesma forma, muito da filosofia da ciência feita antes dos anos 50 considerava que os exemplos em livros de ciências naturais são apenas concessões do autor para com seus potenciais leitores menos capacitados para entender a teoria. Assim, quando Newton interrompia seu discurso "teórico" para resolver um problema prático a título de exemplo, ele se dedicava a um exercício puramente didático.
Mais recentemente, esses exemplos e problemas resolvidos, dispersos em textos teóricos, ganharam outro estatuto. Passaram a ser vistos como parte integrante da "teoria", seja lá o que for que a palavra signifique. São esses modestos exemplos, e não a tal teoria pura, que orientam pesquisas futuras, as quais acabam mesmo restritas à articulação desses exemplos em contextos novos. Só quando essas tentativas de articulação (de adaptação dos exemplos) falham é que os cientistas recorrem à teoria nua, sem mais adereços.
Mas e quanto aos gráficos que invariavelmente acompanham textos teóricos em qualquer disciplina nas ciências naturais? Ernst Gombrich tentou descobrir quando os autores começaram a usar setas como indicadores de movimento, mas não conseguiu. "Basta que alguém levante uma questão tão simples quanto esta para ver o quão pouco explorado é o mundo das imagens", escreveu.
A exploração de gráficos que mostram movimento é o tema a que se dedica Edward Tufte, professor de estatística e "design" em Yale. Seu mais recente livro, "Visual Explanations", traz um pouco da história dos gráficos, mas certamente não o suficiente para agradar a Gombrich. Nem é esse seu objetivo. Trata-se de uma exploração da noção de excelência gráfica, entendida como a capacidade de um gráfico para fazer mais que descrever uma situação, levando o observador para além dos dados expostos.
Tufte concentra-se no gráfico estatístico (histogramas, curvas etc. usados para mostrar grandezas de forma relativa) e no que hoje é chamado "infográfico". Os gráficos estatísticos tiveram sua origem na publicação de "Um Inquérito Sobre as Causas Permanentes do Declínio e Queda das Nações Ricas e Poderosas", por William Playfair, em 1805. Já os infográficos, aqueles que pretendem explicar processos não só em termos abstratos, mas dando uma idéia do aspecto real do evento explorado (gráficos que mostram o desenvolvimento de plantas ou animais, que exploram fenômenos atmosféricos, que apresentam acidentes geológicos, movimentos de mecanismos etc.), têm origem incerta. Tufte colige alguns exemplos no século 17, Gombrich não encontra exemplo do uso de setas antes do século 18 e Wainer inclui Leonardo entre os precursores desse recurso explicativo.
Independentemente de sua história, os gráficos podem ser a melhor forma de expor uma teoria, de mostrar um processo depuradamente, sem a intromissão de fatores externos. Do mesmo modo que uma teoria cria modelos do mundo, abstraindo fatores que, dali para diante, serão considerados externos e sem relação direta com o fenômeno estudado, os gráficos desmontam fenômenos, excluem fatores secundários ou não-relacionados e, no fim, apresentam os fatos. Não registram apenas observações, não são apenas maneiras econômicas e não-discursivas de registrar grande quantidade de dados. Eles apresentam fatos, relações não-aparentes entre os fenômenos registrados. O grande passo dado pela apresentação gráfica é a visualização da "forma" com que se distribuem os registros. As curvas, as áreas, as gradações de cor etc. são os fatos que saltam aos olhos e que não o fariam se a apresentação fosse discursiva ou via uma tabela (que é, na verdade, apenas uma forma sintética de discurso).
Nesse ponto, é preciso levantar um problema que Tufte dá como pressuposição, mas que resta provar: existe uma especificidade na apresentação gráfica de fatos? Ou seja, os fatos mostrados graficamente não poderiam ser apresentados com o mesmo efeito de forma discursiva? Tufte não faz muitas digressões epistemológicas sobre gráficos nem sobre o eventual caráter específico e não-traduzível das informações que veiculam. Dá como certo que a pesquisa da excelência gráfica é mais que pesquisa das formas de apresentar claramente problemas, com preocupação apenas didática. Envolve a pesquisa de instrumentos que permitem ver mais detalhadamente a realidade, descobrindo novos fenômenos e fatos (relações entre registros de observações). Enfim, Tufte coloca a pesquisa gráfica no mesmo patamar de outras em que instrumentos como telescópios e detetores de partículas são continuamente desenvolvidos a fim de fornecer mais, e mais distintos, dados.
Também pelo lado negativo, é clara a proximidade entre discurso explicativo e explicação visual: assim como o discurso pode ser enganador, assim como um modelo científico pode distorcer totalmente a realidade, os gráficos podem também enganar e, quando o fazem, dado seu imediatismo e apelo aos sentidos, fazem-no de maneira muito mais eficiente.
Enganos à parte, as táticas para conseguir esclarecimento (fazer os fatos aparecerem) são, segundo o autor, recorrentes na história da ciência. "O sistema olho-cérebro produziu apenas cinco ou seis soluções", escreve. Entre elas: 1) Paralelismo: a colocação lado a lado de representações gráficas dos mesmos fenômenos (em tempos ou perspectivas diferentes) a fim de evidenciar distinções. 2) Múltiplos: a repetição de uma representação sendo que, a cada vez, um pequeno aspecto é mudado a fim de mostrar evolução ou movimento. 3) Confecções: a reunião de elementos gráficos a fim de contar uma história (em quadrinhos, por exemplo). De fato, tal tipologia é tão exploratória quanto inexplorado é o tema.
Apesar do evidente interesse filosófico de se caracterizar a explicação visual (esclarecendo até que ponto é específica e exclusiva), o livro é útil principalmente para quem trabalhe com interfaces. Grosso modo, "interface" é tudo o que fica entre o usuário de um sistema e a base de dados sob esse sistema. Tufte enfatiza aspectos práticos da construção de interfaces: escolha de fontes, maximização da área de informação, uso de cores, escolha de ferramenta gráfica, conforme se queira privilegiar movimento, tempo, quantidades abstratas etc., o que torna este livro fonte de inspiração para artistas gráficos.
Para veicular suas idéias, o autor precisou fundar uma editora -na qual também publicou "Visual Display of Quantitative Information" (1983) e "Envisioning Information" (1990)-, pois não encontrou quem se dispusesse ao trabalho exigido. Algumas páginas precisaram passar por 23 unidades de impressão para exibirem cores e linhas nos registros corretos e na resolução apropriada.
Tufte também toca num tema muito em moda: a multimídia. Ele não se anima com o computador, cuja tela é de baixa resolução e, assim, não permite grandes vôos gráficos. O fato de o computador compensar isso com a possibilidade de apresentar movimento e som não parece mudar a disposição negativa de Tufte. De qualquer forma, sua crítica de algumas interfaces multimídia é incisiva e mostra, no fim de contas, que o livro ilustrado tem uma especificidade e riqueza que dificilmente poderá ser emulada em outro meio.
Jesus de Paula Assis é redator e editor free-lancer.
Folha de São Paulo