O lugar do poeta
09/Mai/98
Melânia Silva De Aguiar
EDWARD LOPES /AUTOR/; METAMORFOSES - A POESIA DE CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
nos últimos anos, o século 18 em Minas Gerais tem sido privilegiado em áreas diversas com estudos significativos, desde os históricos, propriamente, até os de análise e compreensão das manifestações artísticas do tempo, aí incluídas as novas edições que se têm feito dos poetas do chamado "grupo mineiro". Cláudio Manuel da Costa, um dos mais expressivos do período, é agora tema do livro de Edward Lopes, com prefácio de Fábio Lucas.
O livro abre com uma introdução onde o autor ressalta o esquecimento do poeta mineiro por parte da crítica brasileira de modo geral e a ausência de edições confiáveis de sua obra, "em que pese o meritório esforço de João Ribeiro no ordenar a edição das 'Obras Poéticas' de 1903". Lamenta ainda o estudioso a escassez de trabalhos dedicados à visão de conjunto das obras artísticas que floresceram à volta do episódio da Inconfidência mineira e lança o seu protesto contra o desconhecimento do que ela representou. O autor encerra esta introdução com uma exortação no sentido de um resgate ainda que mínimo da enorme dívida que temos para com aquele que, juntamente com seus companheiros, "tornou brasileiras as letras dessa terra".
Seguem seis capítulos, onde o autor busca situar o panorama político-econômico-cultural do tempo, a ideologia e o tipo de discurso poético vigentes, a posição de Cláudio como "continuador da época barroca entre nós" e "iniciador do novo estilo neoclássico", os espaços da poesia do vate mineiro (geográfico, mítico e literário), a imitação neoclássica e a temática claudiana, seu soneto e "seus programas formal e pictórico".
Na conclusão encontram-se reforçados os argumentos já apontados na introdução e no desenvolvimento da obra, relativos, entre outros, à importância e ao fastígio cultural da segunda metade do século 18 em Minas Gerais, à influência dos poetas brasileiros desta fase sobre os portugueses, ao acriticismo de nossos manuais de literatura, visível, segundo o autor, nas afirmações reproduzidas mecanicamente sobre aqueles poetas; encerrando, expressa o desejo de ver reavaliados "globalmente" os escritores desta fase.
O livro de E. Lopes, concluído em 1991, é feliz nas condensações de grandes panoramas político-econômico-culturais; desenvolve análises originais dos sonetos, apoiadas em seguros conhecimentos de linguística e semiótica; possui, em linhas gerais, boas e perspicazes colocações, vazadas em tom entusiasmado e até apologético, o que não é raro nos estudiosos mais atentos de Cláudio Manuel da Costa.
Entretanto, apesar das qualidades, o livro de Lopes se ressente de duas falhas sérias: o autor resvala em dados histórico-bibliográficos importantes para o justo delineamento das questões que propõe e desconhece informações básicas, já divulgadas em letra de forma. Os equívocos com nomes de obras e datas de publicação comprometem o trabalho de Lopes e constituem uma fonte de enganos em cadeia, nociva a uma história literária já bastante prejudicada ultimamente por um descaso generalizado. Vejam-se, por exemplo, os erros que comete nas afirmações que seguem (e aqui vai uma reduzida amostra): "Só 15 anos mais tarde, em 1768, beirando já os 40 anos de idade, é que Cláudio dará à luz suas 'Obras Poéticas'±"; e ainda: "Tais dados significam que, sem embargo, não consideremos mais do que os dois volumes das 'Obras', de 1768". Ora, o autor desconhece que as "Obras", de 1768, em apenas um volume, não se confundem com as "Obras Poéticas", de 1903, editadas com este nome por João Ribeiro e contendo, além das "Obras" de 1768, a reprodução de outros poemas: o "Vila Rica", concluído em 1773, os editados por Ramiz Galvão na "Revista Brasileira" (com omissão de uma parte final na edição de 1903), um "Epicédio" e dois poemas localizados em coletâneas antigas. Por outro lado, referindo-se ao "Munúsculo Métrico', ainda à pág. 67, como "seu primeiro livro editado já em 1751", engana-se de novo, já que esta prioridade histórica é do "Culto Métrico", de 1749, texto que esteve desaparecido e que foi divulgado em 1973, em tese de doutorado, juntamente com o "Munúsculo Métrico", por sugestão e deferência de Rodrigues Lapa, que o encontrara pouco antes na Biblioteca de Coimbra (1).
Prosseguindo nos equívocos, à mesma página, declara o autor destas "Metamorfoses": "Foi inevitável (...) que suas quatro primeiras obras se filiassem ao modo barroco, sem evitar nem mesmo, como atesta o 'Labirinto de Amor', a contaminação com aquela classe de artefatos lembrados por Verney no 'Verdadeiro Método'±". Não se explica a alusão ao "Labirinto de Amor", como "atestando" alguma coisa, já que, embora consabidamente barroco, não pode por si mesmo "atestar" nada, por ser, lamentavelmente, um dos textos de Cláudio não localizados até o momento. A par disto, encerrar em 1768 a fase produtiva de Cláudio é outro engano lastimável: o autor desconhece (ou esquece) que o "Vila Rica", "O Parnaso Obsequioso" e outras composições poéticas bem datadas são posteriores a 1768, integrem ou não a edição de João Ribeiro.
Contudo, o problema maior que se pode apontar no texto de Lopes é a omissão e o desconhecimento de informações contidas em publicações reconhecidamente importantes para a compreensão do século 18 mineiro e de Cláudio Manuel da Costa (e aqui não estou, por uma questão de envolvimento pessoal, referindo-me apenas, apesar de considerá-la importante, à edição dos poetas inconfidentes, de 1996, da Nova Aguilar, de que tive oportunidade de participar). Se é certo que o estudo de Lopes se encerrou em 1991, como faz supor a página final do livro, é também verdade que em sua recente publicação não poderia ter sido ignorado, ainda que com uma pequena nota, o que se fez nestes últimos anos sobre o assunto focalizado. Certas afirmações defasadas relativas a estudos e edições não comprometeriam tanto a verdade dos fatos.
Da mesma forma, não poderiam estar ausentes trabalhos mais antigos, como os de Rodrigues Lapa, que deixou páginas indispensáveis sobre a fase e sobre o poeta; as traduções do mesmo Cláudio de duas peças de Metastasio ("Artaxerxe" e "Demofoonte"), localizadas por Tarquínio de Oliveira no Museu de Música da Cúria de Mariana; as várias publicações de Affonso Ávila sobre as artes em Minas Gerais; os livros e artigos de Hélio Lopes. Estes trabalhos estão ausentes das reflexões e da bibliografia estampadas no livro de Lopes, já não se falando de livros, teses e artigos relevantes, ultimamente produzidos na Universidade Federal de Minas Gerais, na de Ouro Preto, na Pontifícia Universidade Católica (RJ) etc.
O entusiasmo de Lopes pela poesia daquele "que enfermou de desgraçado" e a acuidade com que examina aspectos de sua obra (particularmente os sonetos) só podem ser bem-vindos aos estudiosos de Cláudio e do arcadismo/barroco mineiros, quando mais não fosse, pelo que reiteram sobre a necessidade de se dar a Cláudio o posto que verdadeiramente deve ocupar nos quadros da historiografia literária brasileira. Estes quadros, queiramos ou não, sinalizam de formas diversas uma hierarquia valorativa que não tem feito a devida justiça ao nosso poeta.
Tendo sido o escritor mais produtivo da fase (2), sua obra é dotada no seu conjunto de uma densidade e consistência raras, que traduzem a vitalidade de uma consciência crítica em permanente questionamento do fazer poético, aliada a uma aguda e admirável sensibilidade. Tudo isto percebeu Edward Lopes. O que é de fato de se lamentar é que um pesquisador, que com tanto ardor e sentido crítico enfatiza a magreza dos estudos sobre o século 18 mineiro e, particularmente, sobre Cláudio Manuel da Costa, tenha-se limitado a referências e a publicações restritas, deixando praticamente de lado trabalhos decisivos e interessados em preservar a memória de um passado sem dúvida glorioso. Não será desconhecendo o que se fez e escreveu sobre Cláudio Manuel da Costa e o arcadismo que se servirá da melhor forma sua memória e sua obra.
Notas
1. "O Jogo de Oposições na Poesia de Cláudio Manuel da Costa" (tese de doutorado), de Melânia Silva de Aguiar. Belo Horizonte, UFMG, 1973.
2. Das 777 páginas de textos poéticos da edição "A Poesia dos Inconfidentes - Poesia Completa de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto" (org. Domício Proença Filho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996), 481 são de Cláudio, 267 de Gonzaga e 29 de Alvarenga Peixoto.
Melânia Silva de Aguiar é professora de literatura brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais.
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09/Mai/98
Melânia Silva De Aguiar
EDWARD LOPES /AUTOR/; METAMORFOSES - A POESIA DE CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
nos últimos anos, o século 18 em Minas Gerais tem sido privilegiado em áreas diversas com estudos significativos, desde os históricos, propriamente, até os de análise e compreensão das manifestações artísticas do tempo, aí incluídas as novas edições que se têm feito dos poetas do chamado "grupo mineiro". Cláudio Manuel da Costa, um dos mais expressivos do período, é agora tema do livro de Edward Lopes, com prefácio de Fábio Lucas.
O livro abre com uma introdução onde o autor ressalta o esquecimento do poeta mineiro por parte da crítica brasileira de modo geral e a ausência de edições confiáveis de sua obra, "em que pese o meritório esforço de João Ribeiro no ordenar a edição das 'Obras Poéticas' de 1903". Lamenta ainda o estudioso a escassez de trabalhos dedicados à visão de conjunto das obras artísticas que floresceram à volta do episódio da Inconfidência mineira e lança o seu protesto contra o desconhecimento do que ela representou. O autor encerra esta introdução com uma exortação no sentido de um resgate ainda que mínimo da enorme dívida que temos para com aquele que, juntamente com seus companheiros, "tornou brasileiras as letras dessa terra".
Seguem seis capítulos, onde o autor busca situar o panorama político-econômico-cultural do tempo, a ideologia e o tipo de discurso poético vigentes, a posição de Cláudio como "continuador da época barroca entre nós" e "iniciador do novo estilo neoclássico", os espaços da poesia do vate mineiro (geográfico, mítico e literário), a imitação neoclássica e a temática claudiana, seu soneto e "seus programas formal e pictórico".
Na conclusão encontram-se reforçados os argumentos já apontados na introdução e no desenvolvimento da obra, relativos, entre outros, à importância e ao fastígio cultural da segunda metade do século 18 em Minas Gerais, à influência dos poetas brasileiros desta fase sobre os portugueses, ao acriticismo de nossos manuais de literatura, visível, segundo o autor, nas afirmações reproduzidas mecanicamente sobre aqueles poetas; encerrando, expressa o desejo de ver reavaliados "globalmente" os escritores desta fase.
O livro de E. Lopes, concluído em 1991, é feliz nas condensações de grandes panoramas político-econômico-culturais; desenvolve análises originais dos sonetos, apoiadas em seguros conhecimentos de linguística e semiótica; possui, em linhas gerais, boas e perspicazes colocações, vazadas em tom entusiasmado e até apologético, o que não é raro nos estudiosos mais atentos de Cláudio Manuel da Costa.
Entretanto, apesar das qualidades, o livro de Lopes se ressente de duas falhas sérias: o autor resvala em dados histórico-bibliográficos importantes para o justo delineamento das questões que propõe e desconhece informações básicas, já divulgadas em letra de forma. Os equívocos com nomes de obras e datas de publicação comprometem o trabalho de Lopes e constituem uma fonte de enganos em cadeia, nociva a uma história literária já bastante prejudicada ultimamente por um descaso generalizado. Vejam-se, por exemplo, os erros que comete nas afirmações que seguem (e aqui vai uma reduzida amostra): "Só 15 anos mais tarde, em 1768, beirando já os 40 anos de idade, é que Cláudio dará à luz suas 'Obras Poéticas'±"; e ainda: "Tais dados significam que, sem embargo, não consideremos mais do que os dois volumes das 'Obras', de 1768". Ora, o autor desconhece que as "Obras", de 1768, em apenas um volume, não se confundem com as "Obras Poéticas", de 1903, editadas com este nome por João Ribeiro e contendo, além das "Obras" de 1768, a reprodução de outros poemas: o "Vila Rica", concluído em 1773, os editados por Ramiz Galvão na "Revista Brasileira" (com omissão de uma parte final na edição de 1903), um "Epicédio" e dois poemas localizados em coletâneas antigas. Por outro lado, referindo-se ao "Munúsculo Métrico', ainda à pág. 67, como "seu primeiro livro editado já em 1751", engana-se de novo, já que esta prioridade histórica é do "Culto Métrico", de 1749, texto que esteve desaparecido e que foi divulgado em 1973, em tese de doutorado, juntamente com o "Munúsculo Métrico", por sugestão e deferência de Rodrigues Lapa, que o encontrara pouco antes na Biblioteca de Coimbra (1).
Prosseguindo nos equívocos, à mesma página, declara o autor destas "Metamorfoses": "Foi inevitável (...) que suas quatro primeiras obras se filiassem ao modo barroco, sem evitar nem mesmo, como atesta o 'Labirinto de Amor', a contaminação com aquela classe de artefatos lembrados por Verney no 'Verdadeiro Método'±". Não se explica a alusão ao "Labirinto de Amor", como "atestando" alguma coisa, já que, embora consabidamente barroco, não pode por si mesmo "atestar" nada, por ser, lamentavelmente, um dos textos de Cláudio não localizados até o momento. A par disto, encerrar em 1768 a fase produtiva de Cláudio é outro engano lastimável: o autor desconhece (ou esquece) que o "Vila Rica", "O Parnaso Obsequioso" e outras composições poéticas bem datadas são posteriores a 1768, integrem ou não a edição de João Ribeiro.
Contudo, o problema maior que se pode apontar no texto de Lopes é a omissão e o desconhecimento de informações contidas em publicações reconhecidamente importantes para a compreensão do século 18 mineiro e de Cláudio Manuel da Costa (e aqui não estou, por uma questão de envolvimento pessoal, referindo-me apenas, apesar de considerá-la importante, à edição dos poetas inconfidentes, de 1996, da Nova Aguilar, de que tive oportunidade de participar). Se é certo que o estudo de Lopes se encerrou em 1991, como faz supor a página final do livro, é também verdade que em sua recente publicação não poderia ter sido ignorado, ainda que com uma pequena nota, o que se fez nestes últimos anos sobre o assunto focalizado. Certas afirmações defasadas relativas a estudos e edições não comprometeriam tanto a verdade dos fatos.
Da mesma forma, não poderiam estar ausentes trabalhos mais antigos, como os de Rodrigues Lapa, que deixou páginas indispensáveis sobre a fase e sobre o poeta; as traduções do mesmo Cláudio de duas peças de Metastasio ("Artaxerxe" e "Demofoonte"), localizadas por Tarquínio de Oliveira no Museu de Música da Cúria de Mariana; as várias publicações de Affonso Ávila sobre as artes em Minas Gerais; os livros e artigos de Hélio Lopes. Estes trabalhos estão ausentes das reflexões e da bibliografia estampadas no livro de Lopes, já não se falando de livros, teses e artigos relevantes, ultimamente produzidos na Universidade Federal de Minas Gerais, na de Ouro Preto, na Pontifícia Universidade Católica (RJ) etc.
O entusiasmo de Lopes pela poesia daquele "que enfermou de desgraçado" e a acuidade com que examina aspectos de sua obra (particularmente os sonetos) só podem ser bem-vindos aos estudiosos de Cláudio e do arcadismo/barroco mineiros, quando mais não fosse, pelo que reiteram sobre a necessidade de se dar a Cláudio o posto que verdadeiramente deve ocupar nos quadros da historiografia literária brasileira. Estes quadros, queiramos ou não, sinalizam de formas diversas uma hierarquia valorativa que não tem feito a devida justiça ao nosso poeta.
Tendo sido o escritor mais produtivo da fase (2), sua obra é dotada no seu conjunto de uma densidade e consistência raras, que traduzem a vitalidade de uma consciência crítica em permanente questionamento do fazer poético, aliada a uma aguda e admirável sensibilidade. Tudo isto percebeu Edward Lopes. O que é de fato de se lamentar é que um pesquisador, que com tanto ardor e sentido crítico enfatiza a magreza dos estudos sobre o século 18 mineiro e, particularmente, sobre Cláudio Manuel da Costa, tenha-se limitado a referências e a publicações restritas, deixando praticamente de lado trabalhos decisivos e interessados em preservar a memória de um passado sem dúvida glorioso. Não será desconhecendo o que se fez e escreveu sobre Cláudio Manuel da Costa e o arcadismo que se servirá da melhor forma sua memória e sua obra.
Notas
1. "O Jogo de Oposições na Poesia de Cláudio Manuel da Costa" (tese de doutorado), de Melânia Silva de Aguiar. Belo Horizonte, UFMG, 1973.
2. Das 777 páginas de textos poéticos da edição "A Poesia dos Inconfidentes - Poesia Completa de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto" (org. Domício Proença Filho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996), 481 são de Cláudio, 267 de Gonzaga e 29 de Alvarenga Peixoto.
Melânia Silva de Aguiar é professora de literatura brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais.
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