quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

DOS MEIOS ÀS MEDIAÇÕES - COMUNICAÇÃO, CULTURA E HEGEMONIA

O caminho da mediação
13/Jun/98
Renato Ortiz

Excelente a iniciativa de traduzir o livro de Martin Barbero. Espero que isso seja sinal de um alargamento de nosso horizonte acadêmico, permitindo que intelectuais latino-americanos de porte sejam conhecidos e debatidos entre nós.
O livro pode ser lido dentro de uma perspectiva vinculada à área dos estudos em comunicação. Diria que este tem sido o destino privilegiado das idéias de Martin Barbero. Talvez sua militância em organismos como a FELAFACS (Federação Latino-americana das Faculdades de Comunicação Social) e sua permanência em Cali durante muitos anos junto a uma faculdade de comunicação tenham contribuído para isso. Daí, na orelha do livro, Muniz Sodré se referir à importância do autor inclusive na revisão dos currículos dos cursos de comunicação.
Mas o leitor atento perceberá que dificilmente "Dos Meios às Mediações" poderia se restringir a esta dimensão. Os temas tratados -populismo, modernidade, teatro popular, melodrama, romantismo, cultura popular, técnica- integram uma perspectiva abrangente que talvez fosse mais apropriado denominar como uma "sociologia da cultura". Claro, desde que a entendêssemos não como uma especialidade, mas o cruzamento de domínios variados: econômico, político e social.
Chama a atenção no livro de Martin Barbero sua preocupação pela história. Tanto os gêneros literários, atualizados no cinema latino-americano ou nas radionovelas quanto as teses do populismo só adquirem inteligibilidade quando percebidos ao longo da história. Neste sentido Martin Barbero traça em seu livro um amplo panorama histórico-sociológico da cultura na América Latina. Panorama que se volta, porém, para um espaço específico, a "cultura de massa", lugar no qual se produzem a hegemonia e as lutas políticas no contexto do mundo contemporâneo.
"Dos Meios às Mediações" possui uma tese formulada no próprio título do livro. Martin Barbero quer escapar de duas leituras predominantes entre aqueles que se interessam pela temática da "cultura de massa". A primeira prevalece nas escolas de comunicação nas quais a preocupação com o meio técnico toma uma dimensão transcendente em relação a outros aspectos da realidade social. Ocorre assim uma certa reificação da técnica e por isso dos meios de comunicação, como se tivessem uma vida própria. Por sua amplitude, por serem de massa, eles determinariam de maneira unívoca as outras instâncias da sociedade.
A segunda leitura foi tratada sobretudo dentro de uma visão sociológica, inclusive por autores diversos, da escola americana à escola de Frankfurt. A cultura de massa surge assim como um todo homogêneo envolvendo indivíduos, classes e grupos sociais. Entre a predominância dos meios e a pretensa homogeneidade das sociedades modernas, Martin Barbero escolhe o caminho das mediações. Dito de outra maneira, se a realidade técnica dos meios é insofismável, assim como sua estruturação em empresas capitalistas, é necessário entender o conjunto de mediações que existem entre eles e o resto da sociedade.
A proposta de Martin Barbero se afasta assim da esfera de produção da "cultura de massa". Não que esta seja uma dimensão negligenciável. O autor está ciente da comercialização intrínseca às indústrias culturais. Ela deixa no entanto de ser o núcleo de sua análise. Mas por mediação não devemos entender apenas o processo de recepção das mensagens. Sei que esta tem sido a linha de pesquisa predominante nas escolas de comunicação, e em cujo ponto de partida encontram-se os trabalhos de Martin Barbero.
A rigor, a noção de "mediação" se aplica a universos diversos: indivíduos, movimentos sociais, grupos populares, produtores da indústria cultural etc. O que Martin Barbero denomina "mediação" se aproxima em muito ao que denominamos muitas vezes relações sociais e culturais. O processo de produção e difusão de bens culturais industrializados só pode ser entendido quando contraposto às diversas instâncias que compõem a sociedade moderna. Não se trata portanto apenas de recepção. Por isso é possível dizer que "o popular que nos interpela a partir do massivo" é mediatizado por um conjunto de interações sociais que a ele se agregam no decorrer da história.
Um exemplo. O melodrama não é um gênero narrativo estático, possui um desenvolvimento que vai dos romances folhetinescos franceses às histórias narradas nas radionovelas. Entre seu passado europeu e sua realização latino-americana, a história teve um conjunto de "mediações" que o redefinem. Neste sentido, a busca das mediações leva Martin Barbero a retomar os fios de uma "cultura de massa" num contexto específico: a América Latina. Realidade que se expressa de forma peculiar, diversa de outros contextos, europeu ou norte-americano.
"Dos Meios às Mediações" permite ainda ao leitor compreender melhor como se forma a nação na América Latina. Movimento que não evoca apenas a realidade política, como nos fazem crer os cientistas políticos, mas é o resultado de um conjunto de interações nas quais o aspecto cultural é também determinante. Por isso o populismo latino-americano encontra-se intimamente ligado à história dos meios de comunicação.
Contrariamente a um país como a França, na qual a educação republicana é um dos pilares da construção nacional, numa terra de indígenas, negros, imigrantes e mestiços, governada por interesses oligárquicos, caberá aos meios de comunicação um papel preponderante de "mediador cultural", isto é, de atuação neste processo de formação nacional. Processo que não se restringe a este ou aquele país.
Para o leitor brasileiro é fascinante perceber que muito do que imaginamos como sendo específico da sociedade brasileira é na verdade parte de um traço mais geral de um conjunto de sociedades latino-americanas. Visão que relativiza o peso de nossa história e nos abre para uma dimensão mais abrangente e íntegra de nós mesmos.

Renato Ortiz é professor de sociologia da Universidade Estadual de Campinas.


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Um comentário:

Juliana disse...

Eu acho um pouco confuso isso, pois pelo que entendi, os latinos são educados através das mídias (televisão, internet), porém o autor Nestor Garcia Canclini, fala que o espectador é tão ativo quanto o leitor, ou seja, não importa onde você busca informação, o importante é como você as interpreta e se esse meio está te passando uma informação válida, para que não fique no senso comum.

Desculpa se falei besteira, to meio confusa hehe