sábado, 24 de novembro de 2018

A mais bela história da felicidade


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A mais bela história da felicidade, de André Comte-Sponville; Jean Delumeau; Arlette Farge. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco Difel: Rio de Janeiro, 2006. 169 p.

Rogério Bianchi de Araújo
Doutorando em Ciências Sociais – PUC-SP; Mestre em Filosofia Social – PUC-Camp; Professor de filosofia e sociologia na Unip; Imes e Uninove. São Paulo – SP [Brasil] rogerbianchi@uol.com.br

A mais bela história da felicidade, de André Comte-Sponville; Jean Delumeau; Arlette Farge. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco Difel: Rio de Janeiro, 2006. 169 p. Rogério Bianchi de Araújo Afinal, o que é a felicidade? Vivemos em função dela? Pode a filosofia contribuir na busca do homem pela felicidade? A felicidade é intrínseca à condição humana? Existem formas particulares de felicidade? Há certezas na felicidade? A felicidade é algo impossível de alcançar? Ser feliz é um imperativo? É possível descrever uma história da felicidade? Qual o lugar da felicidade hoje? Essas são questões fundamentais que o livro tenta responder. Para tanto, utiliza-se um diálogo a três vozes: André Comte-Sponville, filósofo e autor de numerosas obras sobre a ética e a questão da felicidade; Jean Delumeau, professor do College de France e especialista em história das mentalidades religiosas e Arlette Farge, historiadora especializada no século XVIII. O livro está estruturado em três partes, chamadas de atos em vez de capítulos, assim como numa peça de teatro. São três atos divididos em três cenas cada um, composto de uma espécie de entrevista com perguntas e respostas num envolvente diálogo rico e questionador. No primeiro ato chamado “Retorno às origens da sabedoria”, as perguntas são direcionadas ao filósofo André Comte-Sponville. Comte-Sponville diz que a filosofia instaura uma nova maneira de pensar a felicidade, principalmente a partir da revolução socrática, período antropológico da filosofia, quando a preocupação fundamental é entender o que é o homem. Sócrates seria o pensador fundante da filosofia da felicidade, pois pensar melhor ajuda a viver melhor. Ser feliz e ser virtuoso, segundo o pensamento grego clássico, são necessidades básicas para estabelecer o significado da “vida boa”. O autor primeiro discute o surgimento da filosofia da felicidade, tendo como base os pensadores gregos clássicos. Faz um paralelo com a posição aristotélica e entre os estóicos e epicuristas. Depois, em Kant, entende que a felicidade é algo inatingível, pois sempre teremos desejos insatisfeitos e por isso jamais seremos plenamente felizes. Agir sem esperar nenhuma recompensa, segundo Kant, é o significado da boa ação. Esse é o dever do indivíduo, cujo objetivo é cumprir com o dever. Essa é a revolução kantiana, segundo Comte-Sponville. Considera a antropologia de Hobbes mais verdadeira, e a ética de Epicuro, mais justa. Já na abordagem pascalina, fingimos ser felizes para esquecer que não o somos. A única felicidade que poderíamos alcançar está em outra vida, porque a única coisa que desejamos é o futuro, e este não existe. Comte-Sponville discorda de Pascal no que concerne à desesperança, pois esta não pode ser tratada necessariamente como uma infelicidade. Toma, como exemplo, Espinosa, que acreditava ser a felicidade desesperança, porque ela não espera por nada, pois o real já lhe basta. Comte-Sponville conclui que a felicidade vem e vai, é momentânea e relativa e não existe no real, num ideal que é intrínseco ao ser humano e que nos mantém vivos. Propõe uma concepção modesta de felicidade, atrelada às nossas experiências da vida. A partir do momento que não nos perguntarmos mais sobre o sentido da vida, poderemos reconhecer a felicidade. O segundo ato leva o nome de “A invenção do paraíso”, em que as perguntas são destinadas ao professor Jean Delumeau que inicia a primeira cena discutindo o significado do paraíso ao longo de alguns momentos históricos, até chegar a concepção moderna de paraíso, uma morada eterna ao lado de Deus. A esperança aparece fundada sobre um ato de fé, ou seja, a crença na existência do reino dos céus e de um lugar postado ao lado de Deus. Jesus é o elo da nossa realidade com a felicidade do outro mundo. O autor aponta duas revoluções que abalam a concepção de paraíso: a científica que mudou a representação do mundo e do universo. Sob esse ponto de vista, não poderiam mais ser localizadas a morada de Deus e a dos sentimentos, na qual o paraíso seria um lugar de reencontro com os entes queridos. Encontrar os seres amados do outro lado é a representação mais fiel da felicidade. No céu e nesse reencontro de bem-aventurados reina a felicidade eterna, cercada por uma aura de amor eterno e infinito. Reina o amor entre todos, a Deus, ao próximo e a toda a humanidade. Delumeau não acredita que o paraíso seja algo perdido e também não crê na existência de um “pecado original”. Defende a idéia de um inferno minimizado. As pessoas que têm acesso à felicidade eterna recusada serão testemunhas da felicidade dos outros para, em seguida, serem reduzidas a nada, pois pressupor que existe um lugar de sofrimento eterno denotaria a idéia de que Deus não venceu o mal. Não ter acesso à felicidade de viver ao lado de Deus é a punição eterna. O terceiro ato é chamado de “O sonho dos modernos”. As perguntas são agora para a historiadora Arlette Farge. Na cena um, a discussão volta-se para o Século das Luzes. O século XVIII é marcado pela ascensão da burguesia e pelo predomínio da estética e das aparências. Os eruditos e as elites representam estilos de vida que passam a ser considerados os mais apropriados. O povo em si não teria tempo e seria considerado incapaz de ter discernimento suficiente para pensar na verdadeira felicidade. A idéia corrente é que o povo pensa pouco, é um corpo sem consciência. Aos poucos, as desigualdades sociais vão sendo desnudadas e as idéias de injustiça social tornam-se flagrantes. Paralelamente, começa-se a atribuir honradez cada vez maior ao trabalho. Para os trabalhadores do campo, vigora a idéia de que sua união e contato com a natureza lhes darão garantia da felicidade. Nas cidades, a pobreza começa a incomodar. A partir do século XVIII, associa-se a felicidade aos prazeres dos sentidos e da descoberta, reside em aprender o que é novo. O poder absoluto do rei passa a ser questionado. O povo quer reconstruir a felicidade independentemente da vontade do rei, abolindo os privilégios. No epílogo, os três autores dialogam e respondem a algumas perguntas pertinentes à sociedade contemporânea. Esta sociedade parece não acreditar mais na felicidade eterna. Atualmente, a maior aspiração é a felicidade imediata. O lema é viver o aqui e agora, e o importante é ter saúde. Comte-Sponville me parece apontar a melhor saída para repensarmos a felicidade nos dias de hoje. Sugere seguir Espinosa em vez de Platão. Para Platão, desejo é falta, já para Espinosa, é potência. A felicidade é o próprio caminho, cheio de obstáculos e incertezas, é a própria vida. No mundo contemporâneo, em que as futilidades estão na ordem do dia, alimentadas por uma sociedade de consumo desenfreado, teremos de aprender a desejar para afastar a pseudofelicidade e nossas ações devem resultar em momentos felizes cada vez mais freqüentes. Isso, em absoluto, deve significar comodismo e alienação, e sim coerência e realização, num processo de valorização contínuo, mais condigno com a nossa condição e existência humana.
EccoS Revista Científica 

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