sábado, 24 de novembro de 2018

Em defesa da escola: uma questão pública

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Juliana de Favere Doutoranda em Educação na Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Brasil julifavere@gmail.com 
Luiz Guilherme Augsburger Mestrando em Educação na UDESC. Brasil luizg.augs@gmail.com Danilo Stank Ribeiro Mestrando em Educação na UDESC. Brasil danilostankr@gmail.com 
Ana Maria Hoepers Preve Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Professora da UDESC. Brasil anamariapreve@gmail.com

FAVERE, Juliana de; AUGSBURGER; Luiz Guilherme; RIBEIRO, Danilo Stank; PREVE, Ana Maria Hoepers. Resenha do livro “Em defesa da escola: uma questão pública”. Revista PerCursos. Florianópolis, v. 17, n. 35, p. 246 – 252, set./dez. 2016. 

2 Jan Masschelein é Professor de Filosofia da Educação da Universidade de Louvain (Bélgica). As áreas de seu maior interesse são: teoria educacional, teoria crítica e filosofia social. Atualmente, concentra seus estudos no papel público e no significado da educação, bem como no “mapear” e no “andar” como práticas críticas de pesquisa. Maarten Simons é Professor de Política e Teoria Educacional da Universidade de Louvain (Bélgica). Suas principais áreas de interesse são: política educacional, novos mecanismos de poder, novos regimes de governo e de aprendizagem. Sua pesquisa se concentra explicitamente nos desafios colocados para a educação, com o interesse principal de (re)pensar o papel público das escolas e das universidades. Juntos coordenam o Laboratório para Educação e Sociedade da Universidade de Louvain (Bélgica)

1 Trata-se aqui da segunda edição, publicada em 2014 pela editora Autêntica e tradução de Cristina Antunes. Esta edição faz parte da Coleção ‘Educação: Experiência e Sentido’ coordenada pelos autores Jorge Larrosa e Walter Kohan. A primeira edição foi publicada em 2013. O livro foi publicado originalmente em 2013, com o título ‘In Defence of the School’


Discutir sobre a escola. Uma questão vencida e esgotada... Talvez não. Talvez uma questão pública, uma questão de bem comum. Skholé, em grego, designava tempo livre e a escola, distanciada do trabalho e da ocupação adulta, era a espacialização deste tempo livre. Sua forma, desde sua invenção histórica, apresenta características comuns, porém a partir do início do século XX, entra no campo de discussão entre as comunidades epistêmicas. Iniciam-se, assim, inúmeras discursividades. A escrita do livro Em defesa da escola: uma questão pública1 , tem o foco na experiência, “transformando” o que sabemos e liberando-nos de certas verdades. Assim, não se contamina pelos discursos das reformas propondo mais uma; pretende, antes, “absolver” a escola dos ódios, críticas e crises a ela dirigidos. Discorre sobre o que há na escola de público e comum e o que a torna uma potência para pensar o mundo. Reinventá-lo, como quem revê o já visto, já criado, já escolarizado. No caminho da escola como uma questão pública, a reinvenção passa por “encontrar formas concretas no mundo de hoje para fornecer ‘tempo livre’ e para reunir os jovens em torno de uma ‘coisa’ comum [...]” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 11). Acusar. Demarcar posições. Indicar demandas. Recorrências sobre a escola que ecoam e enunciam discursividades no campo educativo que dizem muito e ao mesmo tempo não dizem nada. Dizem muito de “nós” – precisamos, necessitamos, inovamos –, classificando e incluindo cada um em cada lugar. No banco dos réus, a escola é acusada: há na escola temas artificiais, ausência do mundo real e das necessidades do mercado de trabalho! Preocupações que corroboram para acusar a escola de alienante e distante da sociedade. Ela é culpada! Abusa, reproduz e trabalha a favor da desigualdade social e a serviço do capital econômico. Opera na ordem da manutenção da elite cultural, protegendo a propriedade. Ela desmotiva nossos jovens! Em defesa da aprendizagem lúdica, os acusadores priorizam o valor de entretenimento, informação, a utilidade do que se aprende e a capacidade de se fazer escolhas, de modo que satisfaçam as necessidades da sociedade. Falta eficácia, falta eficiência, falta desempenho! Para manter sua estrutura, as necessidades indicam a escola como um negócio, condizentes com este tempo, e solicitam o cumprimento de metas e objetivos de modo rápido e ainda com baixo custo e o alcance de bom desempenho de cada escolar. Ela precisa ser reparada! As reformas trazem a ideia de otimizar o desempenho de aprendizagem (individual). A escola, numa atitude reparadora, é funcional, funciona para algo e tem um propósito específico. Aprender a aprender! A escola, em sua redundância, reduz a aprendizagem em produção de resultados, como uma instituição de reconhecimento e validação de aprendizagens e oferece diplomas válidos, com o “selo de qualidade”. A escola é obsoleta! Ainda, a aprendizagem na era digital, ligada ao tempo e ao espaço, não necessita mais de um espaço físico, pois as tecnologias digitais permitem direcionar a aprendizagem sobre o aluno individual, personalizar. O ato de aprender se resume ao divertido e à personalização, em que a aprendizagem acontece em qualquer lugar e momento. Bye-bye, Escola! Diante das acusações, a absolvição, que frui pela questão da skholé enquanto “tempo livre”. Após expor as acusações, é proposta no livro uma série de questões em torno do que é o escolar, daquilo que constituiria a forma escola. Deste modo, é posta a questão da suspensão, ou de como colocar aquilo que está na escola, no espaço escolar, de colocar aquilo que é estudado entre parênteses, liberando ou destacando essas materialidades de seu lugar habitual. Esta suspensão implica uma questão de profanação, i.e., sacar as coisas de sua sacralidade (o não humano) para torná-las disponíveis (ao estudo), torná-las um bem público ou comum – devolvê-las ao humano, ao mundo. A questão de atenção e de mundo se coloca, então, como necessidade da profanação de abrir o mundo, criar no estudante interesse, trazendo-se à vida e dando-se forma à matéria de estudo. Apresenta-se, para tanto, a questão de tecnologia, das tecnologias implicadas nesse escolar; segundo os autores, as tecnologias escolares fundamentais são praticar (o exercício), estudar e disciplinar. Entretanto, para que a escola ou o escolar possam acontecer é preciso “ser capaz de começar”, “desativando” temporariamente as particularidades e desigualdades de cada estudante com seu mundo/realidade, como um princípio escolar, uma questão de igualdade. Se a escola é uma espacialização do tempo livre, ela não está dada, ela precisa ser feita; é o professor, com seu amor (respeito, atenção, dedicação e paixão) pela matéria, que a faz ganhar vida própria; a questão de amor implica esse amadorismo e paixão do professor capaz assim de, em sua maestria, tornar presente a matéria de estudo. Para tanto, põe-se uma questão de preparação, o professor precisa estar em forma, ser bem treinado – menos como um “profissional” e mais como um atleta –, mas também bem-educar os estudantes e testar seus limites, dando-lhes uma forma na qual eles sejam “capazes de...”, em que eles experimentem “um tempo sem destinação” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 92). Neste ínterim, há uma questão de responsabilidade do professor em exercer sua autoridade como quem traz algo à vida, traz ao estudante um mundo, que não é aquele da família nem do mercado. Segundo os autores2 , desde sua origem na polis grega, a escola foi um ataque aos privilégios das elites e um espaço que possibilitou outro começo. Não surpreende, então, que a escola, ao longo de sua história, tenha sofrido várias tentativas de domá-la. Na atualidade, estas tentativas podem ser sistematizadas em seis pontos: (1) a politização da escola, na qual ela é incumbida de responsabilidades políticas (concernentes à sociedade) que não podem ser cumpridas senão com o abandono de certa responsabilidade educacional; assim, se a política está na escola não é senão como matéria de estudo, ou como aquilo que não pertence ao escolar. (2) A pedagogização, cujo efeito é imputar à escola funções que concernem à família; não que à escola não caibam questões pedagógicas, mas isso se faz de modo que se suspenda temporariamente o familiar. (3) A naturalização, por sua vez, são as tentativas de fazer da escola um meio para produzir uma elite social, reproduzindo nela determinações “naturais” – da ordem da necessidade das coisas –, como, por exemplo, se faz por meio dos talentos e aptidões físicas e intelectuais. (4) A tecnologização, a despeito das tecnologias, trata-se da tentativa de domar a escola por meio da transferência da tônica escolar à própria técnica, a tecnologias; ainda que composta de tecnologias que não fazem parte do escolar. (5) A psicologização, outra estratégia de condicionamento de professores e alunos, trata-se, em suma, de “substituir o ensino por uma forma de orientação psicológica” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 126), impingindo ao professor funções que não lhe dizem respeito e reduzindo o aluno ao espectro motivacional. (6) A popularização, por fim, implica uma manutenção do aluno numa infantilidade por meio do entretenimento e relaxamento, assim, a escola e o professor sujeitam-se à tarefa de aliviar as tensões e tédios do mundo do aluno. Se, por um lado, se tenta domar a escola, por outro, o alvo é o professor, e de dois modos: através da profissionalização, que, em uma primeira variante, substitui a “sabedoria da experiência do professor pela especialização ou competência” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 137), cujo conhecimento é considerado válido e confiável – afastando o professor do tempo livre e da autoformação; em uma segunda variante, reduz o ofício professoral a fundamentos “reais” através do acúmulo de competências, que ao cabo dizem respeito a demandas práticas do mercado; e, em uma terceira variante, profissionaliza por meio da pressão da responsabilidade; o professor é domado pela demanda, pela qualidade e outras linguagens mercadológicas. Mas se doma o professor também por meio da flexibilização, expressão de uma cultura corporativa moderna, ela exige que o professor se torne disponível e empregável em todos os momentos e em qualquer lugar; competente, o professor está inserido no padrão multitask/omnivalente. Então, repetimos a questão: discutir sobre a escola, uma questão vencida e esgotada...? Não. Uma questão pública, uma questão de bem comum... Uma questão de igualdade. Igualdade como/de princípio. Frente às diversas acusações que põem a escola e o escolar como ultrapassados/ obsoletos enquanto lugar/modo de aprendizagem, que tentam domá-la, pregam sua reforma ou o seu fim, frente a tudo isto a escola ainda está, ainda permanece. E permanece, pois, ainda em sua forma, mesmo que cada vez menos, um lugar de amor pelo mundo e pela nova geração, um lugar de “ser capaz de”, de transformar as coisas em “bens comuns”, lugar de um “tempo livre” (liberado da família, da economia, da política) ainda não preenchido, capturado, produtivo, onde ainda é possível começar, fazer novamente e, portanto, onde uma sociedade dá à nova geração a oportunidade de olhar para o mundo que partilham em comum e renová-lo. Por isso, o foco da escola não é a aprendizagem, seus resultados, sua utilidade, as competências, o gerenciamento, o empreender, os ambientes, a eficácia, a produtibilidade, aquilo que gira em torno do aprender, da verificação do aprender, da adequação do aprender, das formas de se aprender mais e melhor em menos tempo ou de regular, averiguar, inspecionar e motivar. Sem o objetivo na aprendizagem, como um fim, mas a escola como um lugar com possibilidade de atenção em um estudo e prática de interesse. Portanto, a escola, como lugar de igualdade, faz colocar algumas coisas em suspensão, “entre parênteses”, como a economia, a sociedade, a política, a empregabilidade... Para assim tentar apresentar o mundo mais uma vez, liberar algumas coisas do mundo, começar novamente, dar atenção a certas coisas (e nisso se enquadram as diversas técnicas escolares que tornam isso possível: ditado, cópia, quadro-negro ou as telas das TIC´s). Um lugar de igualdade que tem que ser inventado, pois personifica fisicamente uma crença: “a crença que não existe uma ordem natural de proprietários privilegiados; de que somo iguais; de que o mundo pertence a todos, e portanto, a ninguém em particular; de que a escola é uma aventureira terra de ninguém, onde todos podem se elevar acima de si mesmos” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 167-8). Assim, na sempre iminência de seu desfazimento, apesar da anunciação constante de seu possível fim, a despeito das tentativas de domá-la, de transformá-la, de renová-la, de adequá-la, apesar das quinquilharias, das inovações, das concepções teórico-pedagógicas que, geração após geração, se depositam em seu interior, a escola tenta preservar sua forma. Resta saber se, apesar de tudo que se incorpora/inclui/comunica na escola, ainda é possível encontrar no meio deste turbilhão o que ainda há de escola.
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
 Centro de Ciências Humanas e da Educação - FAED 
Revista PerCursos 

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