Bons ventos, marujos!
Jean-Marie Goulemot
JAPÃO; ORIENTE
Eis aqui um livro importante. Deve interessar aos historiadores da cultura e a todos aqueles que dão a maior importância aos intercâmbios culturais e se perguntam se ainda convém tratar disso, como se fazia há alguns anos sob a rubrica de literatura comparada.
Relatando anedotas, estudos de casos, o livro de J. Proust é exemplar quanto ao método. Satisfará facilmente àqueles que se interrogam sobre as relações entre o Japão e o Ocidente cristão, sobre o papel de intermediários que os jesuítas desempenharam na transmissão do saber, sobre a importância que puderam ter como intermediários os missionários portugueses ou os pouco escrupulosos mercadores holandeses, ou que assim se pretendiam, na aculturação paradoxal, trabalhosa e às vezes inalcançável do Oriente Extremo.
Além disso, propõe novos objetos à reflexão: invertendo as perspectivas, enfatiza os intermediários, homens ou livros, gatunos, herdeiros secretos de uma tradição oculta, eruditos, artistas, práticos, homens de Deus ou do diabo, a nova imagem da Europa que se revela, quando ela quer seduzir para converter a qualquer preço este Japão tão radicalmente estrangeiro e estranho ou para manter relações comerciais com ele. Se uma novidade tão absoluta não parecesse suficiente, acrescentemos a importância atribuída e negada aqui ao texto escrito (impresso) para japoneses que não falam mais o português ou o latim, o papel exercido pelas imagens, a autonomia que podem adquirir quando se instala o esquecimento de sua origem, crenças, saberes e figuras exportadas. Tudo isso não é pouco. Vejamos.
Este livro conta algumas belas histórias, para crianças bem-comportadas talvez, mas curiosas sem nenhuma dúvida. A teoria com maior frequência as ignora ou as abandona aos "bricoleurs" de relatos históricos. E, no entanto, é a partir delas que a teoria chega a se construir e a fundar-se. A história daqueles japoneses conversos, que viajaram para a Europa nos anos 1580, foram a Coimbra, depois à Itália, e ali viram uma teatralização da religião católica e uma encenação da cultura e do saber. Disso guardaram uma lembrança deslumbrada e o gosto pelos livros e imagens, a ponto de levarem consigo uma prensa para imprimir textos e gravuras.
A daquele jesuíta, Luís de Almeida, que, apesar das proibições da época, praticou a medicina num dispensário, tomou emprestados elementos da medicina oriental e transmitiu a este Japão estranho elementos da medicina ocidental, numa troca que nada tem a ver com nossas idéias recebidas e nossos esquemas preestabelecidos. História surpreendente também a daquele período que precede a proibição do catolicismo no Japão e abarca a cruel perseguição dos conversos e seus mestres europeus.
Nesses tempos de violência, obrigam-se as pessoas, às vezes sob tortura, a apostatar. Foi o caso do padre japonês Fabian Fukan, que, depois de ter discutido publicamente com um filósofo neoconfuciano no colégio dos jesuítas de Miyako em 1606, redigiu uma refutação do cristianismo em 1620. Ou ainda do padre Cristovão Ferreira, sem dúvida de origem marrana, e que, tendo abjurado sob tortura, utiliza argumentos erasmianos para, de um suposto ponto de vista japonês, denunciar sua antiga religião. Quantos destinos paradoxais, quantas reviravoltas, filiações incertas, sempre na contracorrente de nossa lógica e de nossos (maus) hábitos de pensar!
Avidamente, Jacques Proust nos conta o destino igualmente espantoso das gravuras. De que modo, a partir de uma escola aberta por um jesuíta italiano em Nagasaki em 1603, instaurou-se uma moda européia mais ou menos bem adaptada aos imaginários japoneses? Assim, a batalha de Lepanto ser contada, no cenário de maravilhosos paraventos, com figuras vindas da tradição antiga ou pastoral. Quando os bons padres não estiverem mais lá, continuar-se-á a pintar "à maneira de", sem mais saber do que se trata, remetendo-se a lendas para situar os lugares representados, que não têm mais grande significação para os pintores. A perspectiva galileana entrou assim no Japão, pelo viés da pintura e da gravura, e permaneceu ligada a motivos vazios de sentido referencial e que foram repetidos ao infinito.
Esta autonomia por abandono forçado das referências e por esquecimento da origem é admiravelmente ilustrada pelas práticas litúrgicas dos cristãos escondidos, mais ainda do que pela pintura. Quando a perseguição está no auge, os conversos se escondem para escapar da tortura e da morte. Transmitem entre si, oralmente, o credo e as crenças; os livros são destruídos, seus pastores torturados abjuram ou são mortos como mártires. Pouco a pouco as preces, como no jogo infantil do telefone, se deformam, tornam-se outras, assim como o relato bíblico do Gênesis, que, ao afastar-se cada vez um pouco mais de sua fonte e ao constituir, por aproximações fonéticas, um sentido novo, acaba ganhando uma vida e uma significação autônomas.
Dois exemplos: primeiramente, o "pater noster", que é repetido em sua versão portuguesa, e no qual pouco a pouco a palavra "tentação" perde seu sentido inicial, mas adquire um novo, "Tenta sam" (o Senhor tenta), espécie de demônio terrível inventado para a ocasião. Para escapar da vigilância dos inquisidores japoneses, o relato bíblico do Gênesis é transmitido como um conto, "A História dos Começos", onde teremos dificuldade em reconhecer os episódios fundadores, que, pelos desvios em relação ao primeiro relato, pelo recurso à cultura tradicional para criar um sentido para o que não tem sentido, se situam num meio termo que não é ocidental nem japonês. Até a geografia japonesa e a tradição do Japão servem aqui para salvar uma palavra ameaçada de morte, dando-lhe um outro conteúdo.
O epílogo da obra de Jacques Proust contém para mim a mais bela de todas estas histórias. Num museu japonês é apresentado um dom ou uma presa tomada de um navio holandês bem no final do século 16. Uma estátua de popa em madeira esculpida, sobre a qual durante muito tempo se perguntou o que representava. Descobriu-se finalmente que era Erasmo, e, ao vê-la instalada hoje, pode-se imaginá-la como um símbolo, no meio de estátuas multicores de santos e sábios do país, dando a impressão de dialogar naturalmente com elas, ouvi-las, interrogá-las, na mais total harmonia.
Pois, do mesmo modo que os portugueses, os holandeses exerceram aqui um papel fundamental de intermediários. Menos cultos, mais rudes, ignorando a arte sutil de convencer para preferir a de embolsar. Oficialmente protestantes, eram obrigados, além disso, a pisotear um crucifixo para fazer comércio. Eram acantonados na baía de Nagasaki como numa espécie de quarentena. Só tinham contato com o Japão pelas prostitutas e alguns mercadores. E, no entanto, por intermédio deles, os livros ilustrados de medicina, as gravuras em cobre, os aparelhos de ótica entraram na terra japonesa, sem que eles tivessem consciência de seu papel de intermediários.
Deste livro, de leitura apaixonante, convém reter algumas idéias-chave. Ele permite romper com a análise tradicional das trocas culturais, que antes eram formuladas em termos de imagens: imagens do Japão na literatura francesa do século 16 ao século 18, ou seu duplo, imagens da França na literatura japonesa... A perspectiva é outra. Que imagem de si mesmos os europeus querem dar para converter os japoneses? Deixemos de lado os marinheiros holandeses, que apresentavam de si mesmos uma imagem detestável, da maneira mais natural. Não estavam eles prontos para renegar sua fé (quando tinham alguma)? Não eram bêbados, putanheiros, jogadores e frequentemente pouco escrupulosos nos negócios, sem esquecer seus cabelos ruivos, de mau augúrio, como se sabe?
Com este livro, encontramo-nos bem longe da visão tradicional dos intermediários culturais: tradutores, escritores, viajantes e suporte destinado à troca (principalmente o impresso). J. Proust nos lembra que as vias de exportação cultural são impenetráveis: aqui um jesuíta de origens duvidosas, ainda herdeiro de sua tradição marrana, marcado por um erasmismo, por demais ignorado pelos historiadores portugueses, um outro renegado, lá um mercador que não resiste à tentação do ganho, acolá um estranho interlocutor japonês, mais próximo do sobrinho de Rameau do que imagina a história literária tradicional. Escrutando os textos que os jesuítas portugueses utilizavam para as conversões, Proust lembra também que eles refletem um duplo imaginário: aquilo que os japoneses pensam que é a Europa e aquilo que os europeus pensam ser o Japão. Observaremos este entrecruzamento de imaginários em ação. Os ângulos de abordagem utilizados em "A Europa Sob o Prisma do Japão" revelam ainda outros aspectos que remetem à história da arte, da linguística, à história da leitura ou dos livros impressos, ao processo de adaptação dos objetos culturais cortados de suas origens.
Repito mais uma vez: um grande livro, um belo livro, um novo método. Uma bela viagem. A caminho para um Japão ao mesmo tempo real e imaginário! Bons ventos, marujos!
Jean-Marie Goulemot é autor de "Ces Livres Qu'On ne Lit Que d'une Main" (Minerve), a ser lançado no Brasil pela Discurso Editorial.
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário