sábado, 20 de novembro de 2010

Simone Weil et la Grèce


Robert Chevanier

Presidente da Association Internationale pour l'Etude de la Pensée de Simone Weil. robert.chenavier@wanadoo.fr

REY PUENTE, Fernando. Simone Weil et la Grèce. Paris: L'Harmattan, 2007. 241 p. (Col. "Ouverture philosophique").1

Rey Puente2 abre seu estudo surpreendendo-se com o fato de que até agora ninguém tenha escrito um livro sobre a relação de S. Weil com o legado grego, enquanto cada vez mais há estudos consagrados à relação de filósofos contemporâneos com a Grécia.3 Isso é tão mais lamentável porque, como já supunha P. Savinel, em 1960, é em seu helenismo que se poderia revelar toda a profundidade do gênio de S. Weil (p. 14). Esse helenismo não é o que convém ao erudito nem o que se nutre do passadismo, pois, como Rey Puente lembra com frequência, "nós devemos pensar em ir para a Grécia e não em retornar a ela"4 (p. 11, p. ex.). Corrigir nossos erros inspirando-nos na civilização grega, para depurar nossa representação do passado de tudo o que a modernidade introduziu por uma enganadora imaginação, não tem nada de um movimento retrógrado de nostalgia ou de uma visão romântica do passado (nada mais distante de S. Weil sublinha o autor, p. 29).

O livro repousa sobre um postulado: para melhor compreender a relação de S. Weil com a Grécia, é preciso "situá-la em um contexto mais amplo", aquele de "sua concepção de uma filosofia da história das culturas" (p. 18). Posição que determina uma composição em duas grandes partes. A primeira apresenta o modo peculiar a S. Weil de "conceber certos conceitos fundamentais de sua filosofia": história, progresso, força, valor, sem omitir a própria filosofia. O exame dessas noções serve para compreender a maneira como S. Weil se apropria da tradição grega. Essa abordagem permite a Rey Puente explicar as razões pelas quais S. Weil "não foi e ainda não é bem compreendida" (p. 89). Escolhendo Paul Ricoeur como interlocutor para discutir as duas fontes, a grega e a cristã, comuns aos dois filósofos,5 Rey Puente insiste sobre a "audácia filosófica" da "hermenêutica das culturas" de S. Weil, que põe em questão as "classificações tradicionais [...] de nossa própria cultura e de sua formação histórica" (p. 24).

Selecionamos o exemplo das noções de história e progresso (cap. 1, p. 23-31) para ilustrar o método do autor. Ele lembra que S. Weil denuncia os maus usos da história, os quais repousam sobre a noção de progresso "que o cristianismo introduziu no mundo", no entanto, "desconhecida anteriormente" (Lettre à un religieux, p. 54, cit. p. 28). Por isso ela não aceita nenhuma primazia espiritual do cristianismo, seja no tempo, seja no espaço; quer dizer que nem de um ponto de vista histórico, nem de um ponto de vista antropológico, não se deve pensar o cristianismo como superior às demais religiões" (p. 29). S. Weil inverte o mau uso da história que deposita no curso do tempo e no futuro o encargo de "nos alçar para o alto". O bom uso da história leva a compreender que ela "destrói o que é temporal, legando mais de eternidade ao passado do que ao presente" (ibid.). Uma vez estabelecida essa busca de uma essência única e eterna, que impede de apartar as religiões, as espiritualidades ou as metafísicas religiosas - ou ainda as filosofias -, periodizando-as e hierarquizando seu valor de acordo com seu lugar numa linha de progresso, já não é mais contraditório dizer que a "geometria grega e a fé cristã brotaram da mesma fonte" (Lettre à un religieux, p. 96, cit. p. 26). Torna-se possível - o que é a liberação completa da inteligência almejada por S. Weil - reinterpretar os símbolos e as noções das outras religiões - incluída a de verdade -, valendo-se do cristianismo; mas a recíproca é verdadeira: "outra religiões contêm explicitamente verdades que estão somente implícitas no cristianismo" (Lettre à un religieux, p. 38, cit. p. 27). Rey Puente expõe, assim, com precisão, fazendo um uso muito coerente das citações, o "método de exegese" de S. Weil.6

Em cada um dos capítulos que se seguem, sempre apoiado em textos de S. Weil, o autor se detém em passagens selecionadas sobre as quais se debruça por um método de aprofundamento das noções. Rey Puente comenta a posição de S. Weil sobre "a história das culturas e da barbárie" (cap. 2, onde são analisados "Em que consiste a inspiração occitana" e "Israel e os gentios"), e sobre "a força e a história sem a noção de progresso" (cap. 3, que destrinça o essencial das Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão social, das "Meditações sobre a obediência e a liberdade" e de O enraizamento). Conduzido naturalmente por seus primeiros capítulos, ele se pergunta, então, como S. Weil concebe uma "escala eterna de valores", sobre a qual fundar uma crítica histórica e social (p. 59). O cap. 4 ("Os valores da filosofia") comenta com base essencialmente nessa questão "Algumas reflexões em torno da noção de valor" e "Uma crônica filosófica em Marselha", a fim de estabelecer qual é, nessa busca de uma escala de valores, o estatuto que a filosofia outorga à própria filosofia. Trata-se de saber se a filosofia possui alguma "especificidade com relação a outras manifestações culturais tais como a arte, a ciência, a religião" (p. 73). Cada momento da análise fornece um instrumento que permitirá ao leitor pouco familiarizado com S. Weil se dirigir com mais segurança aos escritos focalizados, para revelar suas ideias diretrizes. O autor não somente cita com propriedade ou resume com clareza os resultados da reflexão weiliana; graças a um fio condutor sempre visível, ele indica os itinerários de acesso aos diversos domínios assinalados por S. Weil.

Ao término dessa primeira parte aparecem as linhas da análise aprofundada do progresso, do tempo e da eternidade que estruturam a filosofia da história das culturas em S. Weil. Cada um dos capítulos sugeriu que as raízes do mau uso da história e do tempo se localizam na imaginação: aquela que extrapola, que preenche o vazio do futuro com suas construções mais desmesuradas; aquela que constrói um porvir confundindo o bem desejado com uma marcha inelutável da necessidade, ou que confunde o Bem absoluto com o bem de nossos desejos. É ainda essa imaginação desregrada que nos faz "narrar ficticiamente o nosso passado" (p. 90). Quando se faz um mau uso, a imaginação "mente": "falsas leituras", precisa S. Weil (OC VI 2, p. 319, cit. p. 90).

Anunciadas sob uma forma alusiva na primeira parte, as noções de leitura e de imaginação são objeto de um aprofundamento na segunda parte, consagrada às "Leituras da Grécia". Leituras destinadas a dar um sentido a esse movimento que consiste em "ir para a Grécia" a fim de corrigir nossos erros. Quanto à imaginação, Rey Puente mostra que se trata de separá-la de tudo isso que pode comprometê-la com "falsas leituras". Retomando sistematicamente os escritos de S. Weil, desde 1929 até os últimos textos, o autor examina os "gêneros de imaginação" (p. 95) que a pensadora distingue, com o objetivo de "modificar seu regime" (OC VI 1, p. 411) ou de dominá-la. O exame que desempenha essa faculdade na arte e na ciência ajuda a compreender como "objetivá-la" (p. 96). A originalidade de Rey Puente é combinar a questão do uso da imaginação com a questão da leitura, em um primeiro e importante capítulo dessa segunda parte (p. 89-113). Em certo sentido, as duas noções têm uma mesma "história": numa como na outra se trata, inicialmente, de "lermos nós mesmos naquilo que percebemos" (p. 99), a partir do que nos afeta de fora. Como escreve S. Weil, "o que nós chamamos mundo, são as significações que lemos, portanto isso não é real" ("Ensaio sobre a noção de leitura", OC IV 1, p. 74-75). O paralelo com a imaginação se impõe: em um sentido, a imaginação não é algo real; "em outro [ela é] a principal realidade. Porém enquanto imaginação" (OC VI 2, p. 123, cit. p. 95). "O que se imagina é imaginário, mas a imaginação não é imaginária" (OC VI 1, p. 411). Do mesmo modo, "a leitura também é real, mas somente enquanto leitura" escreve Rey Puente (p. 99). A imaginação se regra e se doma, uma leitura corrige a outra. Único problema: "como saber se uma leitura vale mais" - é mais verdadeira - do que outra? E, finalmente, como "desenraizar as leituras" - como apartar a imaginação "de todo objeto para que o infinito a apreenda (OC VI 2, p. 319) - a fim de "chegar à não leitura" (op. cit., p. 436, cit. p. 104-105)? Rey Puente mostra que "a amplitude dessa ideia de leitura em seu pensamento é imensa". O que está em jogo não é nada mais do que a nossa relação com o real e o bem, as duas dimensões fundamentais segundo as quais - pela intersecção das quais - nós existimos. Tudo o que é real e verdadeiro é suscetível de leituras múltiplas, "superpostas". É no sonho que não há leituras múltiplas (OC VI 2, p. 207). Não há também no mal, "daí a simplicidade dos criminosos" (ibid.). O autor sublinha (p. 105-107) as dificuldades suscitadas por essa questão das "leituras superpostas", e há tanto maior mérito em fazê-lo claramente porque, como ele observa, "é extremamente difícil de sistematizar todas as ideias de Simone Weil concernentes a esse tema, tão impressionante é a "multiplicidade de sentidos dos conceitos-chaves" (p. 105). Em uma recensão das significações elencadas, parece que S. Weil "identificou o conceito de leitura com a imaginação, a percepção, a significação, o julgamento moral e o reconhecimento, dentre outras definições" (p. 106). Rey Puente resume com clareza os múltiplos usos da noção de leitura segundo os graus, os níveis, a fim de mostrar, afinal, que há coerência entre os diversos usos do conceito.

Pode ser aprofundado, então, o objeto próprio à segunda parte da obra: "Tentar ordenar as considerações e análises mais importantes de Simone Weil sobre a Grécia, em um dos três níveis que ela diferencia, a saber: a necessidade, a ordem e Deus". Ora, a sequência mostra que "essa tríplice distinção, segundo a pensadora, corresponde exatamente à tríplice revelação que os gregos receberam: a revelação concernente à miséria do homem (necessidade), à transcendência de Deus (o bem) e a distância entre um e outro que suscita a carência de buscar pontes entre essas duas realidades (a ordem)" (p. 107). Constatar-se-á mais adiante que "esses três níveis de leitura, úteis para compreender a apropriação que Simone Weil faz da Grécia, podem ser compreendidos também como três níveis de leitura a serem aplicados para apreender o cristianismo" (p. 134). A coerência entre os diversos usos da noção de leitura se atém a algo sobre o qual o autor insiste com força e razão: os níveis de leitura que S. Weil distingue não demarcam uma sucessão no tempo que conduziria a um "desligamento do sensível em direção ao inteligível no sentido de uma passagem sem retorno" (p. 109). O "verdadeiro Platão", para S. Weil, assim como para Alain, pretendia uma leitura do inteligível "no ou por trás do sensível". Isso conduz a uma leitura de O enraizamento (p. 110-112) mais judiciosa do que aquelas que ainda prosperam, e segundo as quais "a pátria de S. Weil não seria deste mundo".

Cada capítulo da segunda parte examina um nível de leitura: de início, o da "necessidade por trás da sensação" (cap. 2). "A Ilíada ou o poema da força" constitui a referência principal na análise da primeira leitura. De fato, o poema de Homero expõe de modo magistral, aos olhos de S. Weil, o que é um mundo onde reinam a violência e a força.7 Assim, graças à epopeia e à tragédia e através da leitura dos historiadores da antiguidade (p. 190-131), ela pode pensar a desgraça (malheur) do seu tempo, "a opressão social, a guerra e a colonização" (p. 124). Para pensar o segundo nível de leitura, "a ordem por trás da necessidade" (cap. 3), "é preciso sobretudo pensar a ciência grega" (p. 135). O enraizamento, "A ciência e nós" e "Do fundamento de uma nova ciência" são os textos tomados por referência, a fim de mostrar que a ciência grega, contrariamente à ciência clássica, "continha [as] duas leis da 'indiferença' evidente e da "misteriosa cumplicidade da matéria que constitui o mundo com relação ao bem". Ver a ordem por trás da necessidade, para os gregos, era ver por trás do que parecia somente a vencer, alguma coisa a amar. Inspirar-se na ciência grega é "estudar esta lei rigorosa que limita a força sem, no entanto, ignorá-la (p. 155). Enfim, a terceira leitura - que permite ler "Deus por trás da ordem"8 - é esquadrinhada no último capítulo, "A Grécia e Deus". É a "passagem da leitura à não leitura" (p. 163). Em um comentário onde a erudição e a técnica não sufocam o viés filosófico e espiritual,9 Rey Puente mostra como Simone Weil "se apropria da Grécia" e desvela uma presença da revelação cristã na tradição grega.10 Ele destaca toda a importância dos textos gregos que S. Weil selecionou, traduziu e comentou nas Intuições pré-cristãs e n'A fonte grega, constatando que "a estratégia adotada nessas duas obras é a mesma": traduzir e comentar quase os mesmos textos dos diálogos platônicos. Rey Puente introduz igualmente em seu exame o modo de abordagem dos diálogos platônicos encontrados no VIII (OC VI 3, p. 60-61). Ele pode mostrar, então, em cerca de trinta páginas exemplares (p. 164-197), que S. Weil faz uma "leitura seletiva dos diálogos dos quais ela deixa de lado vários aspectos", que ela intervém prolongando os mitos platônicos, que ela tenta compreender Platão "para além do que ele explicitamente disse". Se ela concede, enfim, tanta importância à tradição pitagórica, é porque se trata de reconstituir uma tradição na perspectiva da abolição da "cisão entre a Grécia e o cristianismo, ou mesmo entre a Grécia e outras tradições da antiguidade" (p. 173). O autor dedica grande atenção às diferenças - até as inversões (p. 191) - na ordem da tradução e da apresentação dos textos platônicos nas Intuições pré-cristãs e n'A fonte grega (p. 174 e segs. e p. 190 e segs.) e à distinção das "vias" - a via intelectual e a do amor, segundo os diálogos - expostas nos Cahiers (p. 182 e segs). Ele observa com razão que S. Weil se interessa com frequência por passagens de Platão pouco estudadas ou simplesmente ignoradas, ao menos pela tradição exegética recente11 (p. 177-178).

Na conclusão de seu livro, Rey Puente tem razão de insistir no fato de que não se deve ater-se à "originalidade da abordagem exegética" de S. Weil: "é preciso sobretudo compreender que existe um projeto filosófico" por trás dessa apropriação dos autores. Toda interpretação erudita de Simone Weil sobre esse tema por mais arguta que seja - útil, nesse sentido - passará ao largo do essencial: "a ausência de preocupação concernente à erudição" em S. Weil. Ao testemunho de André Weil, transmitido por Jacques Cabaud, a esse respeito, provavelmente, falta também o essencial. Pode-se, com efeito, presumir que S. Weil "negligenciava fazer apelo aos métodos ordinários de erudição [...] por uma espécie de repugnância"?12 A resposta é dada pelo estudo de Rey Puente: S. Weil "interfere" nos textos que examina porque ela os lê como um filósofo. Poder-se-ia do mesmo modo censurar Kant por sua leitura de Platão, Nietzsche por sua leitura dos pré-socráticos, Michel Henri por sua leitura de Marx ou Ricoeur por sua leitura de Freud. Para um filósofo, não é a exatidão científica de um comentário sobre os escritos o que importa, porém isso que Rey Puente chama de "método de apropriação" de um pensamento. Por que criticar S. Weil, para quem "uma intuição orientada pode dar acesso à verdade", de "tomar muito facilmente por regra geral o que era apenas um caso específico aplicável a ela própria, e alguns outros dentre os quais Pascal"?13 O gênio filosófico como o gênio artístico não aplica regras, dá regras. Se outros, além de artistas ou filósofos, não podem segui-los prova apenas que essas regras são fecundas por sua originalidade mesma, que é inimitável. Desse ponto de vista, a "fecundidade das leituras que S. Weil faz da Grécia, mesmo com relação a pesquisas eruditas mais recentes" é incontestável. Rey Puente sugere isso examinando rapidamente - em um estudo que merecia um outro livro - as diferenças entre Heidegger, René Girard, ou um "leigo erudito" como Robert Joly, de um lado, e S. Weil, de outro, em sua relação com os gregos. Ele sugere ainda aproximações a serem feitas entre S. Weil e Raimon Panikkar e Pavel Florenskij,14 por exemplo.

Rey Puente pode afirmar, legitimamente, para concluir, que "S. Weil se situa entre os filósofos mais importantes do século passado e que ela tem seguramente muito a nos dizer sobre o nosso século" (p. 214) e sobre o nosso porvir, do qual os gregos fazem parte. É a lição principal deste estudo.

O livro compreende uma bibliografia seletiva sobre o tema examinado, um índice de nomes, outro de assunto, o que o torna um bom instrumento de trabalho. Alguns deslizes na redação e imprecisões gramaticais - que o autor toma sob sua responsabilidade, embora se trate da responsabilidade dos editores - seriam fáceis de corrigir quando da reedição deste estudo que deveria suscitar a curiosidade dos aficionados tanto de S. Weil quanto do helenismo.

Tradução: Emilia Maria de Morais.

1 Salvo outra indicação, as referências bibliográficas dadas através da abreviatura OC referem-se à edição dasOeuvres complètes de Simone Weil que, desde 1988, está em curso de publicação pela Gallimard, com 11 volumes publicados dos 16 previstos. [Nota da trad.].
2 Do autor, os Cahiers Simone Weil (CSW) já publicaram: Simone Weil, Frédéric Nietzsche et la Grèce. CSW, XIX 1, p. 67-96, mar. 1996; Simone Weil au Brésil: le témoignage d' un philosophe. CSW, XXVIII 1, p. 9-12, mar. 2005; La science grecque comme paradigme d'une science nouvelle. CSW, XXXII 3, set. 2009.
3 Essa justa observação não impede o autor de homenagear aqueles que contribuíram para o conhecimento das relações entre S. Weil e a Grécia: F. Heidsieck, M. Narcy, A. C. Peduzzi, S. Fraisse, E. Greselin, etc.
4 No original, a íntegra da citação de S. Weil: Il ne saurait être question pour nous de retour à la Grèce [...]Mais, si nous le méritons, il pourrait être question pour nous d' aller vers la Grèce (CSW, IX 3, 1986, p. 231). [Nota da trad.].
5 Segundo o autor, entretanto, o modo como os dois filósofos pensam as culturas grega e cristã no interior da história e o modo como pensam a própria história são muito diferentes, e ele chega até mesmo a falar da "distância quase intransponível que separa [Ricoeur] de S. Weil" (p. 24-25).
6 O trabalho de Rey Puente oferece um excelente desmentido aos espíritos maliciosos, crentes que se pode dizer o que se quer sobre as citações e desfazer o que diz uma por outra, num jogo sem fim. A citação não é comprovante ou esclarecedora senão quando inserida na rede de razões que a evoca. Não se desfazem as malhas de uma tal rede tão facilmente e as citações evocadas arbitrariamente são visíveis de imediato. Somente umsentido do problema filosófico pode fazer aparecer a legitimidade das citações selecionadas, e mesmo sua necessidade. Incontestavelmente, Rey Puente possui esse sentido do problema.
7 Revelemos uma ambiguidade sobre essa questão. Pode-se afirmar, porque "este mundo da necessidade é um mundo sem Deus" - Deus sendo o Bem para S. Weil - que "é um mundo onde reina a violência e a força" (p. 116). A "necessidade soberana aqui embaixo", objeto da geometria, não é em essência violenta, mesmo se - mas é uma leitura, a primeira precisamente - o que é para a inteligência "equilíbrio das relações necessárias" aparece para nossa carne como "força brutal" (WEIL, S. O enraizamento. Paris: Gallimard, 1962, 1977. p. 371). Rey Puente lembra, aliás, que nós somos "regidos por uma dúplice lei, uma evidente indiferença e uma misteriosa cumplicidade da matéria que constitui o mundo em relação ao bem (WEIL, S. Sur la science. Paris: Gallimard, 1966. p. 133, cit. p. 141), o que coloca o problema de uma Providência na ordem do mundo (O enraizamento, ed. cit., p. 358).
8 Sobre essa distinção dos níveis de leitura, v. OC VI 2, p. 373, e a cit. p. 105 do livro resenhado.
9 Um estudo mais técnico da leitura dos gregos por S. Weil - de sua leitura de Platão e dos pitagóricos em particular - estudo linguístico, filosófico e matemático, resta a ser feito. Rey Puente oferece aos especialistas da filosofia e da ciência grega um quadro bastante seguro de interpretação dos subsídios da leitura dos gregos por S. Weil. Esse trabalho é mais valioso que os "retalhos" de doutas análises técnicas e matemáticas, que padecem - por ignorância do pensamento de S. Weil - para explicitar a significação do "ir para a Grécia" que anima o pensamento weiliano.
10 Acentuaríamos de bom grado as reservas do autor relativas à expressão Intuições pré-cristãs que finda por ser recusada pelo próprio Pe. Pérrin.* Dizer que a expressão assinala somente uma "precedência temporal da tradição grega com relação ao cristianismo, desprovida de uma ideia de valor" (p. 165), é ainda conceder demais ao tempo e à história, enquanto está em questão, antes de tudo, segundo S. Weil, a presença universal e eterna. [* Pe. Joseph-Marie Perrin foi um dominicano de quem Simone Weil se aproximou, em Marselha, entre 1940-1942. As cartas que lhe dirigiu compõem o livro póstumo Attente de Dieu, traduzido no Brasil pela ECE, 1987. Nota da trad.].
11 "É o caso do Grande animal e do Justo perfeito", estudados na p. 178 e segs. [Cf. PLATÃO, República, 493c e 361a e segs. Nota da trad.].
12 CABAUD, J. Simone Weil à New York et à Londres. Paris: Plon, 1967. p. 29 (testemunho citado por Rey Puente, p. 199-200).
13 Ibid.
14 Pavel Florenskij (1882-1937), físico, matemático e teólogo russo.

Kriterion: Revista de Filosofia

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