segunda-feira, 9 de março de 2009

ENTRE QUADROS E ESCULTURAS - WESLEY DUKE LEE E OS FUNDADORES DA ESCOLA BRASIL


Pingos nos "is"

Cláudia Valladão De Mattos
ANNATERESA FABRIS

Após ter lido a resenha de Annateresa Fabris sobre o livro "Entre Quadros e Esculturas - Wesley Duke Lee e os Fundadores da Escola Brasil", aqui publicada, como autora do texto vi-me impelida a escrever esta resposta. Ao insistir na relação de Wesley com Duchamp, a resenhista desconsiderou outros aspectos de minha interpretação, como também não levou em conta o contexto no qual foi efetuada a aproximação entre os dois artistas. A resenha transmite ao leitor a falsa impressão de que o meu texto se resume numa comparação das produções de ambos, o que está bastante distante da verdade. Resumirei, portanto, minha tese central para recontextualizar a discussão e assim evidenciar o conteúdo específico do texto.
Para Wesley a arte é acima de tudo uma longa aprendizagem e não a decorrência de um mero monólogo subjetivo. Essa atitude evidencia-se nas constantes citações presentes em suas obras. Assim, procurei apontar para a relação criativa que Wesley estabeleceu com alguns artistas, como Rauschenberg, Johns, Schiele, Duchamp e Schwitters, apropriando-se de aspectos parciais de suas obras, tendo em vista a elaboração de sua própria poética.
Por outro lado, sua obra está longe de constituir-se em mera colagem de citações. Nesse ponto, se não me engano, Annateresa Fabris está de acordo com minha análise, pois subentende a presença de uma subjetividade que se manifesta no movimento constante de unificação de todas as suas produções numa grande e única obra, a exemplo de Duchamp e Schwitters.
Certamente há muitos pontos de divergência entre Duchamp e Wesley; a sexualidade, como lembra a resenhista, é um deles. Mas há um movimento semelhante na obra dos dois artistas, ao qual me referi como um "caráter circular" ou uma "auto-referencialidade", que abre espaço para um jogo subjetivo ou, melhor, para a apresentação da subjetividade do artista. A presença desse movimento na obra de Duchamp tem sido objeto de análises recentes, como as de Craig Adcock e Jean Suquet (consultar "The Definitively Unfinished Marcel Duchamp", org. por Thierry de Duve, Cambridge e Londres, The MIT Press, 1992). Entre o "Grande Vidro", o "Livro Verde" e a apropriação de uma obra por outra, encontramos a subjetividade de Duchamp. Meu argumento consiste em afirmar a presença de um movimento semelhante na obra de Wesley, sendo esta toda a aproximação que fiz entre os dois artistas (eis também porque afirmei que a atitude niilista de Duchamp não exercera o mesmo fascínio sobre Wesley).
Lembro ainda dois pontos da resenha que demostram uma compreensão equivocada do meu texto. Em primeiro lugar, a afirmação de que considero a série "Ligas" e "A Zona" como "elementos de reforço na aproximação entre Wesley Duke Lee e Duchamp", levando o leitor falsamente a acreditar que realizo uma comparação entre as formas de erotismo presentes na obra dos dois artistas. Isso não está dito em nenhuma parte do texto. Ao contrário, afirmo que a tendência de Wesley na busca de unidade em sua obra, à maneira de Duchamp, dá-se "apesar" das séries! (ver pág. 25). Em segundo lugar, o conceito de auto-referencialidade, que uso para descrever a obra de Wesley e de Duchamp, também foi mal interpretado. O termo serviu-me para descrever a constante retomada de uma obra em outra ao longo da produção dos dois artistas, e, assim, não se trata do caráter meta-reflexivo da arte moderna (como acontece em Picasso).
No mais, agradeço a contribuição de Annateresa Fabris quanto à aproximação que sugere entre Wesley e Allen Jones, que mereceria uma análise mais detalhada, ainda que as mulheres com ligas de Jones não apresentem o lirismo característico da série "Ligas" de Wesley.
Claudia Valladão de Mattos é doutora em história da arte pela Universidade Livre de Berlim.

Folha de São Paulo

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