Física como teimosia
Alberto Luiz Da Rocha Barros
As preocupações com o alcance social da ciência e com a física como componente da cultura humana levaram nosso grande cientista José Leite Lopes, físico teórico de fama internacional, a criar em 1963 uma série de publicações intitulada "Ciência e Sociedade", no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do qual foi um dos fundadores.
Neste volume, foram coligidos 35 artigos sobre perfis de homens de ciência que constituem parte importante da memória da física no Brasil. No excelente prefácio, os editores dedicam o livro "a todos aqueles cientistas que, como o Prof. José Leite Lopes, não adotam uma postura meramente tecnicista vis a vis a ciência" e observam que um título mais apropriado talvez seria "Perfis de Teimosia": "Teimosia em dedicar toda uma vida para criar um ambiente científico no Brasil necessário para que a Universidade se libertasse dos grilhões do mero academicismo descompromissado".
Nesta coletânea, figuram físicos brasileiros como Mário Schenberg, José Leite Lopes, Cesar Lattes, Jayme Tiomno, Marcello Damy de Souza Santos, Jorge André Swieca e cientistas estrangeiros que influenciaram a física no Brasil, como o austríaco Guido Beck (que foi assistente de Heisenberg), os argentinos J. J. Giambiagi e Jorge Helman, o prêmio Nobel norte-americano Richard Feynman e o italiano Enrico Predazzi.
Também constam, em textos escritos por Leite Lopes, dois físicos que, embora não tenham morado no Brasil, se preocuparam com nossa ciência. O primeiro deles é o paquistanês Abdus Salam, que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1979, juntamente com S. Weinberg e S. Glashow, pela criação da teoria que unifica as interações eletromagnética e nuclear fraca, da qual Leite Lopes é um precursor com sua idéia do bóson vetorial, pioneirismo assinalado por Weinberg ao receber o prêmio.
O segundo é Robert Oppenheimer, muito conhecido por ter sido diretor do Laboratório de Los Alamos, onde se realizaram os estudos e preparativos para a primeira bomba atômica. Este físico, ao se referir à ciência no Brasil, assinalava que "não há posições em número suficiente para cientistas universitários no Brasil, não há número suficiente de estudantes de ciências puras no Brasil. Estas afirmações são válidas se os senhores quiserem apoiar uma sociedade tecnológica, se o impulso que agora existe tiver que prosseguir".
Boa parte dos textos é de autoria de Leite Lopes, que lembra a figura de Mário Schenberg, das aulas que assistiu na sua cátedra de mecânica racional e celeste, na USP. Nesta época, tomou conhecimento do regime de "tempo integral" que vigorava na USP e preconizou sua adoção na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em seu discurso de posse na cátedra de física teórica em 1948 (republicado na "Revista Adusp", nº 11), afirmando que este regime era indispensável para que os pesquisadores tivessem tranquilidade para o exercício da atividade científica, que exige grande dedicação e concentração. Nos tempos atuais de "genocídio salarial", será sempre bom lembrar da importância do tempo integral para o desenvolvimento científico e cultural das universidades brasileiras.
Leite Lopes presta homenagem comovida ao seu mestre de Recife, Luiz Freire, grande humanista e um dos pioneiros da física no Brasil. Artigos sobre o próprio Leite Lopes são escritos por Cesar Lattes e Pinguelli Rosa. Atualmente, Leite Lopes preside o conselho da Cátedra Mário Schenberg do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Na coletânea também figuram cientistas de outras áreas, como os biólogos Carlos Chagas, Walter Oswaldo Cruz, Henri Walter Bates, os químicos Mo‹se Ha‹sinsky e Jacques Danon, o historiador Richard Westfall (biógrafo de Newton) e os matemáticos Joaquim Gomes de Souza (o fabuloso dr. Souzinha) e Oliveira de Castro, que teve importante papel no desenvolvimento do CBPF e fazia versos bem humorados, como "Fofocas de um Octagenário".
Analisando a criatividade científica, há dois artigos curiosos e com fino senso de humor. Um deles, intitulado "Einstein Comeu Vatapá Com Pimenta", de Luciano Videira, conta a visita de Einstein ao Brasil em 1925. O outro, escrito em italiano por E. Recami, é sobre Ettore Majorana, misteriosamente desaparecido e considerado um gênio por Fermi, e inclui um interessante catálogo de seus manuscritos inéditos.
Esta valiosa seleção de artigos tem o mérito de exibir a atividade científica como um processo criativo dentro do contexto da cultura, tendo assim um profundo significado humanístico. É uma leitura recomendada a todos aqueles que amam a ciência e "vêem na física uma aventura do pensamento", no dito famoso de Einstein.
Alberto Luiz da Rocha Barros é professor do Instituto de Física da USP.
Folha de São Paulo
Alberto Luiz Da Rocha Barros
As preocupações com o alcance social da ciência e com a física como componente da cultura humana levaram nosso grande cientista José Leite Lopes, físico teórico de fama internacional, a criar em 1963 uma série de publicações intitulada "Ciência e Sociedade", no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do qual foi um dos fundadores.
Neste volume, foram coligidos 35 artigos sobre perfis de homens de ciência que constituem parte importante da memória da física no Brasil. No excelente prefácio, os editores dedicam o livro "a todos aqueles cientistas que, como o Prof. José Leite Lopes, não adotam uma postura meramente tecnicista vis a vis a ciência" e observam que um título mais apropriado talvez seria "Perfis de Teimosia": "Teimosia em dedicar toda uma vida para criar um ambiente científico no Brasil necessário para que a Universidade se libertasse dos grilhões do mero academicismo descompromissado".
Nesta coletânea, figuram físicos brasileiros como Mário Schenberg, José Leite Lopes, Cesar Lattes, Jayme Tiomno, Marcello Damy de Souza Santos, Jorge André Swieca e cientistas estrangeiros que influenciaram a física no Brasil, como o austríaco Guido Beck (que foi assistente de Heisenberg), os argentinos J. J. Giambiagi e Jorge Helman, o prêmio Nobel norte-americano Richard Feynman e o italiano Enrico Predazzi.
Também constam, em textos escritos por Leite Lopes, dois físicos que, embora não tenham morado no Brasil, se preocuparam com nossa ciência. O primeiro deles é o paquistanês Abdus Salam, que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1979, juntamente com S. Weinberg e S. Glashow, pela criação da teoria que unifica as interações eletromagnética e nuclear fraca, da qual Leite Lopes é um precursor com sua idéia do bóson vetorial, pioneirismo assinalado por Weinberg ao receber o prêmio.
O segundo é Robert Oppenheimer, muito conhecido por ter sido diretor do Laboratório de Los Alamos, onde se realizaram os estudos e preparativos para a primeira bomba atômica. Este físico, ao se referir à ciência no Brasil, assinalava que "não há posições em número suficiente para cientistas universitários no Brasil, não há número suficiente de estudantes de ciências puras no Brasil. Estas afirmações são válidas se os senhores quiserem apoiar uma sociedade tecnológica, se o impulso que agora existe tiver que prosseguir".
Boa parte dos textos é de autoria de Leite Lopes, que lembra a figura de Mário Schenberg, das aulas que assistiu na sua cátedra de mecânica racional e celeste, na USP. Nesta época, tomou conhecimento do regime de "tempo integral" que vigorava na USP e preconizou sua adoção na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em seu discurso de posse na cátedra de física teórica em 1948 (republicado na "Revista Adusp", nº 11), afirmando que este regime era indispensável para que os pesquisadores tivessem tranquilidade para o exercício da atividade científica, que exige grande dedicação e concentração. Nos tempos atuais de "genocídio salarial", será sempre bom lembrar da importância do tempo integral para o desenvolvimento científico e cultural das universidades brasileiras.
Leite Lopes presta homenagem comovida ao seu mestre de Recife, Luiz Freire, grande humanista e um dos pioneiros da física no Brasil. Artigos sobre o próprio Leite Lopes são escritos por Cesar Lattes e Pinguelli Rosa. Atualmente, Leite Lopes preside o conselho da Cátedra Mário Schenberg do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Na coletânea também figuram cientistas de outras áreas, como os biólogos Carlos Chagas, Walter Oswaldo Cruz, Henri Walter Bates, os químicos Mo‹se Ha‹sinsky e Jacques Danon, o historiador Richard Westfall (biógrafo de Newton) e os matemáticos Joaquim Gomes de Souza (o fabuloso dr. Souzinha) e Oliveira de Castro, que teve importante papel no desenvolvimento do CBPF e fazia versos bem humorados, como "Fofocas de um Octagenário".
Analisando a criatividade científica, há dois artigos curiosos e com fino senso de humor. Um deles, intitulado "Einstein Comeu Vatapá Com Pimenta", de Luciano Videira, conta a visita de Einstein ao Brasil em 1925. O outro, escrito em italiano por E. Recami, é sobre Ettore Majorana, misteriosamente desaparecido e considerado um gênio por Fermi, e inclui um interessante catálogo de seus manuscritos inéditos.
Esta valiosa seleção de artigos tem o mérito de exibir a atividade científica como um processo criativo dentro do contexto da cultura, tendo assim um profundo significado humanístico. É uma leitura recomendada a todos aqueles que amam a ciência e "vêem na física uma aventura do pensamento", no dito famoso de Einstein.
Alberto Luiz da Rocha Barros é professor do Instituto de Física da USP.
Folha de São Paulo
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