Jesus Ranieri, Ed. Boitempo
Os impasses contemporâneos têm gerado um novo interesse pelo pensamento daquele a quem Goethe chamou, no sentido da grandeza, de “o primeiro filósofo da Alemanha” – isto é, Hegel. Em Trabalho e dialética, Jesus Ranieri recoloca à altura a centralidade de Hegel para uma compreensão rica da obra de Marx e para uma teoria social articuladora de uma práxis da emancipação humana.
No embate filosófico de fundo, antikantiano e crítico das teorias epistemológicas e políticas abstratas e moralistas do dever ser, o livro cumpre papel precioso, frisando o modo dialético de pensar comum a Hegel e a Marx no que tange à apreensão imanente do real como processo do devir, ou vir a ser, o que fez Hegel chamar a ciência de sistema e declarar que o absoluto não é a noite em que todos os gatos são pardos, mas também não é o pássaro que se pega na visgueira, pois o absoluto, ou o verdadeiro como processo, está sempre junto.
À luz dessa diretriz, que firma o subtítulo “Hegel, Marx e a teoria social do devir”, sob a influência de Lukács e tecido em linguagem densa, rigorosa e complexa, o livro aprofunda a categoria trabalho – especialmente em Hegel, mas também em Marx – sob a análise do lugar operativo da alienação/exteriorização (Entäusserung) e do estranhamento (Entfremdung) na constituição do ser social, terminologias que Ranieri vem fundamentando desde seu livro A câmara escura (Boitempo, 2001), passando por sua tradução dos Manuscritos econômico-filosóficos (Boitempo, 2004), de Marx.
Após isso, Ranieri discute como a metodologia dialética hegeliana – que o livro apresenta como precursora do materialismo marxiano – foi assimilada por Marx na constituição de seu sistema teórico enquanto crítica da economia política, especialmente nos Grundrisse, que também acabam de ser lançados pela Boitempo Editorial.
Trabalho e dialética, por seu propósito e grandeza, passa a ser referência e exemplo, especialmente para os que estranham ou rechaçam Hegel sem ter-se dado ao “trabalho do espírito” de estudá-lo. E isso ainda que a relação Hegel-Marx tenda a ser sempre aquela, bem tipificada por Kostas Papaioannou como “l’interminable débat”.
Paulo Denisar Fraga
Filosófo e professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas ( Unifal-MG)
Le Monde Diplomatique Brasil
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