segunda-feira, 16 de julho de 2012

18 crônicas e mais algumas


Maria Rita Kehl, Ed. Boitempo



E aí, vai encarar?! Esse é o tom do novo livro de Maria Rita Kehl. Em 18 crônicas e mais algumas, “roubada pelos temas”, ela escreve apenas duas que falam do ser humano de forma romântica, para apresentar quem escreve. As demais são um convite para a briga – pela vida, pelo mundo, pela realidade, pelo coletivo.
Como Adorno, a autora parece buscar na escrita esperança para sobreviver. Temas polêmicos (aborto, crimes como os dos Nardoni, “acidentes naturais” como o do Morro do Bumba), abordados de maneira crítica, nos convocam a sair da acomodação de vê-los como programas de TV e a pensar sobre como reagimos a uma realidade que corroboramos.
Entre a raiva e o orgulho nas leituras, Mario Quintana nos tranquiliza: “Sim, um autor que nunca se contradiz deve estar mentindo”. O poeta ajuda a ler a indignação de Maria Rita Kehl ao avaliar mulheres como mais ativas e interessadas pela vida que os homens. Que generalização é essa? Assim como também é útil nas duas narrativas críticas em primeira pessoa enquanto personagem de periferia – um deslocamento no mínimo arriscado e desafiante.
Mas é aí que identificamos nossos preconceitos e carapuças e nos damos o direito de usufruir as ricas reflexões apresentadas. Como em “Repulsa ao sexo”, que permite acompanhar um pensamento crítico responsável: “Eis a face cruel da criminalização do aborto: trata-se de fazer do filho o castigo da mãe pecadora”. Também na brilhante introdução, na qual apresenta a elaboração de seu “cronicar” – entre a psicanálise, o jornalismo e a cidadania. Aparentemente muito distantes, a autora os une na função de desnaturalização, questionamento, escuta, preocupação e atenção ao outro.
“O Brasil dói”, diz Maria Rita Kehl. E cada um encontra sua forma de lidar com a dor. Alguns fingem não ver, e ela escancara a manipulação da mídia e a passividade de quem nem pensa nessa dor. Se as crônicas são elaboração dessa dor, a autora esbanja humanidade e sensibilidade, parte de sua função profissional e social.
 



Mariana Peres Stucchi
Doutoranda do Porgrama de Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco e técnica do Instituto Fazendo História
Le Monde Diplomatique Brasil

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