Gabriel Feltran, Ed. Centro de Estudos da Metropóle
Esse livro resulta de pesquisa etnográfica premiada pela Anpocs e definida pelo autor como “uma tradução do vivido”. Trata-se de um painel denso e pulsante da história recente da cidade de São Paulo, construído com base em longa imersão pessoal na realidade de Sapopemba. Sendo uma tradução, deve ser entendido não como retrato, mas como fabricação que pode ser expandida e/ou alterada indefinidamente. Feltran convida o leitor a um diálogo crítico com seu livro, que se quer humano, incompleto, polêmico – mas não ficcional, pois o material empírico a sustentar o argumento é enorme.
O autor introduz a dimensão temporal em seu quadro de referência a partir de longo contato com os jovens de Sapopemba, cujas práticas lhe impuseram uma reflexão sobre a relação entre mudanças socioculturais e diferenças geracionais nas ideias sociopolíticas. Disso resulta que o presente da etnografia se forma com profundidade histórica, o que faz da pesquisa uma reconstrução da saga dos moradores de Sapopemba.
A base do argumento é que as periferias urbanas são lugares (produtos de vivências e não simplesmente espaços sem densidade social própria) marcados pela ausência de linearidade na relação entre o funcionamento do sistema jurídico-institucional e os processos de legitimação da dominação. Daí o título do livro, Fronteiras, porque a autoridade constituída precisa afirmar-se permanentemente diante de outras formas de poder que também buscam legitimar-se; o resultado é a tensão expressa no título, em que a organização estatal da vida pública se constrói junto com processos que a questionam todo o tempo. Produzem-se mutuamente as regras do mundo do crime, sua gestão jurídico-institucional com os respectivos desvios, os movimentos sociais locais e supralocais.
Mas o leitor não precisa se preocupar: o espaço disponível obriga a uma apresentação seca e pobre da argumentação. No livro, ao contrário, ela se desenvolve por meio de saborosas descrições da vivência pelos moradores de Sapopemba (especialmente os jovens) e das vicissitudes da atuação de organizações não estatais da região. O leitor terá em mãos um trabalho que merece plenamente o prêmio que recebeu.
Luiz Antonio Machado da Silva
Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (lmachado@iep.uerj.br)
Le Monde Diplomatique Brasil
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