Friedrich Engels e Karl Kautsky, Ed. Boitempo
A obra O socialismo jurídico se volta contra os rumos da esquerda do século XIX. Aponta, no entanto, para práticas que fariam história nos séculos XX e XXI. Antevê, pois, a tragédia do reformismo e remete à necessidade de uma esquerda efetivamente anticapitalista.
Para Engels e Kautsky, é impossível se contrapor realmente ao domínio burguês caso se deixe “de modo mais ou menos intacto o cerne do problema, a transformação do modo de produção” (p.20). A centralidade da busca progressiva de conquistas jurídicas seria ilusória. O Direito pressupõe a relação-capital: sob as vestes da igualdade e da liberdade jurídicas está a relação contratual pela qual “livremente” é vendida a força de trabalho em condições de “igualdade” perante a classe detentora dos meios de produção.
A defesa de um “socialismo jurídico” seria, em verdade, a defesa do modo como a exploração da classe trabalhadora toma forma na sociedade capitalista.
Têm-se, assim, “socialistas” que perpetuam a exploração capitalista, ao passo que “a classe trabalhadora [...] não pode exprimir plenamente a própria condição de vida na ilusão jurídica da burguesia” (p.21). Com a centralidade no Direito, a transformação do modo de produção fica de lado, e qualquer “esquerda” está à direita, voltando-se, mesmo sem saber, contra os trabalhadores, e apoiando pressupostos do capitalismo.
Portanto, a mensagem que nos passa o texto de Engels e Kautsky é de atualidade marcante. Um “socialismo jurídico” é um não socialismo, é a perpetuação da relação-capital, mesmo que isso verbal e “juridicamente” possa se dar em nome dos trabalhadores. Na perspectiva socialista, é preciso afirmar, teórica e praticamente, a prioridade do conteúdo social concreto em relação à forma jurídica, das práticas classistas em relação à institucionalidade do Estado.
Vitor Bartoletti Sartori
Mestre em História pela PUC-SP, doutorando em Filosofia do Direito pela USP e autor da obra Lukács e a crítica ontológica ao Direito.
Le Monde Diplomatique Brasil
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