sexta-feira, 27 de julho de 2012

Experiências da Emancipação


Flávio Gomes e Petrônio Domingues, Ed. Selo Negro Edições


Somos um povo de memória deficiente. Longe de ser uma displicência congênita, essa realidade é uma construção social muito bem articulada pelas elites brasileiras. A história de nosso povo é contada pelos “vitoriosos”, com uma versão oficial reproduzida nas escolas, na mídia, na academia, imprimindo em nós uma imagem de cordialidade, de intrínseca e inquebrantável alegria – que nada mais são do que mecanismos para naturalizar e aprofundar a subserviência e as desigualdades.
Os negros e as negras africanos (estas ainda mais que os primeiros) e seus descendentes talvez tenham sido os que mais sofreram. Sequestrados de sua terra e tratados como mercadoria, aqui tiveram sua força de trabalho sugada ao extremo, foram submetidos às mais variadas e cruéis formas de violência e tiveram sua história distorcida. Na contramão do establishmentExperiências da emancipação reúne treze artigos cujo conjunto constrói um painel denso sobre as histórias de resistência e busca por emancipação do povo negro no Brasil, elucidando com maestria o papel desses sujeitos sociais e suas organizações no contexto político pós-abolição.
Esse livro mostra a ativa participação dos negros em movimentos de resistência armada, confrarias e agremiações recreativas, nas lutas sindicais, nas esferas políticas institucionais e na literatura, recompondo o imaginário desses sujeitos político-sociais que souberam demarcar posições num contexto de transformações econômicas, políticas e sociais no final do século XIX e ao longo do século XX, articulando-se das mais diferentes formas para enfrentar a pobreza, a marginalização, a precária inserção no mundo do trabalho assalariado e os preconceitos raciais a que eram submetidos.
Ao apresentar elementos históricos da construção das políticas de branqueamento e repressão, a obra torna-se um documento fundamental no atual momento em que assistimos a crescentes manifestações explícitas de racismo e ao genocídio de jovens negros nas periferias das grandes cidades, e nos ajuda a perceber o profundo enraizamento e naturalização desses processos em nossa sociedade.
É um trabalho valioso que tem muito a contribuir para o resgate da memória e da identidade do povo negro e do povo brasileiro em geral.


Jonathan Constantino
biólogo e professor da rede pública de São Paulo
Le Monde Diplomatique Brasil

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