Frank D. McCann - Soldados da pátria: história do exército brasileiro 1889-1937
Marcos Poggi *
A leitura do minucioso trabalho de pesquisa histórica realizado pelo professor McCann, se não fica a impressão de que a história do “Brasil República” se confunde com a história do Exército Brasileiro, resta pelo menos a certeza de que o papel desempenhado pelo Exército a partir de 1889 foi decisivo na formação do país em que o Brasil se transformou. Em uma sociedade sem tradição ou memória republicana (Portugal, a pátria mãe, somente se tornaria uma República em 1910), e sem instituições consolidadas (o arcabouço institucional do Império foi desestruturado nos primórdios da República), após 1898, a única instituição nacional estruturada, à exceção dos partidos políticos, capaz de participar efetivamente do exercício do poder, era o Exército.
A influência da Marinha em parte afetada por sua conhecida tradição monarquista, segundo McCann, foi adicionalmente prejudicada pela rebelião de 1893 e pela revolta dos marinheiros em 1910. Naquelas circunstâncias, restou à força naval um papel coadjuvante no cenário político da República. Por seu turno, a Guarda Nacional, que era tida como concorrente do Exército, não se manteve e foi extinta.
A outra instituição estruturada em todo o país era a Igreja. Mas esta tinha um caráter internacional, carecendo, portanto, de algo que a pudesse classificar como uma entidade brasileira, credencial indispensável para qualificá-la para uma participação senão indireta e relativamente discreta da vida política do país.
A importância do Exército ao longo do período republicano pode ser inferida pelas inúmeras citações do autor, de que é exemplos a de a de Osvaldo Aranha: Tudo se relaciona com o Exército. De fato, apesar da impressão contrária reinante em muitas quadras da história republicana, não nos iludamos: a partir de 1898, tudo tem se relacionado com o Exército. No período pesquisado por McCann, que se encerra em 1937, o Exército esteve presente, e foi ator decisivo, em todos os capítulos importantes da História do Brasil, seja em função da forma como seus líderes usaram o Poder Civil , seja como aparentemente foram por este cooptados. É sobretudo notável conhecer (como ressaltado em artigo da American History Review) “como os oficiais (do Exército) lutaram entre si e fizeram alianças chaves com as lideranças civis para se tornar uma força tão influente”.
O fato é que o Exército foi protagonista de ponta em tudo de importante que aconteceu no Brasil no período estudado: no episódio do fechamento do Congresso por Deodoro em 1891; na Revolta da Armada em 1893, na Guerra Federalista do Rio Grande do Sul em 1894/1895; na Guerra de Canudos em 1896/1897; na Luta pelo Acre em 1903; na Revolta da Vacina em 1904; na Revolta da Chibata em 1910; na Guerra do Contestado de 1912 a 1915; nos Movimentos Tenentistas na década de 1920, em especial, nos levantes de 1922 e 1924, marcados pela francofobia dos revoltosos, e que tiveram como estopim as famosas cartas falsas de Arthur Bernardes com insultos a Hermes da Fonseca; na Revolução de 1930; no Levante Paulista de 1932; nas conspirações de 1934 e 1935; na Revolta Comunista de 1935; na repressão de 1936; e no mergulho da ditadura de Vargas em 1937. Parte desses e de outros episódios não citados fazem parte da meritória luta do Exército pela manutenção da unidade nacional e defesa de nossas fronteiras.
Um crítico mais rigoroso poderia ressalvar a aparente relativa parcimônia de McCann em relação aos fundamentos filosóficos e motivações ideológicas que estiveram na base do desempenho dos principais líderes do Exército. Como exemplo, as menções ao positivismo restringem-se ao reconhecimento de sua importância na época da Proclamação da República. E ao citar Francisco de Paula Cidade que afirmara que a influência do positivismo desaparecera do seio do Exército na segunda década da República, na verdade o autor faz caso omisso dos desdobramentos do sentimento jacobino nas décadas subseqüentes. A bem da verdade, McCann poderia ter aprofundado em algumas passagens as considerações sobre a importância dos fundamentos ideológicos que permearam o pensamento das principais lideranças do Exército. Sem embargo, há no livro menções a outras tendências no meio militar como a Conferência Vicentina, o marxismo, o nacionalismo de Alberto Torres, e o próprio movimento integralista.
Mas mesmo essa ressalva tem uma explicação no fato de que a pretensão de McCann não foi, em absoluto, a de proceder a uma análise profunda dos aspectos filosóficos subjacentes à atuação dos atores estudados. E, sim, com base em impressionante trabalho de pesquisa documental, trazer à tona as circunstâncias factuais em que se desenrolaram os principais fatos históricos desse período tão importante na formação da identidade nacional. Esta, a propósito, a linha típica de criação dos brasilianistas norte-americanos, que, aliás, tem suprido consideráveis lacunas de nossa historiografia.
A denominação Soldados da Pátria decorre da cultura gestada nos primórdios da República no seio do Exército, de que “a Pátria está acima da Constituição” e que, portanto, a lealdade deve ser devida em primeiro lugar á Pátria, e, depois, à Constituição. E graças a McCann, podemos compreender porque e como os soldados da pátria se tornaram também os senhores da República neste país.
O autor, Frank D. McCann é um conhecido brasilianista. Professor de História da Universidade de New Hampshire, e professor visitante da Universidade de Brasília, é autor de outros livros importantes relacionados à História Militar do Brasil como a A Nação Armada: Ensaios sobre a História do Exército Brasileiro (Guararapes, 1982) e Aliança Brasil- Estados Unidos, 1937 -1945 (Biblioteca do Exército Editora, 1995).
Marcos Poggi
Ex-oficial de Marinha (Corpo da Armada), bacharel em Ciências Navais, economista especializado em transportes, estudioso de História e Filosofia, ensaísta e escritor. Co-autor do livro Planejamento e gestão empresarial sob inflação, publicado pela Editora Campus; de dois romances (Equinócio e A senhora da casa do sono) editados pela 7 Letras; e de ensaios e artigos em obras coletivas. Colabora com frequência na imprensa brasileira (principalmente JB, O Globo e Jornal da Tarde)
Revista Política e Cidadânia
Marcos Poggi *
A leitura do minucioso trabalho de pesquisa histórica realizado pelo professor McCann, se não fica a impressão de que a história do “Brasil República” se confunde com a história do Exército Brasileiro, resta pelo menos a certeza de que o papel desempenhado pelo Exército a partir de 1889 foi decisivo na formação do país em que o Brasil se transformou. Em uma sociedade sem tradição ou memória republicana (Portugal, a pátria mãe, somente se tornaria uma República em 1910), e sem instituições consolidadas (o arcabouço institucional do Império foi desestruturado nos primórdios da República), após 1898, a única instituição nacional estruturada, à exceção dos partidos políticos, capaz de participar efetivamente do exercício do poder, era o Exército.
A influência da Marinha em parte afetada por sua conhecida tradição monarquista, segundo McCann, foi adicionalmente prejudicada pela rebelião de 1893 e pela revolta dos marinheiros em 1910. Naquelas circunstâncias, restou à força naval um papel coadjuvante no cenário político da República. Por seu turno, a Guarda Nacional, que era tida como concorrente do Exército, não se manteve e foi extinta.
A outra instituição estruturada em todo o país era a Igreja. Mas esta tinha um caráter internacional, carecendo, portanto, de algo que a pudesse classificar como uma entidade brasileira, credencial indispensável para qualificá-la para uma participação senão indireta e relativamente discreta da vida política do país.
A importância do Exército ao longo do período republicano pode ser inferida pelas inúmeras citações do autor, de que é exemplos a de a de Osvaldo Aranha: Tudo se relaciona com o Exército. De fato, apesar da impressão contrária reinante em muitas quadras da história republicana, não nos iludamos: a partir de 1898, tudo tem se relacionado com o Exército. No período pesquisado por McCann, que se encerra em 1937, o Exército esteve presente, e foi ator decisivo, em todos os capítulos importantes da História do Brasil, seja em função da forma como seus líderes usaram o Poder Civil , seja como aparentemente foram por este cooptados. É sobretudo notável conhecer (como ressaltado em artigo da American History Review) “como os oficiais (do Exército) lutaram entre si e fizeram alianças chaves com as lideranças civis para se tornar uma força tão influente”.
O fato é que o Exército foi protagonista de ponta em tudo de importante que aconteceu no Brasil no período estudado: no episódio do fechamento do Congresso por Deodoro em 1891; na Revolta da Armada em 1893, na Guerra Federalista do Rio Grande do Sul em 1894/1895; na Guerra de Canudos em 1896/1897; na Luta pelo Acre em 1903; na Revolta da Vacina em 1904; na Revolta da Chibata em 1910; na Guerra do Contestado de 1912 a 1915; nos Movimentos Tenentistas na década de 1920, em especial, nos levantes de 1922 e 1924, marcados pela francofobia dos revoltosos, e que tiveram como estopim as famosas cartas falsas de Arthur Bernardes com insultos a Hermes da Fonseca; na Revolução de 1930; no Levante Paulista de 1932; nas conspirações de 1934 e 1935; na Revolta Comunista de 1935; na repressão de 1936; e no mergulho da ditadura de Vargas em 1937. Parte desses e de outros episódios não citados fazem parte da meritória luta do Exército pela manutenção da unidade nacional e defesa de nossas fronteiras.
Um crítico mais rigoroso poderia ressalvar a aparente relativa parcimônia de McCann em relação aos fundamentos filosóficos e motivações ideológicas que estiveram na base do desempenho dos principais líderes do Exército. Como exemplo, as menções ao positivismo restringem-se ao reconhecimento de sua importância na época da Proclamação da República. E ao citar Francisco de Paula Cidade que afirmara que a influência do positivismo desaparecera do seio do Exército na segunda década da República, na verdade o autor faz caso omisso dos desdobramentos do sentimento jacobino nas décadas subseqüentes. A bem da verdade, McCann poderia ter aprofundado em algumas passagens as considerações sobre a importância dos fundamentos ideológicos que permearam o pensamento das principais lideranças do Exército. Sem embargo, há no livro menções a outras tendências no meio militar como a Conferência Vicentina, o marxismo, o nacionalismo de Alberto Torres, e o próprio movimento integralista.
Mas mesmo essa ressalva tem uma explicação no fato de que a pretensão de McCann não foi, em absoluto, a de proceder a uma análise profunda dos aspectos filosóficos subjacentes à atuação dos atores estudados. E, sim, com base em impressionante trabalho de pesquisa documental, trazer à tona as circunstâncias factuais em que se desenrolaram os principais fatos históricos desse período tão importante na formação da identidade nacional. Esta, a propósito, a linha típica de criação dos brasilianistas norte-americanos, que, aliás, tem suprido consideráveis lacunas de nossa historiografia.
A denominação Soldados da Pátria decorre da cultura gestada nos primórdios da República no seio do Exército, de que “a Pátria está acima da Constituição” e que, portanto, a lealdade deve ser devida em primeiro lugar á Pátria, e, depois, à Constituição. E graças a McCann, podemos compreender porque e como os soldados da pátria se tornaram também os senhores da República neste país.
O autor, Frank D. McCann é um conhecido brasilianista. Professor de História da Universidade de New Hampshire, e professor visitante da Universidade de Brasília, é autor de outros livros importantes relacionados à História Militar do Brasil como a A Nação Armada: Ensaios sobre a História do Exército Brasileiro (Guararapes, 1982) e Aliança Brasil- Estados Unidos, 1937 -1945 (Biblioteca do Exército Editora, 1995).
Marcos Poggi
Ex-oficial de Marinha (Corpo da Armada), bacharel em Ciências Navais, economista especializado em transportes, estudioso de História e Filosofia, ensaísta e escritor. Co-autor do livro Planejamento e gestão empresarial sob inflação, publicado pela Editora Campus; de dois romances (Equinócio e A senhora da casa do sono) editados pela 7 Letras; e de ensaios e artigos em obras coletivas. Colabora com frequência na imprensa brasileira (principalmente JB, O Globo e Jornal da Tarde)
Revista Política e Cidadânia
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