Mario Vargas Llosa – Sabres e utopias. Visões da América Latina (2009).
Antonio Paim *
Além de renomado autor de romances justamente o que lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura de 2010, Mario Vargas Llosa é igualmente articulista e ensaísta, na condição de colaborador assíduo de periódicos em diversos países europeus, nos Estados Unidos e entre nós. O livro Sabres e utopias. Visões da América Latina contém uma seleção daqueles artigos e ensaios nos quais abordou temas da cultura e da política dessa parte do mundo. A denominação que atribuiu às partes do livro são bem expressivas do seu conteúdo: 1- A peste do autoritarismo; 2-Auge e declínio das revoluções; 3-Obstáculos ao desenvolvimento: nacionalismo, populismo, indigenismo, corrupção; 4-Em defesa da democracia e do liberalismo; e 5- Os benefícios do irreal: arte e literatura latino-americanas.
Reconhece a ambigüidade do conceito de América Latina. Assim, escreve: “As fronteiras nacionais não sinalizam as reais diferenças existentes na América Latina. Estas ocorrem no interior de cada país e de forma transversal, englobando regiões e grupos de países. Há uma América Latina ocidentalizada, que fala espanhol, português e inglês (no Caribe e na América Central) e é católica, protestante, atéia ou agnóstica, e uma América Latina indígena, que, em países como México, a Guatemala, o Equador, o Peru e a Bolívia, reúne milhões de pessoas e preserva instituições, práticas e crenças de raiz pré-hispânica. Mas essa América indígena, por seu lado, não é homogênea; constitui um outro arquipélago e apresenta diferentes níveis de modernização.” (p. 315) Destaca o fato de que, na sua opinião “felizmente”, a mestiçagem acha-se muito difundida, o que tem permitido a incorporação de contribuições tanto dos africanos que vieram para o continente na condição de escravos como dos participantes da posterior emigração de outros povos da Europa, além de espanhóis e portugueses, bem como da Ásia.
Não obstante essa diversidade e sobretudo a sobrevivência de práticas e costumes anteriores à colonização européia, responde afirmativamente à pergunta: “a América Latina faz parte do Ocidente, culturalmente falando, ou se trata de algo essencialmente distinto, como seriam a China, a Índia ou o Japão?” Lembro aqui que Samuel Huntington (1927/200), na sua obra, tornada clássica, O choque das civilizações (1993) respondeu negativamente à questão, arrolando a cultura latino-americana como distinta da ocidental.
Vargas Llosa passa em revista o ciclo autoritário, de origem militar, bem como as dificuldades na subseqüente construção democrática. Nesse particular, destaca o traço da cultura latino-americana que, em muitos casos, tem impedido a modernização econômica. Um dos ensaios dedicados ao tema está intitulado de “queremos ser pobres”. Afirma textualmente: “Enquanto a democratização estancou ou recuou em países como a Venezuela, assiste-se no campo econômico ao ressurgimento do populismo, como conseqüência do fracasso de certas reformas de abertura e privatização, apresentadas de maneira falaciosa como “neoliberais”. (p. 196)
Não deixa de ser curiosa esta observação: “Uma reforma mal feita costuma ainda ser mais prejudicial do que a ausência de reformas. Foi o caso do Peru, onde a ditadura de Fujimori “privatizou” um grande número de empresas públicas durante os funestos anos de 1990-2000. Essas privatizações eram, é claro, uma caricatura grotesca do que é e de qual o sentido da transferência de empresas do Estado para o setor privado, algo que é feito para saneá-las, moderniza-las, obriga-las a competir e a prestar serviços melhores aos consumidores. No entanto, elas foram feitas para transformar monopólios públicos em monopólios privados, para favorecer determinadas pessoas e grupos econômicos ligados à camarilha governante e, sobretudo, para que Fujimori, Montesinos e toda a sua laia cortesã de militares, empresários e funcionários enchessem os bolsos com comissões e tráfico de influência envolvendo vários milhões de dólares.”
Faltou registrar o caso do Brasil onde a privatização, ocorrida no governo FHC, extremamente bem sucedida, veja-se nesta mesma página www.flc.org.br na seção “Documentos de interesse” foi virulentamente combatida pelo PT, tanto no ciclo de sua efetivação como ao longo dos oito anos de seu governo, neste último caso para lançar uma cortina de fumaça sobre o fato de que a interrupção levada a cabo tinha em vista colocar em seu lugar política de favorecimento de certos grupos empresariais, que se dispusessem a aceitar espécie de “estatização disfarçada”.
Parece-lhe que a preocupação em desvendar o que seria a “identidade” da América Latina “pretensão inútil, perigosa e impossível, pois a identidade é algo que diz respeito aos indivíduos e não às coletividades” tem servido para fomentar divisões artificiais e criar um clima favorável a pregações demagógicas. Na Bolívia, concretamente, a pretexto de restaurar a dignidade dos autóctones, estão sendo erodidas as instituições do governo democrático-representativo.
O autor da seleção, o escritor colombiano Carlos Granes, refere o fato de que Vargas Llosa haja flertado com a esquerda nos primeiros tempos e a contribuição de Fidel Castro no sentido de que abrisse os olhos à realidade. Essa revisão, escreve, adveio da “evidência de que Cuba não era a concretização de uma utopia, mas sim uma grande armadilha para escritores e opositores do regime”. Desde então, progressivamente, aproximou-se do liberalismo, convencendo-se de que fornecia sólidos fundamentos à aspiração à liberdade que acalentava. Presentemente, como se pode ver dos ensaios reunidos na parte 4, passou a figurar entre os principais representantes da doutrina liberal.
Por fim, cabe registrar que o autor detém-se no fenômeno da literatura latino-americana, que destoa do melancólico panorama que tem proporcionado no terreno político.
Mario Vargas Llosa
nasceu em Arequipa, Peru, em 1936. Viveu em Paris nos anos sessenta. Nesse mesmo período publicou seus primeiros romances. Seu rompimento completo com as “revoluções” que se propunham mudar radicalmente o quadro regional de subdesenvolvimento acha-se expresso em pronunciamento público de 1976. Passa a defender a via das urnas como o único meio legítimo de ascensão ao poder. Foi candidato à Presidência do Peru em 1990, sendo derrotado. Desde então, radicou-se na Espanha sem perder os vínculos com a sua terra natal.
Revista Liberdade e Cidadania
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