Rio de Janeiro. Explorações sobre uma cidade porosa
Daniel Bitter
Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.
POUCAS obras foram capazes de mergulhar tão profundamente na história cultural do Rio de Janeiro, como Porous City de Bruno Carvalho. O livro é, sem dúvida, uma relevante contribuição e um vigoroso e requintado estudo sobre a cidade a partir das transformações de uma de suas áreas mais ricas, complexas e contraditórias: a Cidade Nova. O autor privilegia essa região por considerar que os processos sociais, urbanos, culturais e econômicos ali desenrolados fornecem imagens-síntese, frequentemente contraditórias, sobre a cidade e mesmo sobre o país.
O pretexto central para a elaboração do livro parece ser o ambivalente sentimento do autor com relação à cidade, amalgamado por um misto entre encantamento e estranhamento, ante as contradições da cidade. O Rio de Janeiro aparece aos olhos de Bruno Carvalho (2013) como um lugar que abriga simultaneamente mistura racial e exclusão, porosidade e segregação. O autor bem resume essas contradições apresentando o contraste entre o Rio da Bossa Nova e a situação de crianças abandonadas nas ruas.
A Cidade Nova foi criada por decreto em 1811 e até princípios do século XIX era uma área alagadiça que servia de passagem entre o centro da cidade e as áreas rurais da Tijuca e de São Cristóvão. O aterramento e a melhoria da região trouxeram um impulso de crescimento para a área que passou a ocupar um lugar importante para o desenvolvimento da cidade e de gêneros musicais definidores da identidade nacional. Para o autor, essa região estimulou a produção de representações em torno da cidade multirracial e étnica, comportando tanto a área afrodescendente, conhecida como a Pequena África, quanto o bairro dos imigrantes judeus, além de fazer referência a ciganos, italianos, espanhóis etc.
O trabalho procura, assim, acompanhar as representações construídas em torno dessa região e da música ali produzida, que se tornaram emblemáticas da identidade brasileira. Correlativamente, o autor se dispõe a investigar como mudanças urbanas podem moldar a linguagem, assim como a própria linguagem pode moldar o desenvolvimento e a experiência da cidade. O autor se propõe, ainda, a lançar novas luzes sobre algumas das mais importantes obras literárias que tematizaram essa região da cidade, bem como avançar em análises históricas e reflexões teóricas.
No prefácio do livro, o autor refere-se à marcante experiência de ter estado numa festa na chamada Vila do Éden, na Praça Onze, coração da Cidade Nova. Informalmente conhecida como Vila do Éden, a Villa Alberto Sequeira, localizada na rua Clementino Fraga, abrigou um número significativo de judeus do Leste Europeu nas primeiras décadas do século XX, refugiados da perseguição na Europa. A festa a que Carvalho se refere ocorreu em torno do casal septuagenário Pinduca e Celi – ele um judeu ashkenazim, e ela uma negra, ambos nascidos na região. Parentes, amigos e vizinhos reuniram-se em frente à casa do casal para celebrar o festim regado a mocotó, cachaça e música. O autor relata que esse acontecimento o inclinou a estudar esse peculiar espaço de encontros entre judeus e negros.
Movido pelo fascínio diante desses encontros e desencontros, Carvalho recua até o século XIX com o intuito de compreender a história cultural dessa região e suas representações em grandes obras da literatura, música e nas artes visuais. No prefácio da obra o autor atenta para aspectos teóricos e conceituais que embasam sua reflexão. Em grandes linhas, trata-se de explorar a ideia de cidade como um palimpsesto e articular a noção de “cidade porosa”. Carvalho expressa convenientemente o necessário cuidado em capturar imagens do Rio de Janeiro, complexas e em camadas, propondo dialogar com uma multiplicidade de fontes e referências disciplinares. Nesse sentido, o autor lança mão de textos teatrais, novelas, poemas, música, pintura, de um lado, assim como outras referências mais frequentemente situadas no horizonte das ciências sociais, tais como mapas, planos urbanos, discursos políticos, memórias, testemunhos orais, revistas e jornais.
Carvalho reconhece que o estudo sobre a Cidade Nova oferece muitos desafios, considerando-se que muitas das manifestações e expressões que ali tiveram lugar, tais como religiões afro-brasileiras, música popular, carnaval e prostituição, frequentemente eram consideradas ilegítimas a ponto de originar quaisquer escritos. O autor, assim, se pergunta como “escrever uma história cultural de espaços urbanos baseada em fontes que, em sua maior parte, os representam como marginais ou incidentais” (Carvalho, 2013, p.8).
O livro está distribuído em seis capítulos que, como o autor propõe, devem ser lidos como feixes de camadas históricas, na forma de um diagrama (Deleuze), dentro do qual as fronteiras são instáveis, porosas. De inspiração benjaminiana, a noção de porosidade é usada por Carvalho para pensar a fluidez de fronteiras entre ordem e desordem, popular e erudito, preto e branco, público e privado, sagrado e profano, centro e periferia, e assim por diante. Em cidades como o Rio de Janeiro, sugere o autor, impera uma sobreposição de categorias e grupos étnicos e raciais, mesmo quando indesejáveis. Carvalho explica que o termo deriva do grego poros, significando passagem, sugerindo que a noção é parte da etimologia de “porto” da cidade, o que designa certo modo de interação, próprio de alguns lugares. O conceito ocupa lugar central na empreitada do autor em interpretar alguns dos enigmas mais persistentes da cidade. Nessa direção, Carvalho questiona: “como uma cultura e uma autoimagem definida pela mistura, coexiste com tão pregnante disparidade socioeconômica?” (ibidem, p.10). Como escreve,
Este estudo tem a esperança de poder oferecer insights sobre como um ambiente de desigualdades e trocas assimétricas, num país em que a escravidão não foi abolida antes de 1888, encontros multiétnicos e uma permeável vida cultural, puderam florescer. (ibidem, p.10)
A noção de porosidade ocupa, assim, um lugar absolutamente crítico no livro. Ela vem contribuir para uma longa tradição de debates sobre diversidade racial e divisões sociais. Por outro lado, o conceito se apresenta como uma interessante alternativa às problemáticas e desgastadas noções de sincretismo e miscigenação que acabaram por ganhar uma conotação excessivamente celebratória, contribuindo para a reprodução do mito da democracia racial e obscurecendo as desigualdades sociais. Carvalho sugere que porosidade encontra sua expressão não apenas nas cenas musicais multirracias do Rio de Janeiro, mas também nas áreas de prostituição que unem negras e judias, frequentadas por pobres e ricos. O autor faz referência ao epíteto cidade partida que o Rio de Janeiro ganhou a partir do conhecido livro de Zuenir Ventura publicado em 1994. A obra marca um período de aguda crise da cidade, acentuada pelos trágicos massacres de Vigário Geral e da Candelária. Cidade partida é a expressão mais crua dessa divisão entre dois mundos, particularmente entre favela e asfalto. Apesar disso, Carvalho nota que está implícito na expressão de Ventura a admissão de que há mais porosidade do que a realidade aparenta. Porosidade, portanto, não se opõe à ideia de cidade partida, uma vez que mistura e separação frequentemente são aspectos complementares da realidade. Como escreve o autor, “Uma cidade dividida, portanto, pressupõe uma cidade porosa” (ibidem, p.12). Ao deslocar o olhar para a cidade dividida, Carvalho pôde reencontrar conexões inesperadas em meio às áreas de segregação socioespacial. Como propõe,
Através de grande parte dos séculos dezenove e vinte, elites governantes intentaram confinar, domesticar, eliminar ou expulsar aqueles aspectos de fluidez e intercâmbio que, paradoxalmente, marcaram a formação da cultura dominante no Brasil e que esteve frequentemente concentrada na Cidade Nova e lugares similares: a cena musical, prostituição, assim como, indesejáveis comunidades étnicas. (ibidem, p.13)
Carvalho sugere que a ideia de porosidade remete à mútua influência que distintos grupos podem exercer uns sobre os outros, absorvendo parcialmente suas tradições, apesar da inegável assimetria do sistema de distribuição de recursos e poder que caracteriza a vida na cidade do Rio de Janeiro. O exemplo fornecido é o das diásporas transatlânticas africana e judaica.
Nessa direção, a análise que Carvalho empreende do romance Memórias de um sargento de milícias de Manuel Almeida permite perceber como certos lugares associados à Cidade Nova, como o Campo de Santana, se constituem em foco significativo de sociabilidades e trocas interculturais em meados do século XIX. Carvalho nota que as narrativas de Almeida descrevem hábitos e costumes das camadas baixas e médias, incluindo afrodescendentes e ciganos. O Campo foi palco de manifestação de festas de santos, ranchos, umbigadas e batuques, como também de lavadeiras que aproveitavam os tanques ali instalados. O autor sugere ainda que a Cidade Nova, daquele período, podia ser vista como uma metáfora tanto da cidade partida quanto da cidade porosa. A região recebeu investimentos em infraestrutura, com a construção do Canal do Mangue e prédios monumentais, iluminação e linhas de transporte. Entretanto, com o passar do tempo, a Cidade Nova passou a abrigar majoritariamente a população mais pobre formada por afrodescendentes, ciganos, judeus e estrangeiros, muitos dos quais passaram a habitar em cortiços. As elites tenderam a se deslocar para as áreas litorâneas, procurando se distanciar dessas presenças indesejáveis, como também buscaram se proteger dos surtos de febre amarela e outras doenças associadas a lugares mais interiores.
Carvalho nota, entretanto, que a Cidade Nova, por meio de seus dois pontos centrais – o Campo de Santana e a Praça Onze – foi um território onde se manifestou uma interação do tipo porosa, a qual teria marcado a cultura carioca e mesmo a brasileira. O autor aprofunda esse argumento no segundo capítulo, observando a circularidade entre popular e erudito existente em muitas formações musicais urbanas do século XIX, tais como bandas marciais e orquestras ligadas às igrejas.
Ademais, o que torna interessante esse território é a sua conexão com outras áreas, para além de suas fronteiras mais estritas, ligando-se à Lapa boêmia, ao centro da cidade, às primeiras favelas e aos subúrbios habitados pela classe trabalhadora. Carvalho nota que ao longo de sua transformação, a Cidade Nova teve seus limites também alterados e que já não mais abriga a Praça Onze, espaço que ganhou notoriedade, especialmente entre afrodescendentes e judeus, configurando-se o que veio a ser conhecido como Pequena África. A destruição da Praça Onze para a abertura da Avenida Presidente Vargas, entretanto, não esvaziou esse espaço da memória coletiva de muitos grupos, permanecendo como um marco simbólico de encontros e da produção de certos gêneros musicais, tais como maxixe, samba, choro, que se tornariam emblemáticos da identidade carioca. Carvalho destaca ainda a proximidade da antiga Praça Onze com a chamada área do Mangue e da prostituição ali instalada desde os anos 1920.
Outro conceito basilar explorado pelo autor como uma metáfora significativa para pensar a natureza complexa e multifacetada das cidades contemporâneas é o de “palimpsesto” ao qual já me referi anteriormente. O autor propõe que espaços urbanos podem ser vistos como “palimpsestos”. Tal como antigos manuscritos, as cidades podem ser apagadas e reescritas sucessivamente. Na imagem representada pelo autor, ruas, praças, quarteirões são demolidos para dar lugar ao novo. Carvalho nota que ao longo de 200 anos, entre 1763 e 1960, o Rio de Janeiro foi “raspado” (scraped off) diversas vezes, consistindo num verdadeiro laboratório para planejadores urbanos. Há aqui o importante pressuposto de que ao longo desse processo de transformação a paisagem da cidade modelou formas urbanas, relações sociais e expressões culturais.
Ao evocar a noção de palimpsesto, Carvalho chama a atenção para as múltiplas camadas e processos de reescrita que certos territórios sofrem. O autor lança mão de ideias de Freud acerca da estrutura da mente, do inconsciente e do que chama de “escrita” para pensar o modo como a memória é articulada mediante um processo de recuperação arqueológica de vestígios, camadas, que ativam significados compartilhados. Nesse caso, o trabalho de historiadores, críticos literários e teóricos é especialmente relevante para o desvelamento dessas antigas camadas de cera. O uso da noção de escrita, assim como de palimpsesto é analógico. Carvalho sugere que “o que Freud chama de ‘escrita’ pode ser entendida como a intercessão entre funções espaciais e histórias pessoais” (p.4).
Nesse ponto, gostaria de fazer menção à ideia de Arqueologia Urbana proposta por Vogel e Mello (1984, p.47), o que me parece se aproximar do uso que Carvalho faz da noção de “palimpsesto”. Os autores desenvolveram um programa de pesquisa com o propósito de estudar a “evolução da sociedade urbana brasileira, quanto às transformações dos seus aspectos morfológicos, em particular, no que se refere à dinâmica dos sistemas construídos e de sua dimensão sócio-espacial” . Há uma ênfase aqui na materialidade dos sistemas construtivos e no seu potencial enquanto sistemas de memória. As cidades apresentam-se como arquivos em permanente processo de atualização. Os autores propõem construir as bases para uma melhor compreensão de identidades sociais que se constituem no diálogo entre o velho e o novo, o tradicional e o moderno (ibidem, p.48).
Duas outras noções balizam as sofisticadas análises e reflexões de Carvalho: cartografias letradas (lettered cartographies) e geografia cultural (cultural geography). A primeira se inspira nos trabalhos de Ángel Rama (1984), em cuja obra intitulada La ciudad letrada o autor procura mostrar como a palavra escrita foi empregada para impor ordem e estabelecer poder entre as sociedades latino-americanas, especialmente no período colonial. Cartografias letradas implicariam padrões adquiridos a partir de mapas cognitivos de “produtores de conhecimento”, por meio do rádio, governo, jornais etc. Geografia cultural, por sua vez, remete à realidade empírica do modo como os recursos materiais e espaços culturais são distribuídos na cidade. Como propõe o autor, essas duas dimensões estão frequentemente em tensão dialética, e um de seus objetivos.
Destaco o diálogo que Carvalho estabelece com a obra Slave life in Rio de Janeiro, 1808–1850, de Mary Karash (1987), explorando as flagrantes contradições contidas no fato de que o grupo social mais oprimido da cidade é, também, o mais visível e o mais audível. O autor chama a atenção para as complexas normas hierarquias de controle da circulação da população escrava na cidade. O argumento aqui é o de que apesar de essa enorme população ter ocupado o mais baixo nível na hierarquia social, deixou marcas profundas na vida social e cultural da cidade, com sua presença nas praças públicas mediante suas procissões rituais e festivas. As expressões musicais dos negros ocupam um lugar central nessa paisagem sonora. Carvalho observa que essa paisagem suscitou distintas apreciações por parte de viajantes estrangeiros e missionários católicos, e nota que essas expressões sonoras eram o produto de algum tipo de colaboração entre os escravos e outras categoriais sociais. De acordo com Karash (1987), há evidências de que os negros escravizados incorporaram ao seu repertório modinhas portuguesas, polkas e antífonas católicas.
Diversas obras de Machado de Assis são analisadas ao longo do livro e oferecem preciosas descrições da vida cotidiana na Cidade Nova, evidenciando-se certos padrões de interação que permitem ao autor corroborar a noção de porosidade. Carvalho sugere que a cartografia das relações sociais apresentada pelo escritor, com suas ambiguidades e tensões, antevê as transformações que terão lugar na cidade do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, a partir de projetos autoritários de modernização, como os que foram conduzidos por Pereira Passos e mais tarde por Henrique Dodsworth.
A Cidade Nova com seus batuques e festas populares é aqui contrastada com outra região da cidade: a parisiense Rua do Ouvidor. Na visão das elites, a Rua do Ouvidor era o epicentro da vida civilizada e cosmopolita onde os valores associados à modernidade predominaram através da presença dos seus cafés e outros estabelecimentos comerciais de maior prestígio e sofisticação. Curioso notar que esses mesmos valores associados à modernidade e aos padrões civilizatórios europeus irão orientar as reformas urbanas da Cidade Nova, levadas a cabo na administração de Dodsworth.
Essas traumáticas intervenções cirúrgicas concentradas na Cidade Nova resultaram numa grande reconfiguração espacial e social da região, levando abaixo avenidas inteiras com seu antigo casario, minando também modos de vida e formas de sociabilidade marcadas pela porosidade. Essas intervenções remapearam a população mais desfavorecida, deslocando-as para a zona norte, para os subúrbios e para as nascentes favelas. Essas ações eram parte do plano para alinhar a cidade às mais importantes capitais europeias e vieram acompanhadas, também, de forte preocupação sanitarista. Carvalho ilumina esse processo mostrando seu viés higienista e racista, num momento em que diversas manifestações culturais dos negros, tais como batuques, rituais religiosos, entrudos carnavalescos, passam a ser perseguidas. O autor indica, entretanto, que havia resistência, especialmente em torno das tias baianas concentradas na Praça Onze. Essas negras, vindas da Bahia, tornaram-se figuras centrais na reprodução de todo um modo de vida que acaba por configurar-se como poroso a outras categorias sociais. Carvalho nota que algumas dessas tias baianas gozavam de grande prestígio e eram protegidas por policiais, funcionários públicos e políticos que frequentavam suas casas. Ficou particularmente conhecido o papel que a tia Ciata (Hilária Batista de Almeida, 1854-1924) ocupou nesse processo de resistência e porosidade. Sua casa foi palco de festas, rituais religiosos e reuniões musicais, contando com a presença de sambistas luminares, como Sinhô, Pixinguinha, Donga, entre outros.
João do Rio, outro grande personagem da cidade, deixou testemunhos importantes sobre a diversidade religiosa presente na Cidade Nova, assim como sobre os fluxos de inter-relações raciais e de classe que amenizaram o furor persecutório às manifestações populares. Carvalho nota, a partir dos escritos de João do Rio, que algumas tias baianas, mães de santo e sambistas gozavam de proteção de políticos e policiais. Havia circularidade cultural e contato interclasses. A diversidade musical da Cidade Nova também foi notada por Lima Barreto, e a despeito do fato de o maxixe, o samba e outros gêneros emergirem como sínteses desses contatos étnicos, raciais e de classe, um Rio dividido da belle époque insiste em impor uma visão das elites sobre a cidade, sugere o autor.
Carvalho explora os meandros de um bairro afro-judeu criado em torno da antiga Praça Onze de Junho. No início do século XX, judeus do Leste Europeu começaram a se fixar nessa parte da cidade como refugiados. O autor sugere que havia solidariedade entre afrodescendentes e judeus ashkenazim, uma vez que essas categorias sociais compartilhavam uma condição social semelhante. Carvalho nota que muito pouco se preservou da memória da relação entre negros e judeus, mas que maiores conflitos entre as categorias não são evidentes. Havia proximidade física entre essas categorias. Carvalho nota que muitos estabelecimentos de judeus eram vizinhos da tia Ciata e que até mesmo o espaço de prostituição do Mangue foi um ponto de convergência.
Acervo Biblioteca Nacioanl - Rio de Janeiro
Foto Augusto Malta (1864-1957)
Nas conclusões do trabalho, Carvalho sugere que apesar de a Avenida Presidente Vargas ter se tornado uma referência no processo de alteração da concepção de cidade, ela não conseguiu frear práticas contraespaciais importantes. Com a construção do túnel Santa Bárbara, a Cidade Nova passou a figurar em notas de rodapé, perdendo sua centralidade na vida cotidiana da população. Entretanto, esse território simbólico é permanentemente revivido na contemporaneidade por diversas categorias sociais que têm reivindicado sua memória como parte de sua história e seu pertencimento.
Finalizo estas notas recomendando a leitura da obra, com a expectativa de que, em breve, esta seja traduzida para a língua portuguesa.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, B. Porous City. A cultural history of Rio de Janeiro (from the 1810s Onward). Liverpool: Liverpool University Press, 2013.
KARASCH, M. C. Slave life in Rio de Janeiro, 1808–1850. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1987.
RAMA, A. La ciudad letrada. Hanover, NH: Ediciones del Norte, 1984.
VOGEL, A.; MELLO, M. A. da S. Sistemas construídos e memória social: Uma arqueologia urbana? Revista Arqueologia, Belém, v.2, n.2, p.46-50, jul./dez. 1984.
Daniel Bitter é professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Artes, ritos e sociabilidades urbanas, Narua-UFF. . – danielbitter@gmail.com
Revista Estudos Avançados - USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário