Arlete Farge, Ed. Autêntica
Se a história tem uma função, ela é, eminentemente, política. Longe da máxima “aprender com os erros do passado”, Arlette Farge “dilacera certezas”, como Foucault, ao mostrar qual é o papel do historiador no mundo contemporâneo, em sua organicidade. Partindo de uma sociedade que tem na violência e nos conflitos práticas fulcrais à engrenagem do processo histórico, a autora chama a atenção às possibilidades de reflexão sobre o devir e à responsabilidade do historiador em proporcionar reinterpretações do passado a partir da singularidade do acontecimento. Dor e sofrimento, nas palavras de Farge, “animam uma sociedade e a irradiam por todos os lados”, conjugando desejos fraternais e movimentos de solidariedade. Como entender a violência hoje senão recuando aos mecanismos que a tornaram parte de métodos bastante racionais de controle e disciplina? Como eximir-se de apresentar à sociedade ferramentas para mudança, para oposição aos mecanismos de racionalização da violência? Como, por fim, tratar da violência no âmbito de uma história política que não desconsidere a infelicidade?
Farge nos instiga a historicizar emoções, mostrando que violência e sofrimento são históricos, mudam com o tempo, sendo passíveis de alterações.
Partindo das questões em torno da guerra, dor, violência e sofrimento, no contexto do Antigo Regime, Farge clama, por um lado, os historiadores a problematizar a história do tempo presente, submetendo a realidade a análises plurais que permitam controlar e erradicar os mecanismos de violência, ou resistir a eles, e, por outro, a questionar a própria ciência, organizada com base em “descontinuidades sofridas”, rebeliões e guerras, em detrimento de aspirações de paz, como objeto histórico. Encadeiam-se ínterins após rupturas dolorosas e sangrentas, sem preocupação com singularidades do discurso que enunciam a dor, não como consequência, mas como objeto pleno de reflexão no cerne desses acontecimentos.
Rafael de Abreu e Souza
Bacharel em História pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas; mestre em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo; aluno de pós-graduação em Gestão Ambiental pelo Senac
Le Monde Diplomatique Brasil
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