O mundo simples e cotidiano pelos olhos de uma mulher
DE CAMARGO, Maria Aparecida Bosschaerts. Cronicando a Vida. Tupã/SP: Multi Gráfica, 2003.
CÂNDIDO, Weslei Roberto¹
Crônicas. Como falar delas em tom acadêmico, se a própria natureza desse texto literário foge aos padrões da chamada grande literatura. Na verdade, a crônica nunca teve a intenção de ser “grande”, pois ao falar do cotidiano de pessoas comuns, de situações quase imperceptíveis no corre-corre diário, a crônica diverte, emociona, faz esquecer de problemas dos quais ela própria se faz tema.
Desta maneira, pode-se pensar o livro da professora e escritora Cida Bosschaerts, pelo viés da aparente facilidade, mas já sabendo que oculta temas fundamentais para o relacionamento entre homens e mulheres. É interessante começar pensando a capa de seu livro. A presença de um homem, quiçá um escritor, na verdade, oculta uma narradora que analisa o mundo ao seu redor com uma sensibilidade, talvez só possível, � s mulheres experientes e de grande sabedoria.
A capa preta com tons amarelados, que num primeiro momento pode revelar certa austeridade, deCronicando a Vida, da escritora Cida Bosschaerts funciona como uma espécie de armadilha, pois esconde páginas cheias de ternura e amor pela vida. Amor de mulher por homens: namorados, esposos, filhos, don juans que surgem e participam do ambiente feminino: � s vezes por invasão, � s vezes convidados pela força do sexo feminino que compõe o universo de muitas das crônicas deste livro.
A mulher tem uma presença constante nas histórias contadas pela narradora com humor, paixão, sensualidade e sensibilidade típicas do sexo feminino. Muitas vezes há apenas uma voz quase imperceptível, mas que no discurso revela a presença do olhar feminino sobre o ambiente ainda patriarcalista da sociedade em que vivemos.
Nem conformismo nem rebeldia o leitor encontrará nas páginas de Cronicando a Vida. Talvez pelo gênero crônica, narrativa curta, que versa sobre temas aparentemente banais, a revolta e o conformismo caminhem juntos e não se manifestem de maneira plena em nenhum momento. Pode-se dizer, na verdade, que há o olhar experiente da mulher que viveu já muitos anos e que como professora ainda não cansou de aprender, pois para ensinar como a vida revolta e pacifismo devem ser dosados, mas nunca revelados de maneira total.
Não há ressentimentos. Há retratos de personagens sem nomes, num ambiente aparentemente interiorano, porém de uma humanidade que universaliza temas cotidianos: traição, paixão, meninas apaixonadas, mulheres conformadas, lares desgastados, decepções que não podem ficar restritos apenas ao interior do Estado de São Paulo. Quiçá, os moradores de Oswaldo Cruz possam requerer esses personagens para si, identificar-se com eles, mas essas figurações femininas pertencem, com certeza, a mulheres de qualquer parte do mundo.
Como pode perceber o leitor, aqui, escapam alguns traços biográficos da autora: professora, esposa, mãe e moradora da cidade de Oswaldo Cruz, pelo menos nos momentos de descanso, pois como profissional da educação, a Universidade é o seu lugar e esse pode variar de espaço geográfico. Assim como os temas tratados pela autora pertencem � Faculdade do mundo.
Não é comum se falar muito de biografias em uma resenha, no entanto, o caráter de crônica, o prefácio de uma amiga, o tom familiar do livro, revelado nas fotos de família presentes no livro, dão abertura para essa leitura um pouco caseira das crônicas de Cida Bosschaerts. Assim, como aquela mulher que quase arremata um touro por acaso no leilão, a intenção aqui também é apenas comprar o algodão doce, adoçar a vida com a ternura das crônicas deste livro.
A literatura é um pouco isso: fuga da realidade como diz Antonio Candido, mentira na qual encontramos nossa realidade como afirma Mario Vargas Llosa, mas sempre com a intenção de adoçar um pouco a verdade medíocre das vidas consumidas pela correria do dia-a-dia amargo das experiências afetivas.
Ler, portanto, Cronicando a Vida, é parar um pouco em personagens sem faces, sem nomes, mas que estão presentes na vida de cada leitor. Na vida da mulher como sogra, esposa, namorada, enganada, abandonada, e na vida do homem, como falso don juan, revelado em suas fraquezas pelos olhos perspicazes dessa narradora que conhece muito da vida e dela pode falar com tranqüilidade, tanto do sexo feminino quanto do masculino. Enfim, fica apenas o convite, a provocação deste texto � leitura do livro desta autora, que com sensibilidade e inteligência narrou suas histórias, cronicou a vida pelos olhos de uma mulher que mostra a segurança temida, mas desejada por todos os homens que realmente anseiam se confrontar um pouco com a maneira como o sexo feminino vê o mundo e os homens que dele fazem parte. Ler Cronicando a Vida, como leitor masculino, é questionar o discurso sobre si mesmo. Ler como mulher, pode ser um desafio a questionar o papel feminino neste mundo “comandado” por homens.
¹Doutorando em Letras pela UNESP de Assis. Atualmente é Docente dos Cursos de Letras e Tradutor/Intérprete da UNIESP – Presidente Prudente
CÂNDIDO, Weslei Roberto¹
Crônicas. Como falar delas em tom acadêmico, se a própria natureza desse texto literário foge aos padrões da chamada grande literatura. Na verdade, a crônica nunca teve a intenção de ser “grande”, pois ao falar do cotidiano de pessoas comuns, de situações quase imperceptíveis no corre-corre diário, a crônica diverte, emociona, faz esquecer de problemas dos quais ela própria se faz tema.
Desta maneira, pode-se pensar o livro da professora e escritora Cida Bosschaerts, pelo viés da aparente facilidade, mas já sabendo que oculta temas fundamentais para o relacionamento entre homens e mulheres. É interessante começar pensando a capa de seu livro. A presença de um homem, quiçá um escritor, na verdade, oculta uma narradora que analisa o mundo ao seu redor com uma sensibilidade, talvez só possível, � s mulheres experientes e de grande sabedoria.
A capa preta com tons amarelados, que num primeiro momento pode revelar certa austeridade, deCronicando a Vida, da escritora Cida Bosschaerts funciona como uma espécie de armadilha, pois esconde páginas cheias de ternura e amor pela vida. Amor de mulher por homens: namorados, esposos, filhos, don juans que surgem e participam do ambiente feminino: � s vezes por invasão, � s vezes convidados pela força do sexo feminino que compõe o universo de muitas das crônicas deste livro.
A mulher tem uma presença constante nas histórias contadas pela narradora com humor, paixão, sensualidade e sensibilidade típicas do sexo feminino. Muitas vezes há apenas uma voz quase imperceptível, mas que no discurso revela a presença do olhar feminino sobre o ambiente ainda patriarcalista da sociedade em que vivemos.
Nem conformismo nem rebeldia o leitor encontrará nas páginas de Cronicando a Vida. Talvez pelo gênero crônica, narrativa curta, que versa sobre temas aparentemente banais, a revolta e o conformismo caminhem juntos e não se manifestem de maneira plena em nenhum momento. Pode-se dizer, na verdade, que há o olhar experiente da mulher que viveu já muitos anos e que como professora ainda não cansou de aprender, pois para ensinar como a vida revolta e pacifismo devem ser dosados, mas nunca revelados de maneira total.
Não há ressentimentos. Há retratos de personagens sem nomes, num ambiente aparentemente interiorano, porém de uma humanidade que universaliza temas cotidianos: traição, paixão, meninas apaixonadas, mulheres conformadas, lares desgastados, decepções que não podem ficar restritos apenas ao interior do Estado de São Paulo. Quiçá, os moradores de Oswaldo Cruz possam requerer esses personagens para si, identificar-se com eles, mas essas figurações femininas pertencem, com certeza, a mulheres de qualquer parte do mundo.
Como pode perceber o leitor, aqui, escapam alguns traços biográficos da autora: professora, esposa, mãe e moradora da cidade de Oswaldo Cruz, pelo menos nos momentos de descanso, pois como profissional da educação, a Universidade é o seu lugar e esse pode variar de espaço geográfico. Assim como os temas tratados pela autora pertencem � Faculdade do mundo.
Não é comum se falar muito de biografias em uma resenha, no entanto, o caráter de crônica, o prefácio de uma amiga, o tom familiar do livro, revelado nas fotos de família presentes no livro, dão abertura para essa leitura um pouco caseira das crônicas de Cida Bosschaerts. Assim, como aquela mulher que quase arremata um touro por acaso no leilão, a intenção aqui também é apenas comprar o algodão doce, adoçar a vida com a ternura das crônicas deste livro.
A literatura é um pouco isso: fuga da realidade como diz Antonio Candido, mentira na qual encontramos nossa realidade como afirma Mario Vargas Llosa, mas sempre com a intenção de adoçar um pouco a verdade medíocre das vidas consumidas pela correria do dia-a-dia amargo das experiências afetivas.
Ler, portanto, Cronicando a Vida, é parar um pouco em personagens sem faces, sem nomes, mas que estão presentes na vida de cada leitor. Na vida da mulher como sogra, esposa, namorada, enganada, abandonada, e na vida do homem, como falso don juan, revelado em suas fraquezas pelos olhos perspicazes dessa narradora que conhece muito da vida e dela pode falar com tranqüilidade, tanto do sexo feminino quanto do masculino. Enfim, fica apenas o convite, a provocação deste texto � leitura do livro desta autora, que com sensibilidade e inteligência narrou suas histórias, cronicou a vida pelos olhos de uma mulher que mostra a segurança temida, mas desejada por todos os homens que realmente anseiam se confrontar um pouco com a maneira como o sexo feminino vê o mundo e os homens que dele fazem parte. Ler Cronicando a Vida, como leitor masculino, é questionar o discurso sobre si mesmo. Ler como mulher, pode ser um desafio a questionar o papel feminino neste mundo “comandado” por homens.
¹Doutorando em Letras pela UNESP de Assis. Atualmente é Docente dos Cursos de Letras e Tradutor/Intérprete da UNIESP – Presidente Prudente
Revista Saber Acadêmico
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