Bourdieu e a educação: algumas reflexões
NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio Martins. Bourdieu & e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
Foi esse último aspecto que motivou Maria Alice Nogueira e Cláudio Martins Nogueira a produzirem o livro intitulado Bourdieu & a educação. Engana-se, no entanto, aquele leitor que imagina encontrar um texto com a intenção de celebrar o sociólogo francês, fetichizar sua obra e cristalizar suas idéias, pois já nas páginas iniciais os autores esclarecem que Bourdieu possui uma obra complexa: “Não se pode dizer que Bourdieu tenha construído um sistema de teoria fechado, coerente e completo. (...) sua teoria e os conceitos que a constituem foram gestados aos poucos e foram se modificando ao longo do tempo, em função dos objetos investigados e de mudanças ocorridas no campo intelectual e no contexto social mais amplo” (p.21) Com esse cuidado inicial, os autores foram movidos pelo intuito de “organizar um conjunto de idéias e de teses de forma a torná-las acessíveis e úteis a um público leitor amplo e diversificado.” (p.19).
Essa intenção levou-os a dividir o livro em quatro capítulos. No primeiro, os autores discutem o dilema colocado entre o subjetivismo e o objetivismo a partir de uma reflexão sobre a teoria da prática centrada no conceito de habitus. Os conceitos de espaço social, campo e capital (simbólico, econômico, cultural e social) são objetos do segundo capítulo. Em seguida, apresentam e discutem as análises e reflexões de Bourdieu sobre a constituição diferenciada dos sujeitos segundo sua origem social e familiar, bem como as repercussões disso no plano das atitudes e comportamentos escolares. Por fim, tratam das teses defendidas pelo sociólogo francês no que tange a função social dos sistemas de ensino.
É justamente na discussão sobre a função social dos sistemas de ensino que encontramos uma preciosa vinculação entre a teoria de Bourdieu e a educação, sobretudo para pensar a realidade brasileira. Os autores claramente indicam que, na década de 1960, Bourdieu ofereceu um “novo modelo” de interpretação sobre escola e a educação que, ao menos num primeiro momento, apareceu como “capaz de explicar tudo o que a perspectiva anterior não conseguia”, pois na instituição social em que as pessoas enxergavam “igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução e legitimação das desigualdades sociais.” Apontam, igualmente, que na visão do sociólogo a escola perdeu seu papel de instância “transformadora e democratizadora das sociedades” e passou a ser vista como “uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais.” (p.14-15). De acordo com os autores, portanto, a obra de Bourdieu demonstra que “a cultura escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como legitima pelas classes dominantes.” (p.85).
Ao seguir a perspectiva de não fetichizar a obra bourdiana, os acadêmicos brasileiros também apresentam as inúmeras críticas que Bourdieu recebeu por parte dos estudiosos preocupados com a função social da escola. Nesse ponto salientam, por exemplo, que o problema central apontado pelos críticos de Bourdieu relaciona-se ao “grau limitado de independência ou autonomia conferido” por ele aos “estabelecimentos de ensino e ao sistema escolar em relação � s estruturas de dominação social.” Informam, assim, que os críticos do sociólogo francês atacam o fato da escola aparecer como “uma instituição totalmente subordinada aos interesses de reprodução e legitimação das classes dominantes. Os conteúdos transmitidos, os métodos pedagógicos, as formas de avaliação, tudo seria organizado em benefício da perspectiva da dominação social.” (p.114). Especificamente, apontam um conjunto de críticos que ponderam sobre a impossibilidade de se definir o conteúdo do ensino, globalmente, como um arbitrário cultural dominante.
Demonstram, em seguida, um outro conjunto de críticas que diz respeito � diversidade interna do sistema de ensino e que, assim, apresenta a escola e os professores como não sendo iguais. Essa segunda perspectiva também discorda da visão bourdiana que tem a escola como reprodutora das desigualdades sociais, sobretudo ao argumentar que a heterogeneidade entre as escolas ou entre os professores limita as possibilidades de imposição arbitrária de uma determinada cultura.
Após apresentarem as linhas gerais do acalorado debate sobre a função da escola, os autores concluem o livro com uma breve cronologia de Pierre Bourdieu, seguida de pontuais referências sobre as obras do sociólogo publicadas no Brasil e na França, bem como aquelas que foram publicadas sobre ele e os sites que armazenam seus dados biográficos ou trechos de suas entrevistas na Internet.
Essa última parte indica pontualmente o maior mérito do livro, uma obra informativa sobre as preocupações de Bourdieu com relação � educação. Os autores brasileiros articularam de maneira muito coerente os conceitos do sociólogo francês, o papel atribuído por ele a educação e o debate gerado em função da sua concepção. Por isso, o livro pode ser uma referência, mas não a única, para aqueles que desejam iniciar o contato com a obra de Bourdieu. Afinal, foi justamente esse o intuito de Maria A. Nogueira e Cláudio Nogueira.
¹Doutorando em História pela UNESP/Assis, Docente e Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Presidente Prudente
SOTANA, Edvaldo Correa¹
A obra de Pierre Bourdieu ocupa um espaço considerável no mercado editorial brasileiro. Alguns dos seus livros mais importantes já foram traduzidos para o português. Além disso, suas idéias constantemente aparecem como referência teórica em inúmeras teses e dissertações produzidas no espaço acadêmico. Freqüentemente, os livros do sociólogo francês também são selecionados como referência bibliográfica para integrar os programas de ensino dos cursos de graduação e pós-graduação no país. É certo também que pesquisadores de áreas como geografia, história, ciências sociais e educação demonstram um contínuo interesse em entendê-lo.Foi esse último aspecto que motivou Maria Alice Nogueira e Cláudio Martins Nogueira a produzirem o livro intitulado Bourdieu & a educação. Engana-se, no entanto, aquele leitor que imagina encontrar um texto com a intenção de celebrar o sociólogo francês, fetichizar sua obra e cristalizar suas idéias, pois já nas páginas iniciais os autores esclarecem que Bourdieu possui uma obra complexa: “Não se pode dizer que Bourdieu tenha construído um sistema de teoria fechado, coerente e completo. (...) sua teoria e os conceitos que a constituem foram gestados aos poucos e foram se modificando ao longo do tempo, em função dos objetos investigados e de mudanças ocorridas no campo intelectual e no contexto social mais amplo” (p.21) Com esse cuidado inicial, os autores foram movidos pelo intuito de “organizar um conjunto de idéias e de teses de forma a torná-las acessíveis e úteis a um público leitor amplo e diversificado.” (p.19).
Essa intenção levou-os a dividir o livro em quatro capítulos. No primeiro, os autores discutem o dilema colocado entre o subjetivismo e o objetivismo a partir de uma reflexão sobre a teoria da prática centrada no conceito de habitus. Os conceitos de espaço social, campo e capital (simbólico, econômico, cultural e social) são objetos do segundo capítulo. Em seguida, apresentam e discutem as análises e reflexões de Bourdieu sobre a constituição diferenciada dos sujeitos segundo sua origem social e familiar, bem como as repercussões disso no plano das atitudes e comportamentos escolares. Por fim, tratam das teses defendidas pelo sociólogo francês no que tange a função social dos sistemas de ensino.
É justamente na discussão sobre a função social dos sistemas de ensino que encontramos uma preciosa vinculação entre a teoria de Bourdieu e a educação, sobretudo para pensar a realidade brasileira. Os autores claramente indicam que, na década de 1960, Bourdieu ofereceu um “novo modelo” de interpretação sobre escola e a educação que, ao menos num primeiro momento, apareceu como “capaz de explicar tudo o que a perspectiva anterior não conseguia”, pois na instituição social em que as pessoas enxergavam “igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução e legitimação das desigualdades sociais.” Apontam, igualmente, que na visão do sociólogo a escola perdeu seu papel de instância “transformadora e democratizadora das sociedades” e passou a ser vista como “uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais.” (p.14-15). De acordo com os autores, portanto, a obra de Bourdieu demonstra que “a cultura escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como legitima pelas classes dominantes.” (p.85).
Ao seguir a perspectiva de não fetichizar a obra bourdiana, os acadêmicos brasileiros também apresentam as inúmeras críticas que Bourdieu recebeu por parte dos estudiosos preocupados com a função social da escola. Nesse ponto salientam, por exemplo, que o problema central apontado pelos críticos de Bourdieu relaciona-se ao “grau limitado de independência ou autonomia conferido” por ele aos “estabelecimentos de ensino e ao sistema escolar em relação � s estruturas de dominação social.” Informam, assim, que os críticos do sociólogo francês atacam o fato da escola aparecer como “uma instituição totalmente subordinada aos interesses de reprodução e legitimação das classes dominantes. Os conteúdos transmitidos, os métodos pedagógicos, as formas de avaliação, tudo seria organizado em benefício da perspectiva da dominação social.” (p.114). Especificamente, apontam um conjunto de críticos que ponderam sobre a impossibilidade de se definir o conteúdo do ensino, globalmente, como um arbitrário cultural dominante.
Demonstram, em seguida, um outro conjunto de críticas que diz respeito � diversidade interna do sistema de ensino e que, assim, apresenta a escola e os professores como não sendo iguais. Essa segunda perspectiva também discorda da visão bourdiana que tem a escola como reprodutora das desigualdades sociais, sobretudo ao argumentar que a heterogeneidade entre as escolas ou entre os professores limita as possibilidades de imposição arbitrária de uma determinada cultura.
Após apresentarem as linhas gerais do acalorado debate sobre a função da escola, os autores concluem o livro com uma breve cronologia de Pierre Bourdieu, seguida de pontuais referências sobre as obras do sociólogo publicadas no Brasil e na França, bem como aquelas que foram publicadas sobre ele e os sites que armazenam seus dados biográficos ou trechos de suas entrevistas na Internet.
Essa última parte indica pontualmente o maior mérito do livro, uma obra informativa sobre as preocupações de Bourdieu com relação � educação. Os autores brasileiros articularam de maneira muito coerente os conceitos do sociólogo francês, o papel atribuído por ele a educação e o debate gerado em função da sua concepção. Por isso, o livro pode ser uma referência, mas não a única, para aqueles que desejam iniciar o contato com a obra de Bourdieu. Afinal, foi justamente esse o intuito de Maria A. Nogueira e Cláudio Nogueira.
¹Doutorando em História pela UNESP/Assis, Docente e Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Presidente Prudente
Revista Saber Acadêmico
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