A União Europeia e a América Latina: um panorama da cooperação interregional
Elena Lazarou
European Union and New Regionalism:
Regional Actors in a Post-Hegemonic Era Mario Telò (ed.)
Aldershot: Ashgate, 2007, 428 p.
European Union and MERCOSUR
Álvaro Vasconcelos
In: European Union and New Regionalism:
Regional Actors in a Post-Hegemonic Era Mario Telò (ed.)
Aldershot: Ashgate, 2007, p. 165-185
Nos últimos anos, o interesse renovado da Europa em estreitar laços políticos e econômicos com a América Latina resultou na intensificação das relações interregionais (UE-MERCOSUL) e bilaterais (UE-Brasil). Infelizmente - o que talvez seja um paradoxo - não se pode dizer o mesmo em relação à produção e publicação acadêmica sobre o assunto. Apesar de não haver dúvidas de que a "outra relação transatlântica" da UE adquire hoje um novo significado, principalmente tendo em vista seus esforços em fortalecer e definir um papel como ator internacional, até agora poucos estudos acadêmicos no Ocidente mencionaram o fato ou seguiram a evolução da relação Europa-América Latina de forma descritiva, analítica e prescritiva. Por isso, ainda hoje, é bastante provável que uma busca exaustiva por referências ou fontes relacionadas ao assunto encontre poucos resultados, sobretudo em língua inglesa.1 Isso acaba por perpetuar o círculo vicioso dos limitados conhecimentos e pesquisas sobre o estado presente e futuro das relações entre as duas regiões.
Não obstante, não se pode ignorar os poucos mas esclarecedores trabalhos existentes, particularmente os que têm o olhar voltado para os laços entre as duas regiões dentro do contexto maior da nova governança global. Tais abordagens analisam de forma conjugada o papel internacional da UE e da AL e as formas emergentes de multilateralismo e/ou novo regionalismo. Nesses termos, o livro organizado por Mario Telò em 2007, European Union and New Regionalism (A União Europeia e o Novo Regionalismo), toma o regionalismo e a globalização do ponto de vista da UE, concentrando-se na comparação com outras organizações regionais e nas relações dessas últimas com a UE. O objetivo é duplo: por um lado, oferecer suporte teórico para esse novo regionalismo, tendo em mente a experiência europeia; por outro, examinar as características da UE como ator internacional, auxiliando o entendimento de suas relações com outras organizações regionais. Telò também propõe que o estudo do regionalismo e interregionalismo - e, consequentemente, da relação da UE com outras organizações regionais - não se limite a uma mera análise econômica, mas dê atenção também às suas dimensões política e cultural. Desse ponto de vista, uma abordagem institucionalista e construtivista é indispensável ao estudo da dinâmica interregional e global.
A primeira parte do livro é voltada para as abordagens teóricas citadas acima. Andrew Gamble discute o papel dos blocos regionais dentro da nova ordem mundial e os insights que o "novo medievalismo" pode oferecer para o entendimento da governança global. Pier Calro Padoan aborda a economia política do novo regionalismo no contexto do surgimento de novas potências econômicas. Argumenta que o papel das instituições globais internacionais continua sendo crucial nesse novo contexto, já que elas aparecem como uma espécie de fórum onde os atores regionais conseguem acordos. O capítulo de Thomas Meyer agrega o fator cultural e os conceitos de cidadania global à discussão sobre as novas formas de regionalismo e governança global, enquanto o de Richard Higgot faz uma reflexão sobre os limites da cooperação regional e o lugar ocupado, dentro desses limites, pelas instituições multilaterais. Por fim, Bjorn Hettne amplia o debate sobre o "novo regionalismo" - conceito amplamente utilizado para descrever as relações da UE com as outras regiões dentro de abordagens bidirecionais (group-to-group) -, projetando a própria experiência europeia de construção da região como modelo preferencial de ordem mundial, e diferenciando, dessa forma, suas relações internacionais daquelas mantidas por potências tradicionais - nomeadamente, os Estados Unidos.
Com base nessas observações, a segunda parte do volume faz uma análise comparativa da cooperação regional da África, da Ásia e da América Latina, concentrada nas respectivas relações interregionais com a UE. O capítulo sobre a América Latina, escrito por Álvaro Vasconcelos, traz um resumo das relações entre a UE e o MERCOSUL, não só retraçando sua evolução histórica, mas tocando em questões determinantes para o futuro e o presente dos laços entre as duas regiões. Entre essas questões estão o comércio, a segurança, a formação de instituições e o papel dos Estados Unidos e de suas relações com os países membros do MERCOSUL, assim como com a região como um todo. No entanto, a hipótese central do texto de Vasconcelos é de que o MERCOSUL poderia ser visto como um parceiro estratégico para a UE e sua visão de ordem global multilateral. O argumento baseia-se em quatro pontos principais:
a) Tomando como pressuposto a existência de três tipos de regionalismo - regionalismo aberto, integração profunda e cooperação subregional -, a UE e o MERCOSUL são os maiores exemplos do segundo tipo. Sem limitar-se aos acordos de livre comércio, esse segundo tipo de regionalismo é direcionado ao estabelecimento de posições comuns e instituições supranacionais, bem como à propagação de valores, como democracia política, diversidade cultural, participação dos cidadãos e soberania compartilhada.
b) Ambos, a UE e o MERCOSUL, encaram o livre comércio e a globalização de forma distinta dos Estados Unidos, já que os consideram como uma forma de desenvolvimento que não deveria colocar em risco a coesão econômica e social gerada pelos respectivos projetos de integração regional. Apesar de isso resultar num impasse quanto a um acordo de livre comércio entre a UE e o MERCOSUL, acaba por sugerir a existência de uma visão compartilhada sobre a globalização, visão esta que leva em consideração o fator regional.
c) Ambos possuem os mesmos pontos de vista em relação à ordem internacional e à governança global. Dedicam-se à construção de um sistema multilateral mais equilibrado e regulado por normas internacionais que cubram todas as áreas - incluindo comércio, segurança, direitos humanos e meio-ambiente.
d) Ambos são defensores do "soft power", não só para atrair os países vizinhos, mas para demonstrar sua clara preferência pela diplomacia nos assuntos internacionais.
Ao refletir sobre o futuro da relação Europa-América Latina, Vasconcelos enfatiza a necessidade de a UE promover maior e mais profunda integração com o MERCOSUL. O "novo multilateralismo" da UE baseia-se no conceito de interregionalismo - isto é, de criação de diversos polos regionais interdependentes e não-antagônicos, que trabalhem juntos para atingir objetivos em comum. Consequentemente, é essencial para a UE que o MERCOSUL não se torne uma mera área de livre comércio, mas evolua para um projeto de integração supranacional, baseado no modelo da UE. Por outro lado, o MERCOSUL também pode se beneficiar da experiência europeia, como inspiração e auxílio,2 para a superação de obstáculos como a carência institucional, as divisões internas, assim como a falta de instrumentos e mecanismos de reforço à sociedade civil para assegurar uma política externa comum. Segundo Vasconcelos, uma agenda futura para a cooperação interregional deverá incluir, entre outros compromissos, a promoção de uma agenda multilateral pró-ativa com o objetivo de dar suporte à ONU; o fortalecimento da sociedade civil no gerenciamento de crises e reabilitação pós-conflitos, e a promoção do diálogo entre as regiões. Ele conclui que, se as duas partes conseguirem vencer suas crises individuais internas, juntas, a UE e o MERCOSUL poderão promover sua visão de ordem mundial multilateral com base no regionalismo e, com isso, contribuir de forma significativa para a reestruturação do sistema internacional, marcado pelo fracasso da agenda unilateral.
De acordo com a ideia original de Telò, no sentido de que as novas formas de regionalismo e de uma ordem mundial multilateral funcional podem ser mais complementares do que mutuamente excludentes, as observações de Vasconcelos sugerem que a UE e o MERCOSUL são capazes de atuar como líderes na criação de um "multilateralismo multicamadas", que reuniria as regiões em prol de uma governança global mais efetiva. Ao elaborar essa concepção, embora também apontando os riscos e obstáculos de forma pragmática, Telò e Vasconcelos dão uma contribuição significativa ao estudo das relações da UE com a AL, área que tende a estar no centro das discussões sobre relações internacionais nos próximos anos.
Notas
1. É importante ressaltar a existência de um maior número de trabalhos em espanhol, português e francês.
2. Por exemplo, o programa (2007-2013) da estratégia regional para o MERCOSUL da UE fornece 50 milhões de euros para o fortalecimento regional, para fomentar a participação da sociedade civil e para preparar para o acordo de Associação.
Elena Lazarou é pesquisadora associada do Centre of International Studies da Universidade de Cambridge, Cambridge, Inglaterra, e pesquisadora visitante do European Institute da London School of Economics, Londres, Inglaterra (el237@cam.ac.uk ).
Revista Estudos Históricos - FGV
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