quarta-feira, 16 de abril de 2014

O capital e suas metamorfoses


Vencedores e perdedores

O capital e suas metamorfoses | Luiz Gonzaga Belluzzo | Editora Unesp, 192 páginas, ANTONIO CORREA DE LACERDA



No mundo em que mandam os mercados…. os cidadãos estão divididos entre vencedores e perdedores. Os primeiros, ao acumular capital financeiro, gozam do “tempo livre” e do “consumo de luxo”. Os demais se tornam dependentes crônicos da obsessão consumista e do endividamento, permanentemente ameaçados pelo desemprego e, portanto, obrigados a competir desesperadamente pela sobrevivência
 
LUIZ GONZAGA BELLUZZZO

O que as crises do capitalismo têm a ver com a financeirização em curso na economia mundial? Como a hegemonia da corrente principal do pensamento econômico tem influenciado as decisões no âmbito da política econômica, a concentração do capital, e a exploração do trabalho?

A partir de indagações como essas Belluzzo nos oferece importante reflexão utilizando-se do método e da interpretação próprios da economia política, recorrendo às ideias econômicas de Marx e Keynes, mas indo além na sua análise interdisciplinar incorporando visões, entre outros, de filósofos como Berman e Marcuse.

No primeiro dos cinco ensaios, “Introdução à democracia radical de Marx, pensador da modernidade”, o autor faz uma análise crítica do capitalismo, principalmente a partir da inspiração marxista e keynesiana, revelando sua contemporaneidade para a compreensão da economia capitalista, suas nuances e peculiaridades.

Em “O capital e a ontologia do ser social”, segundo ensaio, pode-se apreender uma reflexão da economia política, ainda em Marx, agregando Lukács. Evidencia-se aqui um contraponto essencial na relação poupança e investimento da visão ortodoxa, lembrando que “para Marx, como para Keynes, a acumulação de capital, o investimento, gera poupança e não ao revés, como pretendem as teorias convencionais” (p. 84). Isso faz muita diferença, pois, no diagnóstico da ortodoxia, é preciso abrir mão do consumo presente para gerar poupança e daí o investimento. Na visão da economia política ali desenvolvida, o processo é justamente o contrário. O investimento é incentivado via crédito e a atividade daí gerada é que proporcionará, como um resultado do processo, a poupança.

Por sua vez, o terceiro ensaio “Concorrência, crédito e crise: considerações a partir de Marx”, há uma interessante análise da financeirização da economia e um contraponto ao que considera uma visão equivocada de parte relevante de analistas de esquerda, que tende a separar capital produtivo e financeiro. “O capital a juros, como forma de existência do capital, realiza a necessidade de perpétua expansão e valorização do capital para além dos limites de seu processo mais geral e ‘elementar’ de circulação da produção” (p. 88). O processo descrito, destaca, é a única forma de o capital manter-se reproduzindo-se aliando a renovação tecnológica e a concentração. Não há, portanto, para Belluzzo, dois mundos distintos, um no campo produtivo, outro financeiro, mas ao contrário um único que se autossustenta, se mantém e se reproduz.

Interligando este ensaio com o anterior, “A transfiguração neoliberal e a construção da crise de 2008”, o autor aprofunda a análise da crise norte-americana de 2008, suas causas e efeitos.
Ultimando a reflexão, no quinto ensaio, “Do Estado de bem-estar às portas da barbárie”, Belluzzo discute a ausência de uma ordem econômica no pós-guerra que crie as condições para um desenvolvimento. É a partir dessas análises que o autor vai buscar elementos para uma reflexão sobre o indivíduo e a sociedade. A grande transformação em curso limita as escolhas e a essência da individualidade. Isso vale tanto para o seu papel de trabalhador quanto para o de consumidor. O trabalhador, agora muitas vezes conectado 24 horas e a “flexibilização” do horário móvel ou do “trabalho em casa”.

O consumidor, assediado pela propaganda fomentadora da “mimetização dos padrões de consumo”, na expressão de Celso Furtado – uma infindável sensação de necessidades não satisfeitas e um incentivo ao endividamento. É uma armadilha em que a visão de bem-estar está excessivamente dependente da posse, ou “acesso” a mais bens e serviços, o que é, obviamente, inviável para a grande maioria das pessoas. Não obstante, impelidas a tal, sob pena de se sentirem, elas próprias, obsoletas em um mundo de aparência, imediatismo e frugalidade.

Antonio Corrêa de Lacerda, professor-doutor e coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Revista PAPESP

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