sábado, 24 de novembro de 2018

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NAS MENSAGENS PRESIDENCIAIS DE VARGAS E JK

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REIS, Carlos Eduardo dos. Dimensões contextuais da educação brasileira: a educação nas mensagens presidenciais de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (1951-1960). Florianópolis: NUPED, 2011 (118p.)

Jéferson Dantas*
* Mestre em Educação e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação no Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na linha de investigação Trabalho e Educação. Eamil: clioinsone@gmail.com.

O historiador Carlos Eduardo dos Reis (1960-) que há muito anos se dedica a discutir as interfaces entre o conhecimento histórico e a História da Educação, traz à baila em seu mais recente livro – numa série de seis volumes – os projetos de educação para o Brasil a partir das mensagens presidenciais. Neste primeiro volume, Reis delimita temporalmente o seu debate nas mensagens proferidas por Getúlio Dornelles Vargas (1883-1954) e Juscelino Kubitschek (1902-1976) entre os anos de 1951 e 1960. Logo no início de seu exame analítico, o historiador abaliza que o ‘processo civilizatório’ em nosso país foi forjado à custa da violência do trabalho escravo e pela exploração incessante da força de trabalho das camadas sociais populares (tanto no meio rural como no meio urbano). A educação seria, pois, a condição essencial para a imposição da ‘ordem’ e do ‘progresso’ a um contingente populacional banido dos processos de escolarização até as primeiras décadas do regime republicano. Reis afirma ainda que o projeto de nação das elites dominantes para o Brasil não compreendia a educação e a instrução pública como elementos constituintes. Tais elites, educadas nas universidades europeias ou nos bancos das universidades de Direito do Brasil, fizeram da “educação a grande abstração histórica que daria conta de construir o país com um futuro brilhante, desde que fosse branco, civilizado e morigerado” (p. 9). As elites reiteravam a importância da educação, mas sempre postergando os desafios da mesma para as futuras gerações. A ‘cultura bacharelesca’ foi a tônica da formação em nível superior em nosso país durante muitas décadas, enquanto a educação básica sofria de intenso processo de indigência e inanição devido à ausência de investimentos ou recursos públicos. O fio condutor da narrativa do autor, contudo, não se baseia tão somente nas mensagens presidenciais, mas num importante debate político que se fazia no Brasil naquele período, ou seja, a tramitação no Congresso Nacional da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que seria aprovada no início da década de 1960 e ficaria conhecida como Lei 4.024/1961. As discussões relativas à LDB iniciaram-se logo após a segunda guerra mundial, em 1946, e somente 15 anos depois foi finalmente aprovada. A questão educacional em tal contexto estava alicerçada na polêmica ‘centralização’ versus ‘descentralização’, ou em outras palavras, o confronto político explícito entre ‘liberais’ e ‘autoritários’, onde então se conjugavam as defesas relativas à escola pública ou à escola privada. O udenista Carlos Lacerda, inimigo político declarado de Vargas, era o principal defensor da perspectiva privatista no campo educacional. Getúlio Vargas, em suas primeiras mensagens presidenciais ao assumir o governo em 1951, deixava claro que as suas apostas residiriam no desenvolvimento científico e tecnológico, cujo momento fulcral foi a criação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), responsável pelo fomento da pesquisa acadêmica até os dias atuais, notadamente na Pós-Graduação. Ainda durante a década de 1950, Getúlio Vargas assinalava a importância da campanha nacional do Livro Didático, além de sua recorrente preocupação com o estado lamentável do ensino primário, que apresentava, praticamente, regime de terminalidade após quatro anos de estudos básicos para grande parcela da população que se escolarizava. Poucos eram os que conseguiam continuar seus estudos em nível secundário ou quiçá ingressar no ensino superior. Juscelino Kubitschek, por seu turno, indicava no início do seu mandato em 1956 que “propunha-se a assistir a todos os tipos de escolas necessárias à formação do homem e indicava os dois princípios que iriam nortear a ação transformadora de seu governo: a descentralização administrativa e a flexibilização dos currículos” (p. 59). Todavia, imerso que estava o país na ‘cultura bacharelesca’, o que se assistiu de fato foi a saturação do ensino superior e o crescimento desordenado das carreiras profissionais liberais em detrimento das profissões técnicas. Kubitschek lamentava que a escolarização básica e a sua terminalidade precoce depois de quatro anos representava um ‘hiato nocivo’, tendo em vista que eram necessários dois anos para que os/as estudantes se preparassem para ingressar no ensino secundário. Evidentemente, muitos destes estudantes não prosseguiam os seus estudos,  dirigindo-se precocemente ao mundo do trabalho. Em 1958 havia no Brasil mais de 50% de analfabetos absolutos. Nesta direção, o ensino primário e o combate ao analfabetismo eram considerados como ‘a prioridade das prioridades’ do governo JK, pois segundo o presidente os recursos públicos disponíveis seriam “mais bem aplicados naquele nível de ensino, dando resultados imediatos na formação de pessoal qualificado para a sua proposta de desenvolvimento” (p. 83). Logo, propunha-se para este setor (ensino primário) experiências em áreas limitadas do país. De fato, houve uma experiência piloto numa cidade do interior de Minas Gerais (estado natal do presidente), mas sem maiores consequências para os enormes desafios educacionais que o Brasil arrostava. Além disso, o ensino secundário continuava sendo o grande gargalo no processo educacional brasileiro, já que poucos estudantes conseguiam ascender a este nível de escolarização. O historiador conclui por meio da análise das mensagens presidenciais que havia, por certo, um projeto educacional para o Brasil, todavia, longe de merecer a atenção requerida para uma nação em franco desenvolvimento industrial. A lógica assistencialista e meramente reativa às demandas de novas escolas e formação adequada de professores constituiu-se numa cultura perversa e permanente de se encarar a problemática educacional em nosso país. Somase a isso a concupiscente relação do público com o privado, que permitiu até os dias de hoje o enriquecimento de grandes grupos privados educacionais, responsáveis por mais de 30% das publicações didáticas (livros, manuais, apostilas, sistemas de ensino, etc.), denotando uma nefanda instrumentalidade pedagógica e a desqualificação dos saberes dos/as professores/as. Se, por um lado, a perspectiva analítica de Reis pode parecer até certa altura pouco densa, devido à sua opção em escrever um livro dirigido, especialmente, à formação inicial de professores e professoras, por outro lado, o autor nos revela o ineditismo de compreender um projeto de educação nacional a partir das mensagens presidenciais. As fontes de pesquisa analisadas ganham, assim, caráter relevante. Há determinadas lacunas analíticas ou históricas que poderiam ser mais bem problematizadas, mas nada que desautorize o debate tão atual de nosso inventário histórico, político e pedagógico. É uma obra que merece ser lida e discutida nos bancos acadêmicos. 
Revista Percursos

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