quarta-feira, 30 de junho de 2010

Silencing the Past: Power and the Production of History


TROUILLOT, Michel-Rolph. 1995. Silencing the Past: Power and the Production of History. Boston: Beacon Press. 191 pp.

Sérgio Paulo Benevides
Mestrando, PPGAS-MN-UFRJ

Uma das características que mais chamam a atenção em Silencing the Past são os relatos ou as declarações, digamos, mais pessoais, que compõem o prefácio, o início de cada capítulo – à exceção do primeiro – e o epílogo. Não se trata de um mero recurso ilustrativo atraente mas pouco útil. Antes, é algo intimamente relacionado com o raciocínio que se vai desenvolvendo ao longo do livro, porque permite mais uma vez perceber como a abordagem da história, de um passado muitas vezes aparentemente longínquo, compõe um discurso ativo acerca do presente. Por essas passagens, compreendemos por que Michel-Rolph Trouillot preocupa-se em analisar eventos relacionados à história haitiana ou ao assim chamado descobrimento da América.

O tom mais pessoal, no entanto, não aparece apenas para justificar a importância que os temas tratados têm para o próprio autor. Os relatos não são confissões, mas descrições que permitem perceber como o passado do Haiti, por exemplo, ou a viagem de Colombo se podem ver relacionados com o presente, sendo, portanto, mais que um simples discurso a respeito de fatos de outrora, de tempos idos – que, se apenas fosse assim, seriam tempos mortos e, provavelmente, esquecidos. Por esses relatos percebe-se a atualidade dos casos analisados e a preocupação de Trouillot com o "fazer-se história". Pois é isto: o livro é sobre o fazer-se história.

Silencing the Past volta-se progressivamente para a compreensão da atualidade do passado. Para começar, o autor critica tanto uma abordagem positivista da história, que se articula como houvesse uma "verdade" rígida, substancial e inequívoca acerca dos fatos, quanto um construtivismo que ao se apoiar na idéia de que as narrativas sempre distorcem a vida, trata a história como mera ficção. A primeira perspectiva desconecta o passado do presente por meio do fetiche do fato. A segunda, despreza o próprio processo de construção do discurso, como pudesse a narrativa separar-se da vida.

A maneira positivista de narrar a história é também uma forma de "limpar" o discurso, de apresentar as fontes que servem de base para a narrativa como transparentes, os arquivos como fossem provas irrefutáveis – e, portanto, de deixar de fora qualquer questionamento acerca das relações de poder que atravessam todos esses elementos e que estão presentes na atualização do passado, em sua narração a partir do presente. O construtivismo, por sua vez, acaba por tratar o discurso histórico como uma construção narrativa a respeito do passado, negando porém autonomia ao processo sociohistórico do qual depende esse discurso. Não basta dizer que as narrativas históricas são produzidas: é preciso também dar conta dessa produção.

Narrar a história é também fazê-la, mas não porque tudo se possa resumir a uma construção meramente discursiva. A perspectiva é outra: a narrativa é um movimento ativo, ligado a um processo social de negociações e poder (uma vez que não se pode esperar que qualquer coisa que se diga seja aceita como "verdade histórica") pelo qual se determina a compreensão acerca dos eventos passados, dá-se-lhes inteligibilidade e pode-se agir (novamente) no presente.

Nem tudo pode ser dito. Primeiro, porque, para tornar qualquer discurso inteligível, é necessário escolherem-se os elementos que o comporão, de modo que tenham conexões, que com eles se possam estabelecer relações. Portanto, há que se suprimir algo por razões mesmo, digamos, cognitivas. Segundo, porque há investimentos de poder acerca do que se deve compreender e, assim, acerca também do que se deve narrar. Terceiro, porque, para obedecer a um princípio de causa e efeito, os eventos escolhidos numa determinada etapa da narrativa limitam a gama de novos eventos que podem ser mencionados daí para a frente, e assim por diante. Estamos, portanto, perante uma dialética entre o que se fala e o que se deixa de falar, entre o que se pode dar a dizer e o que é silenciado.

Essa dialética opera não apenas nas narrativas, mas também nas fontes e nos arquivos que lhes servem de base. A história de Sans Souci é um exemplo de silêncios e menções em todos esses níveis. Sans Souci – Jean-Baptiste Sans Souci – é o nome do ex-escravo nascido na África que integrou as forças que procederam à Revolução Haitiana em 1791. Quando os mais importantes comandantes das tropas rebeladas – Toussaint Louverture, Jacques Dessalines e Henri Cristophe – submeteram-se aos soldados franceses, Sans Souci rompeu com eles, e continuou resistindo. Depois, quando Dessalines e Cristophe retomaram a revolução (Louverture foi preso e levado para a França) para, por fim, derrotar a metrópole, recusou-se a alinhar-se com o antigo comando. Acabou morto por Cristophe. Mas, Sans Souci é também o nome de dois palácios. Um, atualmente em ruínas, erguido em Milot, no Haiti, por Cristophe, feito rei depois da Independência (1804). Outro, construído seis décadas antes, em Potsdam, por Frederico, o Grande, da Prússia.

As menções a Sans Souci nas fontes, nos arquivos e nas narrativas da história haitiana, são menções aos palácios: à grandiosa obra cuja construção fora ordenada por Cristophe ou ao "modelo" de Potsdam, que, segundo alguns, ter-lhe-ia servido de inspiração. O coronel Jean-Baptiste Sans Souci foi silenciado. Trouillot analisa este fenômeno em cada um dos níveis e mostra como a operação de silenciar o passado é feita segundo duas fórmulas distintas: a primeira consiste em promover generalizações de forma a apagar diretamente determinados eventos; a segunda, em esvaziar eventos singulares de seu conteúdo, normalmente por meio de um detalhamento feito de modo a banalizar toda uma cadeia de fatos.

O silêncio opera também nas celebrações da memória, nas comemorações. Se a história vivida pode parecer uma série confusa de eventos para os atores – ou mesmo talvez nem seja percebida como uma série conformada –, a comemoração cria, modifica ou sanciona sentidos, significados atribuídos coletivamente à história. Sob seu apelo, as narrativas históricas tornam-se ainda mais limpas, "sanitarizadas", e o passado ganha uma aparência mais elementar: calam-se os demais eventos que rodeiam o que é celebrado. E o caráter cíclico desse tipo de celebração reforça esse silenciar-se, tornando mais evidente o passado tal como é comemorado, funcionando quase como uma "prova" a posteriori de que as coisas foram de fato como são narradas.

As comemorações do chamado descobrimento da América desempenham um papel-chave para a argumentação de Trouillot neste ponto. É importante que se diga que Silencing the Past não é montado com uma série de asserções meramente ilustradas depois por exemplos que as corroborem. Tampouco as asserções são posteriores aos casos analisados, como se deles se pudesse retirar uma teoria pronta que correspondesse a uma "verdade". Em vez disso, a teoria é fruto do cruzamento entre as considerações feitas por Trouillot e os casos por ele tomados para estudo.

Cristóvão Colombo não foi feito herói em seu tempo nos termos em que seria mais tarde, nem o 12 de outubro do tal descobrimento da América (1492) – "descobrimento" e "América" são termos problematizados por Trouillot, que argumenta que a própria terminologia utilizada para descrever um evento demarca campos de poder – foi tomado como data especial na época em que o navegador viveu. Colombo e o descobrimento ganhariam importância posteriormente, em particular nos séculos XVIII e XIX, quando a celebração do 12 de outubro transformou-se em uma grande comemoração. Os sentidos atribuídos a tal data estão intimamente relacionados com os contextos em que as comemorações se desenvolvem. Assim como "branco", "católico" e "italiano", Colombo ganha um significado nos Estados Unidos, influenciado pelas teorias do racismo científico, bastante diferente daquele atribuído ao navegador numa América Latina em que as populações indígenas são ainda bastante numerosas. É assim que se pode dizer que essas celebrações "ancoram o evento no presente".

Como extensão de suas observações, Trouillot conclui que a história não é apenas uma remissão a um passado que efetivamente passou. Embora a exatidão empírica seja necessária para a produção histórica, não é suficiente para dar-lhe autenticidade. Isto porque – e encerremos com uma afirmação das mais de um livro já repleto de boas idéias – "a autenticidade histórica reside não na fidelidade a um passado alegado, mas numa honestidade em relação ao presente conforme se re-presenta o passado".

Revista Mana

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