quinta-feira, 22 de abril de 2010

Política e interesses: as associações industriais, a política econômica e o Estado na industrialização brasileira


LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Política e interesses: as associações industriais, a política econômica e o Estado na industrialização brasileira. São Paulo : Paz e Terra, 2000.

EMPRESÁRIOS INDUSTRIAIS E ESTADO NO BRASIL DO SÉCULO PASSADO

Paulo Roberto Neves Costa
Universidade Federal do Paraná


No ano de 2000 encerrou-se o "século do protecionismo industrial", e com ele deixa de existir não só um dado modelo de intervenção do Estado, mas também o empresariado industrial a ele correlato. Esta é uma das diversas constatações de Maria Antonieta Leopoldi a partir do estudo de um momento anterior ao atual, este último marcado pela transformação da relação entre Estado e economia e, conseqüentemente, entre Estado e sociedade.

A despeito da densidade da pesquisa, o leitor poderá distinguir e verificar a articulação que se dá entre dois tipos de objetivos e conclusões: de um lado, o que se refere à abordagem sociológica, ou seja, à análise e interpretação da relação entre industriais e Estado no Brasil. E, de outro, aquilo que remete a uma análise política da conjuntura e das perspectivas e, portanto, implica em prospecção e até prescrição. Enfim, uma das justificativas do livro é a questão política da relação entre Estado e sociedade no Brasil de hoje1.

Primeiramente, no âmbito sociológico, os objetivos da autora passam pela tentativa de verificar como se deu a relação entre o empresariado industrial, organizado em suas entidades sindicais, e a definição da política econômica relativa à indústria. As questões desenvolvidas são: 1) a relação entre as entidades representativas da indústrias — CIB, FIESP, FIRJAN e CNI — e a formulação de uma política protecionista industrial, fundada em medidas tarifárias e cambiais; 2) as relações entre a construção da "identidade de classe" dos industriais e as características da industrialização; e 3) o impacto que os regimes políticos tiveram sobre as organizações industriais e sobre à política protecionista.

No aspecto teórico, destaca-se a preocupação em definir o conceito de Estado, visto mais como o aparelho de Estado, constituído por Legislativo, Executivo, demais arenas decisórias e a burocracia, e também como uma articulação de interesses em aliança ou conflito. Outro conceito importante é o de corporativismo, para o qual a autora remonta a Guilhermo O'Donnell, Claus Offe e Philippe Schmitter, através dos quais a autora procura apreender as particularidades do "corporativismo negociado", que, por sua vez, articula instituições sindicais oficiais e entidades privadas. De G. Lehmbruch, B. Jobert e P. Muller, resgata a idéia do corporativismo enquanto representação de interesses e enquanto forma de institucionalização do processo de formulação e implementação de políticas setoriais, cujo centro é ocupado pelo Estado, cabendo às entidades o "papel de mediação" entre empresariado e governo.

Maria A. Leopoldi chega a algumas conclusões que, por sua vez, também suscitam questões que poderiam seu consideradas para pensarmos o momento atual e as perspectivas futuras. A autora entende que o protecionismo era uma estratégia de industrialização — e não apenas o atendimento dos interesses de certos setores industriais —, e que teria sido a melhor das estratégias que poderiam ser adotadas entre os anos 30 e 60 para promover a industrialização. A estrutura corporativa foi constituída não só pela ação do governo, mas também da burguesia industrial. E foi no Governo Vargas que as entidades corporativas encontraram maior espaço. Tais entidades eram marcadas pelo perfil do desenvolvimento industrial e pelas características dos setores mais importantes. Portanto, resta saber se hoje ocorre o mesmo processo, ou seja, se as entidades industrias ainda concentram os setores mais importantes da indústria e, por que não dizer, da economia.

Quanto aos padrões de ação política do empresariado industrial, a autora verifica que as entidades eram ativas, mas predominantemente quando as medidas diziam respeito à sobrevivência de alguns setores da indústria. E quando não atingiam os interesses econômicos ou tinham um caráter mais propriamente político, as medidas apenas geravam uma ação "pragmática". Enfim, tais padrões tenderam a variar entre o "alinhamento pragmático", o "enfrentamento e a medição de forças", a "colaboração" e o veto. A análise destes padrões também permite à autora algumas observações acerca dos padrões de ação política do governo.

Em debate com trabalhos clássicos sobre o empresariado industrial (CARDOSO, 1964; MARTINS, 1968), Leopoldi aponta para a importância da ação organizada e do processo de construção da identidade de classe dos industriais na definição da política industrial protecionista. Para os nossos dias, resta saber se hoje há essa participação como e em torno do que ela se daria.

Outra tese importante é a de que, dado o fato dos empresários não serem os agentes fundamentais da alteração do caráter do regime político (democrático, ditatorial), isso não significa, em absoluto, que eles não atuavam politicamente, mas que essa ausência nos momentos mais críticos era uma estratégia de se aproximar dos novos governantes e, por essa via, preservar seus interesses. É o que a autora chama de "pragmatismo".

Disso decorem duas outras interessantes constatações: de um lado, a importância das entidades dos empresários industriais, ou seja, da ação organizada, mesmo que sob alguma forma de controle estatal; de outro, a relevância do Legislativo e da luta parlamentar para tais entidades. Isso significa que tanto as entidades quanto o Legislativo recebiam especial atenção dos industriais, o que sem dúvida repercutia na forma de funcionamento e nos mecanismos de legitimação do regime democrático. Como mostra Maria Antonieta Leopoldi, tal questão possui grande atualidade.

Daí o outro interesse da obra, qual seja, o da análise política. Neste âmbito, o objetivo da autora é "recuperar o significado positivo da era do protecionismo brasileiro". A partir disso, a questão que se coloca é o que a experiência e o fim do "protecionismo generalizado" do século XX poderia ensinar para a construção de um "novo protecionismo". As conclusões da autora são de que o futuro da industrialização depende muito do seu passado, o mesmo em relação à "identidade nacional".

Ainda que tenham sido alterados o modo de intervenção do Estado na política industrial e os objetivos das entidades empresariais — cujas identidade e ação organizada também sofreram, elas mesmas, modificações —, estas continuam aceitando ser tuteladas pelo Governo. E se, no século passado, a autonomia decisória das agências burocráticas não era tão grande, devido a importância dos partidos e do Congresso na definição da política de desenvolvimento, tal autonomia continua sendo uma das grandes questões políticas do momento.

Para Maria Antonieta Leopoldi, na Nova República houve mais do que a mudança no regime político. Houve também profundas transformações na economia e se colocou a necessidade de redefinir o Estado, agora no contexto democrático. Resta saber se esta alteração no regime comporta a participação das associações industriais e verificar qual passa a ser a situação e o papel destas após as alterações no regime político e na conjuntura econômica.

Por fim, a análise política suscita o esboço das perspectivas para o futuro. Para Maria Antonieta Leopoldi, cabe ao Estado conduzir, sob novas condições, uma nova política industrial e criar "[...] uma nova aliança com um novo empresariado e um novo trabalhador" (grifos da autora). Haveria, portanto, a necessidade de, sob a democracia, definir o novo Estado, sua nova "classe política" e sua relação com os interesses sociais. Fica contudo a questão a respeito do papel do Estado, após seu recuo em relação às atividades de infraestrutura e nas áreas trabalhista e social. Seja como for, o "novo protecionismo" dependeria dos "novos formuladores de referenciais", ou seja, das agências burocráticas, dos industriais e dos meios intelectuais. Desta forma, conclui a autora, dificilmente surgiriam dos partidos políticos.

Entretanto, podemos observar que este "novo protecionismo" já se mostra semelhante ao velho, dado que, como mostra Maria Antonieta Leopoldi, implica no atendimento de áreas específicas da indústria, muito em função da falta de uma ação conjunta e articulada de todo o setor, e também porque as iniciativas de alteração nas formas corporativas, ao menos no que diz respeito ao atrelamento com o Estado, tem partido do Governo, e não dos próprios industriais. As fórmulas corporativas ainda predominam sobre as pluralistas entre os industriais e há uma tendência ao reforço do associativismo setorial. Isto também indica que, seja no século passado, seja nos nossos dias, não se pode falar genericamente de industriais, abstraindo todas suas clivagens e diversidades econômicas, políticas, organizacionais e ideológicas.

Enfim, ao olharmos para um passado não tão distante, que, segundo a autora, se apresenta com ares de século passado, não podemos deixar de considerar a relevância da questão e da pesquisa realizada por Leopoldi. Mas a obra torna-se ainda mais interessante para o debate sobre a atual conjuntura quando afirma que teria sido superado o caráter exclusivista da relação entre empresários industriais e Estado do século passado. Ou seja, ao supor que o momento atual se caracteriza por um "[...] esforço conjunto do Governo e dos empresários", Maria Antonieta Leopoldi aparentemente sugere que aquela relação passou da proteção para a colaboração. Isso implicaria que o Estado reconhece o empresariado industrial — em especial aqueles organizados em entidades sindicais —, não só como um interlocutor, mas como um parceiro. O futuro vai confirmar ou negar essa possibilidade, menos talvez em relação à importância das entidades e mais no que diz respeito a consideração que Estado e Governo têm em relação ao empresariado. Ou seja, o protecionismo não é a única forma de relação entre empresariado e Estado, que, de resto, caracteriza-se pela desvantagem do primeiro em relação ao segundo — mais especificamente, à burocracia estatal — no que diz respeito às decisões acerca do modelo de desenvolvimento econômico.

Mas essa questão é menos relevante diante da densidade da pesquisa e da análise empreendidas por Maria Antonieta Leopoldi e diante do fato de que o objetivo fundamental da obra não é fazer uma análise da conjuntura atual, nem apontar para as perspectivas. O que seu trabalho mostra é a relação entre industriais e Estado na definição da política econômica e do modelo de desenvolvimento no Brasil do século XX e as possíveis conseqüências sobre o caminho da economia e da indústria no país.

Ainda que somente o tempo nos mostre o que efetivamente nos reserva o novo século, devemos reconhecer que, se pretendermos realizar um estudo prospectivo, este livro se tornaria igualmente importante, pois mostra muito do que mudou e sugere muita coisa sobre o que não mudou. Por tudo isso, talvez ao menos em alguns aspectos, o século passado ainda não tenha acabado.


Paulo Roberto Neves Costa (paulornc@humanas.ufpr.br) é doutorando em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO, F. H. 1964. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo : Difel.

DINIZ, E. 2000. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais – Brasil anos 90. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas.

MARTINS, L. 1968. Industrialização, burguesia nacional e desenvolvimento. Rio de Janeiro : Saga.

1 Este procedimento também é encontrado em outros trabalhos recentes sobre este assunto, como por exemplo, em Diniz (2000).

Revista Sociologia e Política

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