quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Édipo Rei de Sófocles


Pedro Paulo Abreu Funari

Professor Titular de História Antiga – Departamento de História – Coordenador-Associado do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/UNICAMP) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UNICAMP – 13081-970 – Campinas – SP – Brasil. E-mail: ppfunari@uol.com.br


VIEIRA, Trajano. – Édipo Rei de Sófocles. São Paulo: Perspectiva, 2007, ISBN 9788527302630, 190 p.

Trajano Vieira tem se destacado nas traduções, ou transcriações, dos textos clássicos gregos. Na esteira de Haroldo de Campos e da recriação, no vernáculo, de obras antigas, Vieira adota como estratégia a aproximação à forma original e, portanto, o estranhamento. Agora, brinda-nos com um dos maiores mitos de todos os tempos, retomado pela modernidade, Édipo, na versão de Sófocles (Édipo Tirano, ou Édipo Rei). O volume conta com o texto grego original, na íntegra, sua tradução e dois estudos alentados. Sua interpretação está consubstanciada em "Entre a razão e o daimon" (pp. 17-36), enquanto reserva ao final do livro o que designou de "Mosaico Hermenêutico" (pp. 163-181). Neste último, apresenta duas dezenas de interpretações sobre a peça e constitui uma introdução utilíssima para todos que quiserem se aprofundar na decifração do mito. A obra conta, ainda, com belas ilustrações. Vieira, em sua análise inicial, recorre a todas as nuanças do vocabulário grego usado por Sófocles, a começar por tekmairesthai ("formar um julgamento a partir das evidências"). Esse termo aparece na historiografia nascente, Heródoto e Tucídides, assim como em Hipócrates, e constitui uma chave da leitura da tragédia de Sófocles. A investigação racional está no cerne da obra e do ser humano. Ele mostra como o texto está prenhe de trocadilhos significativos e que a razão (logos) é uma das chaves da peça. Édipo quer -se senhor da razão, como fica claro na repetição, no decorrer da obra, de oida ("saber", em trocadilho com o nome do rei, Édipo).

O segundo tema central é o daimon ("divino", "marca individual"), pois o herói aparece como agente e paciente da ação, submetido às forças do daimon e do acaso (týkhe). Os traços marcantes do personagem Édipo explicam sua designação como tirano: voluntarioso, com grandeza heróica e talento intelectual. As ações imprevidentes do racional Édipo ganham sentido inesperado e que evidenciam sua fragilidade, resultante de um daimon enigmático e imprevisível, perto do acaso divino (týkhe). A catástrofe de Édipo decorre da sua consciência de que sua própria identidade possui dimensões indecifráveis. É o exercício brilhante da razão que permite entrever a dinâmica inclassificável do enigma.

As soluções de tradução também merecem um comentário. Alguns passos são notáveis pela concisão, como em 614/5:

"somente o tempo mostra quem é justo; velhacos se revelam num só turno".

Vieira traduz ánax ora como rei (617; 834), ora como senhor (697; 769), e caracteriza bem a soberba como definidora do personagem:

"a desmedida gera a tirania" (872).

A hýbris (desmedida) é a fonte do poder discricionário (tirania), resultado da soberba da razão. A conclusão da peça, na versão de Vieira, dá a chave, tanto da trama, como da vida humana:

"atento ao dia final, homem nenhum afirme: eu sou feliz!, até transpor – sem nunca ter sofrido – o umbral da morte" (1528-1530).

Obra de referência, a publicação de Édipo Rei de Sófocles merece leitura atenta.

Revista Historia - UNESP

Nenhum comentário:

Postar um comentário