quarta-feira, 29 de junho de 2022

Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde abordagens e métodos de pesquisa



Marluce Maria Araújo Assis

Baptista, TWF; Azevedo, CS; Machado, CV. Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde abordagens e métodos de pesquisa. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2015.


A relevância da área de Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde (PPGS) no campo da Saúde Coletiva é indiscutível, revelando a diversidade de aportes teóricos e metodológicos, de caráter interdisciplinar, transdisciplinar e multiprofissional, influenciados por diferentes campos de conhecimento, como as ciências sociais, a filosofia, a ciência política, entre outros.



Esta obra é organizada por Baptista, Azevedo e Machado, com participação de 23 autores, destacando-se pelo seu ineditismo em relação a outras obras da área de PPGS, pois aborda de forma sistematizada as sínteses analíticas dos referenciais teóricos e metodológicos mais utilizados, cujas contribuições constituem um aporte substancial para aprofundamento das linhas de pesquisa e do modo como explicamos e compreendemos as realidades empíricas. Um esforço pioneiro e fundamental para o fortalecimento da área, em sua dinamicidade e conexões de múltiplos saberes e práticas.



Trata-se de uma coletânea com prefácio e apresentação, organizada em doze capítulos, agrupados em três partes. Os argumentos científicos consistentes tornam o livro estimulante. Uma obra de referência necessária e obrigatória, pois permite uma compreensão ampliada dos objetos e metodologias, e das formas diversas de interação entre as correntes de pensamento que os influenciam.



No Capítulo I, Schraiber faz uma reflexão importante sobre a produção científica na saúde coletiva em que reconhece a singularidade do contexto brasileiro e levanta questões relacionadas ao engajamento ético-político e adensamento conceitual das construções teóricas. Discute a implicação ética do sujeito pesquisador, considerando os aspectos sociais, políticos e históricos que ele atribui ao delimitar o objeto e a própria constituição da investigação. Analisa as contribuições teóricas dos estudos e em que medida aprofunda o conhecimento existente, ou apenas reproduzem de “modo confirmatório” os dados empíricos a luz da teoria.



Mattos, no capítulo II, explora algumas contribuições do filósofo Rorty segundo a perspectiva construcionista. O principal eixo discursivo é pautado na busca da “solidariedade e objetividade” para compor as diferenças entre si em relação à noção de verdade científica. Argumenta-se que a prática de saúde coletiva é um campo rico para práticas de ciência solidária, por reunir várias tradições de pesquisa e dialogar com múltiplos saberes. A autoanálise realizada pelo autor aponta para a necessidade de criação de novas narrativas, com a pretensão de estimular a criatividade com outras opções teóricas e metodológicas para além daquelas que incorporamos e realizamos.



No capítulo III, Teixeira apresenta um mapeamento da produção científica da área de PPGS (1975-2010), destacando quatro subáreas: política de saúde, planejamento em saúde, gestão de sistemas e serviços de saúde e modelo de atenção à saúde. A distribuição dos temas foi influenciada pelos processos de Reforma Sanitária e institucionalização do SUS, indicando que estes processos constituíram em experimentações e consolidação de saberes oriundos da criação de grupos e diversificação de linhas de pesquisa; e de práticas políticas e de gestão em diferentes cenários governamentais.



As perspectivas históricas na análise das políticas de saúde são tratadas no capítulo IV, por Machado e Lima. Exploram algumas contribuições teóricas e metodológicas do campo da história em dois eixos das ciências sociais, institucionalismo histórico e histórico-comparativa, com o propósito de instigar as análises das políticas de saúde.



As contribuições da arqueologia do saber de Michel Foucault são analisadas no capítulo V, por Baptista, Borges e Matta. Os autores partem da noção de genealogia e história, inspirados em Foucault que dialoga com Nietzsche, cujos argumentos críticos enfatizam a compreensão de que a investigação das causas não deve acontecer de forma linear e mecânica, fundamentando que nas razões formais também devem ser consideradas as motivações, relações afetivas e psicológicas entre as pessoas. O objeto de pesquisa não pode ser desarticulado destas relações. A genealogia nietzschiana produziu inquietações em Foucault1 que edificou um método de análise que identifica como arqueológico. Assim, parte-se de questionamentos específicos de práticas concretas e seus saberes produzidos, sem verdades determinadas a priori. A arqueologia recorre à constituição de saberes, sem descrição da temporalidade dos fatos, sempre em busca do novo, da potência, do inusitado.



Estudos de políticas de saúde fundamentados na teoria da estruturação de Giddens são abordados no capítulo VI por O’Dwyer. Uma das principais formulações da teoria sustenta-se na ideia de que o domínio do estudo básico das ciências sociais não está baseado na experiência do ator, individualmente, nem na existência de qualquer forma de totalidade social, pois situa o ordenamento das práticas sociais no tempo e no espaço, como raízes da constituição do sujeito e objeto social. Nesse sentido, é apresentado um estudo sobre a atenção às urgências, em que foi possível analisar a forma como estão estruturadas e os processos de edificação de novas práticas.



As metodologias qualitativas nas pesquisas de avaliação são discutidas por Deslandes no capítulo VII. Analisa que os programas e serviços de saúde são edificações técnicas e simbólicas constituídas na prática por meio de suas experiências e interações entre sujeitos. As suas manifestações estão presentes nos diferentes discursos e ações. Os argumentos são sistematizados em três vertentes, balizadas no pensamento compreensivista: a avaliação de quarta geração, filiada ao construtivismo e à hermenêutica-dialética; a avaliação por métodos mistos, com aderência ao paradigma autodesignado como pragmatista; e a avaliação por triangulação de métodos que se filia às tradições filosóficas da hermenêutica e da dialética.



Sá e Azevedo, no capítulo VIII, propõem uma abordagem clínica psicossociológica na pesquisa sobre o cuidado em saúde e o trabalho gerencial. Busca-se, portanto, estabelecer interfaces com as contribuições da psicossociologia francesa, a teoria psicanalítica sobre os processos intersubjetivos e grupais e a psicodinâmica do trabalho. O texto apresenta duas situações pesquisadas em que se articula com a abordagem clínica psicossociológica: uma pesquisa realizada na porta de entrada e no serviço de emergência de um hospital público e a prática gerencial de hospitais públicos de um determinado município. Os estudos revelam os seus múltiplos sentidos possíveis conectados com o olhar do pesquisador. O entrelaçamento dos sentidos é representado pelas narrativas dos diferentes sujeitos que compõem a cena institucional.



A última parte é demarcada por temas específicos. A discussão sobre saúde e relações internacionais é pauta do capítulo IX, de Almeida, Lima e Marcondes, cujo conteúdo remete à posição que a saúde tem ocupado nas relações internacionais, envolvendo diferentes dimensões de análise (política, econômica, operacional e ideacional), exigindo esforços em relação a ações articuladas entre países, instituições e pessoas com diferentes ideias para compor ações e projetos, nos diferentes espaços de poder: “uma nova geopolítica da saúde”.



As bases teóricas e metodológicas relacionadas à temática de gestão do trabalho e educação em saúde são enfocadas no capítulo X, por Machado, Vieira e Oliveira. A gestão do trabalho pauta a discussão em três eixos estruturantes: o trabalho, a educação e a regulação, com aportes qualitativos e quantitativos. Nos estudos do campo das profissões observam-se aproximações com a teoria sociológica com os objetos de estudo e os dados que emergem do trabalho de campo, buscando conectar as dimensões conceituais da sociologia das profissões com o mundo do trabalho em sua dinâmica social.



O tema da avaliação de iniciativas em promoção da saúde consiste no XI capítulo, de Tavares e outros. A metodologia sustenta-se na concepção de redes sociotécnicas e de ator-rede concebida por Latour. Significa que o contexto, tanto interno quanto externo, espaços de consolidação, ampliação ou expansão dos elos da rede são compreendidos como um conjunto de aspectos e processos que influenciam ou tem capacidade de influenciar o desenvolvimento do programa. O envolvimento dos diferentes atores possibilita a construção e a desconstrução dos fatos. Os elos entre os diferentes atores se dão nas ações e nas manifestações discursivas, em nível individual e coletivo.



Pereira e outros recortam a assistência farmacêutica e demandas judiciais de medicamentos como objeto de análise no XII capítulo. Tema pulsante, pois traz a baila as demandas judiciais de medicamentos impetradas contra o SUS, a partir da análise de estudos empíricos realizados no Brasil, desde 2000. Discutem os principais instrumentos e métodos utilizados na identificação de variáveis, com potencial para estudos comparativos e outras análises mais amplas do fenômeno em questão.



Tendo em vista a síntese de cada capítulo, a obra é disparadora para ampliar as abordagens e métodos de pesquisa envolvendo a área de PPGS, reconhecendo sua diversidade e multiplicidade. O livro nos instiga a pensar como Santos2: [...] Os cientistas comprometidos lutam pelo aumento da comunicação e da argumentação no seio da comunidade científica e lutam, por isso, contra as formas institucionais e os mecanismos de poder que nela produzem violência, silenciamento e estranhamento [...].



Enfim, a obra sinaliza que é tempo de avaliar o que já foi construído, sempre aberto a novas possibilidades.

Referências
1
Foucault M. Arqueologia do saber. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2010.
2
Santos BS. Introdução a uma Ciência Pós Moderna. 4ª ed. São Paulo: Graal; 2003.

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