segunda-feira, 28 de março de 2016

A experiência do horror: arte, pensamento e política

A experiência do horror
Resenha do livro A experiência do horror: arte, pensamento e política, de Rafael Araújo (Alameda Editorial, 2015)
Carlos Rogerio Duarte Barreiros



Em A experiência do horror: arte, pensamento e política, Rafael Araújo apresenta a arte como alternativa crítica aos alcances e aos limites do projeto do esclarecimento e do consequente desenvolvimento tecnológico e científico, especialmente no contexto específico da Revolução Industrial e do século XX. Trata-se da publicação da tese de doutorado defendida pelo autor na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que finalmente vem a público pela Alameda Casa Editorial.
Se um trabalho acadêmico pode ser julgado, incialmente, por seus objetos de estudo, então a pesquisa de Araújo já é digna de nota: a partir de Nietzsche, por exemplo, investiga-se, na primeira seção, a representação algo nebulosa da filosofia em quadro de Gustav Klimt, além das “formas indomáveis” de Jackson Pollock e dos autorretratos de Francis Bacon. Seguem-se-lhes, do ponto de vista teórico, Karl Marx, Michel Foucault, Hannah Arendt e Giorgio Agambem, entre outros; quantos aos artistas, desfilam aos olhos do leitor obras de Käthe Kollwitz, Cândido Portinari, Antonio Henrique Amaral, León Ferrari, Karin Lambrecht, Goya e Picasso – todos, autores e artistas, integrados no projeto do pesquisador de aferir o alcance de sua hipótese inicial: a de que o horror é experiência comum aos homens e que assume, desde a ascensão do capitalismo, especialmente do capitalismo industrial, expressões específicas que, além de circunscreverem a própria experiência humana, acabam por evidenciar-se em formas artísticas algo descontínuas, nas quais está manifesto esteticamente o abismo entre a vida ideológica – na qual a razão técnico-científica rumaria em linha reta e ascendente para a felicidade humana – e avida material – em que predomina a própria experiência do horror, que dá título à pesquisa.
Ao contrário do que pode supor o leitor, o tom da obra de Araújo não é soturno, mas marcado pelo rigor da pesquisa empreendida no corpo a corpo com os trabalhos que lhe servem de referência teórica e principalmente com as obras artísticas por meio de cujas formas se abre a senda crítica da pesquisa. O autor nos apresenta uma tipologia do horror – o horror à imprecisão; o horror de si; o horror à reificação; o horror ao diferente; o horror à moralidade; o horror à biopolítica; o horror à guerra; e o horror ao desemprego – e a seguir o conceito de homo horrens, aquele cuja experiência é determinada pelo horror. É esse o projeto geral da obra, na qual cada manifestação do horror será investigada à luz de uma referência teórica e exemplificada por meio de uma obra de arte.
Interessa verificar que as obras de arte escolhidas por Araújo para análise ao longo do texto guardam entre si – a despeito, por exemplo, da distância no tempo e no espaço – pelo menos uma semelhança: em todas elas vibra o que Theodor Adorno chamaria, na Teoria Estética, de “fricção dos momentos antagônicos que a obra de arte procura conciliar”, isto é, em todas elas observam-se formas que prescindem do naturalismo organizador, unificador e apaziguador da tradição clássica do Renascimento ou do Neoclassicismo, e investe-se no que Araújo chama de fissuras, isto é, formas artísticas descontínuas ou “indomáveis”, por cujas rugosidades que escapam à organização tradicional é possível entrever a experiência do horror que lhes serviu de matriz para a composição.
É por meio dessas obras e das fissuras formais que as caracterizam que as promessas das ideologias burguesas ficam não apenas relativizadas, mas é também por meio da arte que se pode criticá-las em termos que lhes revelam a contradição intrínseca: na mesma medida em que se consolida o capitalismo, aprofundam-se também as experiências de horror que ele carrega em seu próprio seio, inscritas ideologicamente, em palimpsesto, nas suas promessas de prosperidade e de liberdade. Significa, portanto, que as obras de arte nas quais se inscreve o horror registram esteticamente a matriz do que pode ser a crítica radical da sociedade como a conhecemos, daí se poder afirmar que o potencial emancipador da arte é a grande linha de força que guia a obra de Araújo.
Carlos Rogerio Duarte Barreiros
Doutor em Literatura Portuguesa pela USP, atualmente empreende pesquisa de pós-doutorado na PUC-SP sobre as relações entre arte e sociedade. É professor de Literatura Brasileira e Portuguesa no Ensino Superior e em cursos preparatórios para vestibulares e concursos públicos há mais de vinte anos.
Le Monde Diplomatique

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