segunda-feira, 10 de novembro de 2014

mínimoIMENSO


mínimoIMENSO
Hamilton Faria, Ed. Instituto Cultural Casa dos Omaguás


ARTE da condensação, a poesia coloca o Imenso no mínimo, difícil tarefa de concentrar a expressão poética, mas também um modo de reorganizar a vida, de reestruturar o mundo por meio da arquitetura da criação literária.

Nessas micronarrativas poéticas, há um desdobramento da subjetividade que lembra Pessoa. “Tarda e a hora me encanta/ Tudo vale a pena/ A Imensa vida e a pequena.”

E na diversidade de assuntos, todos relevantes e “revelantes”, os textos vivem transformações: “Mudar o mundo?/ Muda o mundo em ti/ E ti será o mundo”. A palavra vira mundo e o mundo, palavra: “Antes que tarde/ A metáfora transformar-se/ Em árvore”. O verso “Mutação da pedra em água” não só muda os elementos naturais, mas também os elementos culturais do senso comum.

A ARTE na cidade aparece na indagação poética, transferindo-se para o espaço público os enigmas da vida urbana: “O mistério do ovo:/ Quem nasceu antes/ O muro ou o grafite?”. A observação literária do mundo traz surpresas e delicadezas do tipo: “Apanhar a flor no jardim”, mas o texto aguçado percebe a planta em sua autonomia. O poeta chega ao seu agora-futuro, medita sobre o tempo: “A mais bela hora/ Ontem nem amanhã/ O hoje agora”. E propõe o exercício da política da generosidade contra o nada existencial pós-moderno, cada um oferecendo seu bem maior e por inteiro. Poesia é acúmulo de saber, de conhecimento, de palavras, mas não feita para guardar, estocar, é feita para distribuir. E isso faz parte de uma política de dádiva não guardada, mas disseminada.

Nessa política do “escambo” cultural, o simbólico também entra como elemento de troca, na lei de incentivo à vida. Essa poesia se junta às manifestações pela vida livre, pela palavra livre. Texto dialético, que se dá ao mundo para flanar e circular, andarilhar, como poesia nômade, que conversa com os outros, potlatch que se distribui no futuro do presente. A proposta é clara: não adaptar-se para viver, mas “encantar-se para não morrer”, palavras que refundam a vida.

Valmir de Souza é Professor, pesquisador e ensaísta.
Le Monde Diplomatique Brasil

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