segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sociedade de consumo

Marluce Pereira da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte –Brasil


BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 68 p.

Lívia Barbosa, antropóloga, professora de antropologia da Universidade Federal Fluminense e consultora da Escola de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro, em seu livro Sociedade de Consumo, nos proporciona uma discussão concisa, porém com teor extremamente circunspeto acerca de duas categorias que, para ela, constituem o entendimento para a atividade de consumir: consumir, seja para fins de satisfação de necessidades "básicas" e ou "supérfluas" (p. 7). Tais categorias conduzem à questão imperativa: o que significa consumo numa sociedade caracterizada na contemporaneidade como, entre outros rótulos, sociedade de consumo? Recorrendo a diferentes abordagens que nortearam suas discussões, a professora se propõe a observar, do ponto de vista de alguns estudiosos, as origens históricas, e a caracterização sociológica, da sociedade de consumo e o consumo no Brasil.

A antropóloga decompõe em cinco seções o conteúdo de suas investigações que aparecem fortemente vinculadas. As denominações das seções aparecem na seguinte seqüência: Sociedade, cultura e consumo; Origens históricas da sociedade de consumo; As mudanças históricas; Sociedade de consumo: características sociológicas, Estudos de consumo no Brasil.

Para a autora, os debates que permeavam as origens da história do consumo se pautavam em dois eixos: um voltado para o quando e o outro para o que mudou. Havia sinais de mudanças na cultura material da Europa que apontavam para investigações acerca do que seriam esses novos artefatos da cultura material e como eles estavam sendo difundidos na sociedade. Em relação ao quando, polêmica ainda não bem resolvida entre os estudiosos, o período varia entre o século XVI até o XVIII, todavia, quanto às mudanças ocorridas, registra-se pacificamente que algumas atingiram a cultura material dessa época.

Na década de 1980, a partir do interesse de historiadores que propunham revisão acerca do destaque que foi dado à Revolução Industrial, novos acontecimentos concernentes ao consumo passaram a ser vislumbrados. A releitura proposta por esses estudiosos evidenciava, segundo Lívia Barbosa, que a Revolução do Consumo e Comercial antecedeu a Revolução Industrial, e aquela constitui um forte elemento na modernização ocidental. A atribuição dada às novas tecnologias engastadas à Revolução Industrial, como responsáveis pela expansão do consumo, não é ratificada tendo em vista que a emergência das invenções tecnológicas incidiu-se numa época um tanto distante da exacerbação do consumo.

No âmbito das mudanças históricas, a autora assinala que, no século xvi, ocorreu o surgimento de novos produtos oferecidos a todos os segmentos sociais. Dentre as transformações que afetaram a extensão cultural e as novas formas de consumo, a antropóloga se prende apenas a duas: "a passagem do consumo familiar para o consumo individual e a transformação do consumo de pátina para ao consumo da moda" (p. 19).

A primeira era constituída por grupo com estilos de vida definidos e visíveis pelas suas roupas, padrões alimentares, atividades de lazer, de modo que as opções individuais estavam atreladas às leis "suntuárias" que definiam o que era permitido, ou não, a determinados grupos sociais. Contudo a dependência entre posição social e estilo sucumbe, e, na sociedade contemporânea, o que passa a reinar é o critério da individualidade na escolha dos bens a consumir.

A fluidez e efemeridade das identidades, geradas pela essa nova forma de consumo, não são referendadas por autores como Campbell, Alan Ward e Daniel Miller. A segunda mudança diz respeito à passagem da cultura da tradição, representada pela pátina, para a moda, caracterizada pela efemeridade e individualidade. Lívia Barbosa acrescenta que Zygmunt Bauman reconhece a transitoriedade de algumas práticas de consumo. Para ele, os consumidores estão sempre ávidos de novas atrações e logo enfastiados com as atrações já obtidas (Bauman, 1999, p. 92).

A autora ressalta a necessidade de se tornar clara a distinção entre teorias sobre a sociedade e a cultura de consumo, pois a teoria da sociedade pode definir e analisar o porquê do consumo se tornar tão importante na sociedade. Enquanto as teorias sobre o consumo poderiam responder a inquirições acerca dos processos subjetivos que conduzem a determinadas práticas de consumo, e quais os desejos e mediações que o ato de consumir representa na vida dos indivíduos.

Ao trazer alguns estudiosos que sistematizam sociologicamente a sociedade de consumo, entre outros Fine e Lepold, que selecionam sete temas, considerados, por eles, relevantes no tocante ao que seja sociedade de consumo, Lívia Barbosa reconhece a fragilidade da sistematização desses estudiosos, pois, segundo a antropóloga, esses autores negligenciam aspectos relevantes, entre outros, a não alusão a referências bibliográficas de vertentes antropológicas emblemáticas.

À análise do trabalho de Don Slater, a antropóloga apresenta os indicadores sociológicos que este utiliza na sua definição do que seja cultura do consumidor, evidenciando o teor conclusivo do autor, para quem as teorias da cultura do consumidor não podem ser transformadas em questão de opção por parte deste. Mike Featherstone aparece na seqüência de autores cujas teorias serão analisadas por Lívia Barbosa. Para ela, as discussões de Featherstone seguem direções diferentes dos autores já citados, pois, ao contrário de Slater, ele, ao agrupar em três as teorias sobre a cultura do consumidor, as vincula ao pós-modernismo, vinculação também adotada por outros autores, centrando suas atenções nas teorias neomarxistas, sobretudo nas decorrentes da Escola de Frankfurt para a cultura do consumo.

Jean Baudrillard aparece como autor mais representativo de teorias sobre a produção do consumo. Entre os autores cujas teorias se voltam para os modos de consumo estão Mary Douglas e Baron Isherwood e Pierre Bourdieu. Os primeiros dedicaram as discussões do seu livro o Mundo dos Bens aos economistas e não aos antropólogos e sociólogos. No caso de Bourdieu, o consumo não consistia foco de suas análises; voltado às relações sociais, o estudioso problematiza as práticas de consumo como responsáveis pela criação e manutenção de relações sociais de dominação e sujeição.

A autora menciona Bauman e Campbell, considerando a importância do primeiro pelos trabalhos amplamente difundidos no Brasil. Contudo, tece críticas às suas teses, por considerar que estas atribuem ao consumismo um caráter negativo, responsável pela desagregação social. Campbell reconhece que a insaciabilidade caracterizadora do consumo moderno decorre de alterações ocorridas em torno do século XVII, quando se deu a passagem do hedonismo tradicional para o moderno. A autora considera que Campbell consegue dar uma melhor direção em comparação a outras teorias sobre a sociedade e cultura de consumo.

Ao final de suas análises, a autora oferece um rápido panorama dos estudos sobre o consumo no Brasil. Para ela, a literatura acerca do assunto, difundida no Brasil, não contempla questões filosóficas. Os autores perfilham, via de regra, as orientações de Adorno e Horkheimer, da Escola de Frankfurt, e as idéias de Baudrillard e Marcuse. Na academia, se propagam quatro versões distintas sobre sociedade de consumo e o significado de consumo, em que "duas delas preceituam que a sociedade de consumo é mais hedonista de que outras formas de sociedade" (p. 60). A produção acadêmica é escassa e, até mesmo em grandes centros de pós-graduação, se registra a inexistência de pesquisas voltadas para grupos sociais específicos.

Recomendamos a leitura do livro Sociedade de Consumo, por reconhecermos que a forma como a autora introduz o tema nos instiga a examinar e aprofundar as discussões apresentadas pelos teóricos citados ao final do livro. O fato de a autora apresentar um panorama bem atual – o estado da arte dos rumos das pesquisas sobre o consumo na academia – também nos incita para o encaminhamento de pesquisas em torno de uma questão que, tão fortemente, demarca as três modalidades de existência na contemporaneidade: diferentes, desiguais, e desconectados (García Canclini, 2005, p. 99).

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

Revista Horizontes Antropológicos

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