sexta-feira, 25 de junho de 2010

Volksgeist as Method and Ethics. Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition

STOCKING JR., George (org.). 1996. Volksgeist as Method and Ethics. Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition. Madison: The University of Wisconsin Press. 349 pp.

Priscila Faulhaber
Pesquisadora do Museu Goeldi/CNPq


Lançada em 1983, a série History of Anthropology, dirigida por George Stocking Jr., se completa com um volume, o oitavo, inteiramente dedicado à trajetória de Franz Boas. Não se trata, contudo, do fim da série, mas de uma transição: o próximo volume será ainda organizado por Stocking Jr., mas já em colaboração com Richard Handler - que, a partir do décimo volume, assumirá a direção da mesma.

Nesse último volume são examinados, sob diferentes ângulos, aspectos da formação intelectual e cultural (da Bildung) de Franz Boas - nascido em Minden, Vestfália, província da Prússia -, sobretudo suas raízes e influências no pensamento alemão. Em linhas gerais, seu itinerário intelectual delineia-se na tensão entre duas abordagens metodológicas: a física e a cosmográfica.

Após uma introdução de Stocking Jr., que trabalha sobre a obra de Boas desde os anos 60, é reeditado "The Study of Geography", de 1887, onde o próprio Boas aborda o método e os limites da disciplina. Neste artigo, ele não pretende tender nem para o lado do físico nem para o lado do cosmógrafo, mas atender aos critérios pessoais e à inclinação para abstrações (:14). O cosmógrafo interessa-se pelo fenômeno como um todo, e não dá mais valor ao estético (abordagem da física) que ao afetivo (abordagem da cosmografia); sua análise não desqualifica o estudo dos fenômenos que parecem estar conectados apenas na mente do observador. Ao contrário, a própria unidade de objetos do físico lhe parece subjetiva (:16).

Matti Bunzl destaca, dentre outras influências alemãs sobre Boas, os irmãos Humboldt. A cosmografia foi concebida por A. Humboldt no sentido de uma descrição dos homens e suas ações a partir de seu próprio caráter e dos eventos que influenciaram suas vidas, bem como a observação sistemática de cada fenômeno a partir de sua própria existência (:13), no contexto das críticas à tentativa iluminista de reduzir o mundo a princípios abstratos e à classificação hierárquica dos fenômenos segundo princípios positivistas de desenvolvimento (:39). Nos tratados de W. Humboldt, dentro do referencial do nacionalismo romântico alemão, a linguagem, cuja necessidade e habilidade teriam originado a humanidade, é enfocada como representação do "gênio do povo" (:33). A partir dessas premissas, Bastian, de quem Boas foi assistente, concebe os seres humanos como produtos históricos constituídos duplamente pelo mundo espiritual (gestigen) e o meio ambiente físico, e as trajetórias do Volkergedanken (lógica popular) em relação com províncias geográficas (:52). Após a migração para os Estados Unidos, em 1887, Boas, apesar de acomodar-se a uma divisão institucional dos campos disciplinares, afasta-se, dentro de uma perspectiva pluralista, do etnocentrismo em vigor, dá prosseguimento às linhas traçadas por Bastian e realiza o projeto de W. Humboldt de estabelecer análises das estruturas da linguagem, da investigação de suas relações genéticas e das relações com a personalidade nacional (:66). A partir de 1900, Boas enfatiza os processos pelos quais o "espírito do povo" (Volksgeist) traduz elementos exógenos, bem como a terminologia do parentesco, dos rituais e das relações sociais.

Benoit Massin examina o papel das teorias da raça na institucionalização da antropologia física na Alemanha. Inicialmente, os teóricos raciais representavam uma minoria marginal (:94). Sob a influência de Virchow, sobressaía-se, na comunidade dos antropólogos físicos e médicos anatomistas, o humanitarismo monogênico herdado de Herder. Bastian travou uma "guerra" de trinta anos pela consideração da igualdade e dignidade de todas as culturas, assumindo posições contrárias ao darwinismo social (:96). A maior parte dos antropólogos mantinha, contudo, o ponto de vista da hierarquia evolucionista das raças e culturas sustentada na dicotomia "povos da natureza" e "povos da cultura". Lushan, sucessor de Virchow (para quem a própria idéia de raça, construída a partir de tipos estatísticos, não consistiria em uma construção biológica, mas uma construção mental (:114)), aproxima-se do darwinismo, adotando a classificação racial como objetivo último e a craniometria como método. Na virada do século, passaram a prevalecer as recomendações de intervenção terapêutica, formuladas por biólogos e físicos que interferiam na política de Estado, em consonância com o crescente antiliberalismo das elites alemãs (:120).

Através da leitura de diários e cartas de Boas, e traçando um perfil de suas leituras desde a primeira adolescência, Julia Liss indica que os dilemas de sua formação traduziam seu próprio conflito cultural em termos de sua experiência individual (:162). Formado dentro de instituições de elite, viveu a ambivalência de, judeu, não pertencer à cultura dominante alemã. Na maturidade, o universalismo científico foi uma maneira de transcender os limites de suas contradições individuais e sociais (:163).

Ira Jacknis desenvolve um estudo de caso de como o conhecimento etnográfico é gerado na trajetória da metodologia de Boas. No começo de sua carreira até 1890, período no qual realizou a maior parte de seus trabalhos de campo, a prática de pesquisa esteve centrada na coleta de artefatos, ainda que se observasse uma evolução para o textual. O interesse dirigia-se também para as informações contidas nos relatos nativos, porém ainda voltado prioritariamente aos objetos destinados aos museus, algo que pudesse ser coletado, preservado e estudado (:200). A partir de 1890 passa a considerar "'toda a cultura de uma tribo' - a orientação contextual" (:200). Em The Limitations of the Comparative Method in Anthropology, de 1896, os costumes e crenças já não eram os objetos últimos da pesquisa, pois sua preocupação central seria principalmente descobrir os processos através dos quais certos estágios de cultura se desenvolveram. Verifica-se, assim, um deslocamento do "objetivo" como externamente observado para o objetivo como culturalmente constituído. É formulada assim uma nova concepção do objeto etnográfico e do objeto da etnologia, com a qual se passa a priorizar o exame dos contextos culturais nos quais os objetos são construídos. No fim de sua carreira, o interesse central não era tampouco o relato original enquanto artefato, mas a reconstrução verbal. Os objetos passaram a ser vistos também como recursos para uma auto-reconstituição cultural pelos representantes dos próprios povos (:209).

Judith Berman analisa, em uma tentativa de constituir bases sólidas para as generalizações antropológicas, as primeiras etnografias de Boas, pilares de todo o seu trabalho futuro (:215), bem como suas relações com seus "interlocutores de campo", como Hunt, também intérprete e autor. O trabalho boasiano teria ficado marcado, até o fim de sua trajetória, pelas tensões mal resolvidas entre o ponto de vista do antropólogo e o ponto de vista nativo.

Thomas Buckley mostra como Kroeber, proeminente discípulo de Boas, fundamentou sua trajetória enquanto humanista científico e historiador, influenciado também pelo legado da antropologia alemã do século XIX. Kroeber buscou na história natural uma ponte com as noções de cultura da antropologia do século XX, e uma solução para sua preocupação de explicar os problemas segundo leis gerais (:261). Enfatizou, em sua noção de cultura, a criatividade humana conceituada em termos do impulso do crescimento cultural e do progresso humano, incorporando, assim, o primado do positivismo das ciências naturais à sua perspectiva "humanista" de história natural, diferentemente de Boas, cujas concepções dão ênfase à subjetividade. A qualificação da cultura através do conceito de superorgânico, leva-o a prescindir da consideração dos seres humanos, reduzidos a meras ilustrações, e incorpora os vícios do essencialismo e do determinismo cultural. E do idealismo, embora este conceito tenha sido cunhado como um antídoto aos "fantasmas metafísicos do século XIX" (:267). Apesar da apologia aos vínculos morais com os destinos dos povos estudados, a tarefa da antropologia para Kroeber seria compreender objetivamente a cultura aborígine original, e evitar o engajamento político, a despeito dos indivíduos "em carne e osso" e dos testemunhos dos nativos. Ele ficaria, no mínimo, surpreso com tendências posteriores de incentivar as reinterpretações de suas próprias culturas pelos descendentes de índios cujas tradições foram transformadas pelo contato (:293).

Suzanne Marchand aponta como o culto ao exótico por parte do classicismo e do romantismo germânico não levou os exploradores a conhecer e estudar apenas os chamados povos primitivos da América. A intervenção alemã na Ásia Menor (:334) gerou toda uma política cultural de coleta de artefatos arqueológicos vinculada à política imperialista e colonial. Esta política, já no despontar do século XX, não sofreu tanta influência dos ideais românticos quanto do positivismo e do cientificismo, e implicou a coleta de verdadeiros tesouros. Tais artefatos, dissociados dos contextos culturais onde tinham um sentido, eram transformados em meros fragmentos para exposição nos museus, deleite dos seus usuários.

A leitura dessa coletânea de comentadores do itinerário de Boas é um convite à reavaliação de sua obra, ainda não publicada em português, apesar das inúmeras traduções elaboradas com fins didáticos. Boas constitui referência não só para etnólogos, mas para todos aqueles que se interessam pela etnografia de outras formas de saber. Valeria a pena um esforço editorial no sentido de sanar essa lacuna.

Revista Mana

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