quarta-feira, 5 de maio de 2010

Lingüística y enseñanza de la lengua


Lingüística y enseñanza de la lengua

Neide Luzia de Rezende
Professora de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa – FEUSP


Marta Marín

Buenos Aires: Aique, 1999, 303 p.

Quem está de algum modo familiarizado com o ensino de língua materna sabe que nas últimas duas décadas processou-se verdadeira revolução nesse campo, pelo menos no plano teórico, cuja contribuição mais essencial veio da lingüística. A professora Marta Marín, especialista em lingüística aplicada ao ensino de línguas, busca aqui apresentar um manual do assunto para um público determinado: os professores de língua materna, já em sala de aula ou em formação. Para os primeiros, atualiza e oferece novas perspectivas de trabalho, para os segundos, propõe de forma integrada e sistemática o domínio dos conceitos ouvidos em sala de aula.

Não só a clareza e o rigor dos conceitos constituem a grande riqueza desse livro, mas o auxílio que presta aos professores quando oferece exemplos de atividades práticas em sala de aula.

A autora começa por historicizar a tradição mais recente no ensino da língua, desde um enfoque logicista anterior a 60, centrado no estudo de uma gramática (análise lógico-gramatical), cuja falta de rigor classificatório será resolvida nas décadas seguintes pelo estruturalismo (predominante, de resto, até hoje no esquema brasileiro), do qual a análise sintática é seu viés determinante e mais popularizado. A seguir, procura inserir as distintas teorias lingüísticas que passaram a integrar a prática de ensino da língua nos últimos anos – teorias da comunicação e da enunciação, lingüística textual, pragmática, sociolingüística – no interior de modelos peda-gógicos mais amplos, como tem sido o constru-tivismo, ao mesmo tempo em que busca as inter-secções das teorias, de modo a propiciar ao leitor a possibilidade de observar essas teorias como contribuições dentro de um mesmo percurso.

Entretanto, é preciso apontar um outro problema quando a Lingüística se erige – e não sem total razão – em disciplina única para o ensino de língua materna: sem dúvida, ao desbancar a gramática normativa que se deti-nha exclusivamente na análise e classificação dos termos e das orações e abordar o discurso organizado em texto – que é a unidade mínima para o estudo da língua –, de que partem essas teorias recentes, a lingüística dá passo certeiro, mas não resolve inteiramente o problema, por não conseguir dar respostas satisfatórias num outro aspecto, que é, por exemplo, o ensino da literatura. As teorias da leitura veiculadas mostram-se pertinentes na abordagem de textos não literários e ajudam a tornar funcional para a aprendizagem a gama de textos presentes no cotidiano. Mas a literatura não se deixa aprisionar no pragmatismo dessas abordagens, muito embora estas ofereçam perspectivas mais ricas do que certo conteudismo já muito exercitado nas escolas e manuais didáticos.

Dos dois nós do ensino tradicional de língua, a gramática e a história da literatura, estamos em vias de desatar um deles com a contribuição da lingüística, mas o outro permanece inteiramente aberto a buscas, já que não é possível eliminar de todo o historicismo dos estudos literários, mesmo sendo ele tão pouco eficaz – na verdade, da maneira como tem sido perpetrado, é um desastre! Como resolver o problema da história das formas, de seu vínculo com as demais organizações estéticas e sociais de sua época sem cair no mero panorama de estilos, cuja relação com a história é muitas vezes inteiramente arbitrária e forçada, como se vê nos manuais de língua e literatura?

O problema do ensino da língua tem-se colocado para todos os sistemas de ensino ocidentais de hoje, muitas vezes com curiosos resultados, na comparação entre teorias e práticas dos diferentes países. Por exemplo, os nossos Parâmetros Curriculares Nacionais incluíram na sua última versão, como orientação para o ensino de língua portuguesa nos últimos ciclos do ensino fundamental e no ensino médio, uma proposta que, quando incorporada aqui, ainda se encontrava em discussão no seu país de origem, a Suíça. Trata-se da incorporação da noção de gêneros do discurso, segundo perspectiva bakhtiniana, que embora guarde parentesco próximo com as tendências em análise e teoria do discurso, não é exatamente a mesma coisa e inclui uma dimensão social da linguagem de que a lingüística não se ocupa, ou se ocupa pouco (a sociolingüística não tem pertinência aí, pois não trata dos níveis do discurso mas dos níveis da fala e de suas variantes).

Na verdade, defrontamos com uma va-riedade de aspectos no ensino de língua materna de que só a lingüística não dá conta, por isso este livro é contribuição inquestionável, mas só parcial. Outras áreas, no interior inclusive dos próprios estudos de letras, a teoria literária, oferecem suas contribuições, assim como é preciso trazer também para a prática docente a intuição e a experiência, que a autora parece descartar na mescla a ser considerada ("A docência não é uma mescla de intuição, expe-riência e 'facilidade natural'; é antes de tudo conhecimento"). Justamente é a experiência que pode levar o professor a considerar diante da classe real as possibilidades de usar, ampliar, transformar ou abandonar determinadas teo-rias, isto é, não se deixar escravizar por elas, que, como se sabe, ainda continuam apresentando ângulos novos. E, afinal, são teorias, não são métodos.

Revista Cadernos de Pesquisa

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