segunda-feira, 17 de maio de 2010

Le goût des autres: de l'Exposition Coloniale aux arts premiers


Leonardo Carvalho Bertolossi
Mestrando do PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

L'ESTOILE, Benoît de. 2007. Le goût des autres: de l'Exposition Coloniale aux arts premiers. Paris: Flammarion. 454pp.

Le goût des autres, de Benoît de L'Estoile, é um livro fundamental aos interessados nas relações entre a antropologia e os museus etnográficos. Ao longo de dez capítulos divididos em duas partes, o autor apresenta uma diversidade de histórias da interface entre a antropologia e os museus na França e em outros museus europeus e americanos.

Em formato enciclopédico, na primeira parte o livro apresenta as transformações das políticas e poéticas de exibição dos objetos pilhados nas colônias francesas na África – da Exposition Coloniale de 1931 até o surgimento do Musée de l'Homme, seu apogeu e questionamentos posteriores. Na segunda parte do livro, L'Estoile faz uma ampla genealogia do lugar dos objetos nos museus etnográficos – de objetos de curiosidade e termômetros de paraísos históricos perdidos, até a noção de uma arte das origens. É por meio desta história das ideias que o autor nos introduz nas escolhas por um universalismo de caráter estetizante no novo e polêmico Musée du Quai Branly, aberto em Paris em 2004.

Partindo de um contínuo que vai da Exposition Coloniale de 1931 até a abertura do Musée du Quai Branly, o autor nos apresenta as permanências e descontinuidades na paisagem museal francesa, como a tentativa de construir um mundo colonial em miniatura na Exposition de 1931, visível em um tour de apenas uma hora (Capítulo 1). As críticas dos surrealistas sobre a Exposition de 1931 e seu formato exotizante e racista mobilizariam a tentativa de uma colonização e pilhagem científica, com a Ecole Colonial, que formaria os futuros funcionários da administração colonial enviados à África (Capítulo 2).

Surgia uma crescente demanda por uma instituição que representasse a profissionalização e a unificação das ciências antropológicas e ainda centralizasse as relações entre a pilhagem científica nas colônias e a Ecole Colonial. É nesse contexto que o Musée de l'Homme fora aberto, ocupando papel central na constituição da disciplina antropológica na França (Capítulo 3). Objetos pilhados pelas expedições de Marcel Griaule e Henri Labouret na África, assim como pelos Korrigans na Oceania, constituiriam, como nos mostra L'Estoile, o numeroso acervo do enciclopédico Musée de l'Homme. O autor destaca as expedições de Lévi-Strauss no Brasil, sua tensa relação com Luiz de Castro Faria e as conexões e relações de influência do Musée de l'Homme com o Museu Nacional e o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (Capítulo 4).

Tensões entre a coleta de objetos com características estéticas exóticas e que pudessem ser índice científico das diferenças culturais coloniais marcaram todo o processo de constituição do acervo do Musée de l'Homme. L'Estoile recua até o antigo Musée d'Ethnographie du Trocadéro e sua história para apresentar ao leitor as origens das ambiguidades que constituíram as escolhas políticas e poéticas do Musée de l'Homme, quando este substituiu o Trocadéro, demolido em 1935. Aclamado nos anos 40 como símbolo da moderna tradição antropológica francesa, o Musée de l'Homme perdeu sua centralidade após o deslocamento da disciplina antropológica para as universidades.

A abertura do laboratório de Antropologia Social por Lévi-Strauss no Collège de France, sua crítica ao termo "etnologia", proposto por Paul Rivet, o questionamento do modelo "laboratório" importado do Musée des Arts et Traditions Populaires e a busca de autonomia disciplinar de seus laboratórios de Pré-História, Etnologia e Antropologia eclipsaram o Musée de l'Homme em seu prestígio. Mesmo com a resistência de intelectuais como Jean Rouch e exposições com apelo estético e fantástico inspiradas no Trocadéro e no Musée des Arts Africains et Océaniens (antigo Musée de la France d'Outre-Mer), já nos anos 70 passa a ser respeitado apenas por seu passado (Capítulo 5).

Após a digressão a respeito dos museus etnográficos na França, na segunda parte do livro L'Estoile avança sobre a história das classificações ocidentais acerca dos objetos – de maravilhas na Renascença de Dürer aos semióforos de Krystof Pomian. Do gosto pelas curiosidades a índices de etnografias e obras de arte, os objetos compuseram acervos de museus europeus e americanos na busca pela Arché universal, ora de caráter realista, ora analítico e científico (Capítulo 6).

No entanto, como mostra o autor, os museus científicos foram progressivamente questionados e perderam espaço frente aos museus de arte na França. Para o ministro da cultura francês, Jean-Jacques Aillagon, a primazia dos museus de arte sobre outros tipos de museu teria como fundamento a tentativa de distanciamento do passado colonial e a "redescoberta" dos outros pela visibilização dos arts premiers, termo inventado pelo connaisseur Jacques Kerchache no novo Musée du Quai Branly. O termo arts premiers valorizaria uma matriz original, autêntica e inalterada – "clássica" porque estaria além da historicidade – ao contrário de arts primitifs, usado anteriormente e abandonado pelo tom pejorativo e evolucionista.

A magia dos arts premiers para Kerchache seria sua capacidade de anular conflitos e diferenças com base na evocação da universalidade da arte e da contemplação do belo, por meio de objetos que encarnariam uma essência cultural singular. O sucesso da nova conceitualização, apoiada pelo ex-presidente Jacques Chirac, provocou a irritação da comunidade antropológica francesa, que criticou a substituição do estetismo antiquarista do Trocadéro e das exposições coloniais por um estetismo elitista, romântico e "new age", além da permanência do fantasma da criticada etnologia sob a nova alcunha arts premiers (Capítulo 7).

Para Jacques Chirac, a missão do Quai Branly seria a manutenção de uma diversidade cultural frágil e em desaparecimento perante a ameaça de uma globalização americanizante. Na tentativa de superar os fantasmas da criticada etnologia, o novo museu optou por uma arquitetura contemporânea que conciliasse tradição e modernidade, evitando os estigmas de um museu do passado, e uma paisagística que valorizasse a noção de "ecologia selvagem". Jean Nouvel, responsável pelo projeto paisagístico e arquitetônico, ressaltou que as formas e a iluminação deveriam enfatizar a emoção do público diante das obras com um tom de "descoberta" de civilizações e artes perdidas.

Evocando a crítica de Adam Kuper sobre os conceitos de "povos indígenas" e "povos da natureza" e o problema da legalidade e da autenticidade das identidades indígenas, investigado por João Pacheco de Oliveira, L'Estoile aponta as conexões entre o ideário dos criadores do Quai Branly e o romantismo rousseauniano de Pierre Clastres entre os Guayakil e os "tristes trópicos" de Lévi-Strauss. O autor segue sua crítica, problematizando o jogo expositivo do museu com mitos e essencialismos antropológicos reducionistas, que contribuiriam para a manutenção de estereótipos sobre populações nativas e imigrantes, excluídas do processo de construção do museu (Capítulo 8). Um novo museu das artes e civilizações, portanto – para quem?

Segundo os dirigentes do Musée du Quai Branly, a instituição é um "Museu Nacional dos outros". No entanto, nos debates que se sucederam à abertura do museu, representantes africanos reclamaram a devolução de objetos que pertenceriam a seus ancestrais. Para L'Estoile, afirmações como essa constituem questões com dimensões jurídicas, éticas e políticas complexas. São o mote para o problema da representação das populações nativas e o direito de propriedade sobre objetos de museus etnográficos.

A quem pertencem os objetos que estão nos museus? Ao patrimônio nacional inalienável ou aos grupos de origem dos objetos e restos mortais que constituem o acervo dos museus? E quem possui autoria e autoridade para falar sobre os "Outros" representados pelos objetos nestas instituições?

Partindo de uma miríade de exemplos, o autor aborda a ideologia de que a alma dos museus são seus objetos, que eles encarnam um "Nós" que representa a verdade sobre uma dada nação. Casos como o do Museo de Antropología mexicano, onde há a afirmação de uma identidade nacional ligada a tradições pré-hispânicas e em que militantes neo-astecas reivindicam a repatriação de plumárias que estão no Museu Etnográfico de Viena, e do pedido de devolução dos restos mortais de Saartje Baartman por Nelson Mandela são destacados por L'Estoile no livro.

Como mostra L'Estoile, as fronteiras entre quem são os "Outros" e quem é o "Nós" a assegurar as diferenças antes primitivas e agora "primeiras" tornam-se fluidas e transitórias com a participação ativa de comunidades indígenas na elaboração de seus próprios museus, como o Pequot Museum, ou em museus nacionais, como o National Museum of the American Indian, do Smithsonian Institute. O programa African Voices, do National Museum of National History, em Washington, dedicado à população africana e afro-americana, é outro destaque do livro no que concerne à crítica contemporânea feita pelas populações nativas, informadas pelo pós-colonialismo e pós-modernismo, aos modelos museográficos do passado (Capítulo 9).

Voltando à polêmica acerca dos arts premiers no Musée du Louvre em 2000, que gerou críticas pela tentativa de equivalência e aproximação entre o acervo do museu e as antigas peças do Musée de l'Homme, o autor questiona a invenção do termo arts premiers, perguntando-se por que não existe um "Museu de Belas-Artes dos Outros". Como construir comparáveis ou simetrizações possíveis? Quais as concepções nativas de estética em jogo? Um universalismo é possível? Para o historiador da arte Michael Baxandall e Jacques Kerchache, os arts premiers são trans-históricos e universais. Daí a polêmica e criticada opção no Quai Branly pela ausência de informações e por uma percepção presentista e sensorial que permitisse aos visitantes uma invenção cognitiva com base em uma captura iniciática (Capítulo 10). Teria o Quai Branly conseguido "fazer as pazes" com as marginalizadas populações imigrantes na França?

Frente ao mal-estar dos antropólogos e à perda da hegemonia do "gosto pelos outros", o autor nos deixa novas questões que desafiam os museus do futuro: a valorização da aura e autoria individual do artista nativo – como nos moldes de valoração ocidental – ou sua apresentação coletiva ligada a uma identidade étnica? Ênfase nos objetos ou nas narrativas? O que é mais representativo: objetos exóticos e "tradicionais" ou a produção contemporânea? Ênfase nas proximidades ou nas distâncias? Culturas ou ontologias?

Os antigos museus etnográficos, agora sob controle, crítica e voz ativa dos nativos, começam a se tornar museus das relações – mundos interligados, fóruns, e não mais templos, espaços de conversações. L'Estoile aposta em futuros museus não mais de Outros míticos estéticos ou científicos, mas que promovam duplos como o teatro artaudiano, enfatizando as relações que constituem os diversos lados da rede, entre pessoas e coisas que vivem ao mesmo tempo em mundos singulares e plurais, diferentes e iguais aos nossos.

Revista Mana

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