sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Maria Antonieta


Maria Antonieta, a virtuosa

Uma biografia para restaurar a
reputação da rainha que perdeu
a cabeça na Revolução Francesa


Jerônimo Teixeira

Ao ser informada de que o povo francês estava faminto, Maria Antonieta, com o desdém conjugado das dinastias que representava – os Bourbon e os Habsburgo –, respondeu com a tirada famosa: "Se não têm pão, que comam brioches". Ou assim reza a lenda. A historiadora inglesa Antonia Fraser, biógrafa da rainha, diz que a frase jamais foi pronunciada por sua personagem. A mesma sentença já havia sido atribuída a uma princesa espanhola que se casou com Luís XIV, cerca de um século antes de Maria Antonieta pisar em Versalhes. E continuaria sendo atribuída a várias princesas nos 100 anos seguintes – até finalmente "colar" na nobre de origem austríaca, provavelmente por força da propaganda dos revolucionários que a levaram à guilhotina em 1793. É significativo que esse esclarecimento seja feito logo na primeira página de Maria Antonieta (tradução de Maria Beatriz de Medina; Record; 574 páginas) – livro que inspirou um exuberante filme de Sofia Coppola, ainda inédito no Brasil. De saída, Antonia Fraser deixa claro seu propósito fundamental: recuperar a imagem da rainha. A autora consegue sustentar essa revisão histórica com consistência e alguma graça narrativa – ainda que, em alguns momentos, cruze a fronteira que separa a biografia da hagiografia.

No ardor republicano que queimou a partir de 1792 na França revolucionária, Maria Antonieta tornou-se um símbolo da velha ordem que estava ruindo. A devassidão moral e a dissipação financeira da corte encontraram seu emblema na estrangeira que supostamente sangrava o tesouro francês em vestidos, jóias e bacanais. Na verdade, ela nunca foi esse monstro hedonista. Nascida em Viena, em 1755, Maria Antonieta era uma adolescente magra, de tez muito clara e quase desprovida de busto quando chegou à França como prometida do futuro rei. Tinha o queixo prognata que os Habsburgo carregavam como um estigma – mas não era desprovida de graça. O futuro Luís XVI, ao contrário, era um rapaz desajeitado. Já mostrava os primeiros sinais da obesidade que se tornaria quase escandalosa nos anos seguintes. A consumação física do casamento demorou nada menos do que sete anos para se realizar – ao que parece, o senso de profunda inadequação física do jovem herdeiro travava suas obrigações conjugais.

Os panfletos pornográficos que abundavam no século XVIII retratavam Maria Antonieta como uma ninfomaníaca enlouquecida. Antonia Fraser desmente essas versões. Sim, a rainha teve ligações muito íntimas com algumas damas da corte, mas esse "apego" era, segundo a biógrafa, "mais emocional do que físico". O único caso documentado de Maria Antonieta, com o conde sueco Fersen, foi conduzido com a máxima discrição, comportamento raro em meio à promiscuidade de Versalhes. A suposta insensibilidade social da rainha também é contestada – mas é nesse ponto que Antonia idealiza sua biografada. O episódio em que Maria Antonieta manda parar sua carruagem para socorrer um camponês ferido ganha uma importância desproporcional na narrativa. Antonia também insiste na modéstia de Maria Antonieta. Ela seria uma mulher à frente do seu tempo, uma rainha simples e caridosa que "se encaixaria com facilidade nas futuras monarquias apolíticas" – afirma a autora, numa frase em que está subentendida a idéia de que Maria Antonieta foi uma espécie de Lady Di do século XVIII.

Casada com o dramaturgo Harold Pinter, Antonia Fraser é uma historiadora popular da realeza européia. Seus livros anteriores voltavam-se para figuras da história britânica, como Mary Stuart e Henrique VIII. Nas últimas décadas, historiadores como o francês François Furet e o inglês Simon Schama têm revisado a Revolução Francesa. Considerando que outras monarquias chegaram a um quadro democrático e liberal sem banhos de sangue, será que o Terror foi mesmo necessário para afirmar os decantados ideais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade? Embora Antonia não se preocupe com os problemas da filosofia da história, sua biografia chega perto de sugerir que Maria Antonieta poderia ter sido uma figura de transição entre o absolutismo e alguma forma de monarquia constitucional. Vive la Reine!, diz a autora na introdução do livro. Bem diferente daquilo que o povo gritava em 1793 enquanto a carroça conduzia a rainha para a guilhotina da Praça da Concórdia.

Pobres princesas ricas

Ao dizer que Maria Antonieta "se encaixaria com facilidade" nas monarquias atuais, a historiadora Antonia Fraser sugere uma comparação com a inglesa Lady Di. Veja as semelhanças entre as duas:

Lady Di

VIDA PRIVADA
Lady Di achou que estava fazendo o casamento dos sonhos, mas tomou um banho de água fria. O príncipe Charles nunca escondeu sua paixão pela antiga namorada Camilla Parker Bowles. Uma conversa telefônica entre os amantes veio a público e resumiu bem a humilhação: nela, Charles dizia a Camilla que gostaria de ser o seu absorvente íntimo

PODER POP
Diana foi um ícone da moda: seu penteado foi copiado em todo o mundo e seus vestidos tinham espaço garantido na primeira página dos tablóides. Consagrada como "princesa do povo", engajou-se em causas sociais e humanitárias, como o combate às minas terrestres

MORTE ICÔNICA
Depois de dar depoimentos explosivos sobre a infelicidade de seu casamento com Charles e as traições de parte a parte, Diana morreu de forma trágica. O motorista embriagado de seu automóvel tentou fugir dos paparazzi que a perseguiam e provocou um acidente fatal

Maria Antonieta

VIDA PRIVADA
Maria Antonieta foi sempre descartada pela corte francesa como uma tola. Sua humilhação suprema: Luís XVI demorou sete anos para consumar o casamento – o que era de conhecimento público

PODER POP
Jovem demais e uma estranha entre os franceses, a austríaca Maria Antonieta consolou-se no dom para ditar moda. Os vestidos elaborados e os exóticos penteados pouf eram imitados por toda a aristocracia. Consta que também não era o monstro de indiferença que se pintou: ensinava caridade aos filhos e socorria camponeses feridos

MORTE ICÔNICA
Maria Antonieta foi emblema do excesso e da exploração da monarquia francesa. Em companhia do rei, Maria Antonieta tentou fugir da França revolucionária em 1791. Os dois foram capturados e acabaram perdendo a cabeça na guilhotina

Revista Veja

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