sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Bruxa de Portobello

A bruxa está à solta

Novo romance de Paulo Coelho
lembra um fato fundamental: ele
é um péssimo escritor


Jerônimo Teixeira


Divulgação

Paulo Coelho: assassinatos "normais" e seita pagã que chega ao êxtase pela dança

Que Paulo Coelho é um fenômeno já se sabe. O escritor brasileiro contabiliza mais de 75 milhões de livros vendidos em 150 países. É também uma celebridade, com todas as extravagâncias que o título autoriza (inclusive a de receber o quadrilheiro José Dirceu para comemorar o réveillon no sul da França). Foi por força dessa popularidade que ele se tornou um imortal da Academia Brasileira de Letras. Nenhum desses fatos, porém, deve ser confundido com consagração literária. O lançamento de A Bruxa de Portobello (Planeta; 294 páginas) é uma boa oportunidade para reafirmar o fato fundamental sobre Paulo Coelho: ele é um péssimo escritor.

A Bruxa de Portobello representa um retorno ao misticismo, que o autor havia relegado a segundo plano em livros como Onze Minutos. Trata-se da história da mística Sherine Khalil, mais conhecida como Athena. Abandonada pela mãe cigana na Romênia, ela é adotada por um casal libanês que se estabelece em Londres nos anos 70. Em Portobello Road, rua londrina, converte-se em líder de uma polêmica seita pagã que busca o êxtase pela dança. A história de Athena é narrada em uma série de testemunhos – das mães adotiva e biológica, do ex-marido, de um padre, de amigos –, para firmar a idéia de que ela seria uma personagem múltipla e complexa. Mas Athena não passa de um veículo oco para os slogans idiotizantes do autor: "O amor é. Sem definições. Ame e não pergunte muito".


Paulo Coelho gosta de dizer que sua escrita é clara e simples, e que por isso ele é mal compreendido pela crítica que só admira escritores "ilegíveis" como James Joyce. A Bruxa de Portobello, porém, não é claro nem simples. A narrativa é confusa e mal estruturada. Tenta armar, sem sucesso, um mistério em torno do suposto assassinato da protagonista, para o qual inventa uma solução estapafúrdia. A linguagem é uma sucessão de lugares-comuns – "vale de lágrimas", "brutalmente assassinada", "flertando com o perigo" –, imprecisões pronominais e confusões de tempo verbal, para não falar em redundâncias escandalosas como "termina acabando". As aberrações chegam ao ápice nas páginas finais, quando se fala de um assassinato que teria de ocorrer "em circunstâncias absolutamente normais".

O leitor de Paulo Coelho talvez não se importe com esses defeitos formais. A "mensagem" do autor estaria em algum lugar do além, preservada da oligofrenia de sua prosa. Mas é na tal mensagem que reside o pior de Paulo Coelho. Disfarçada em conversa pseudofeminista sobre a reabilitação da "Deusa Mãe" reprimida pelas religiões "oficiais", A Bruxa de Portobello traz uma apologia descarada do curandeirismo e da irracionalidade. Paulo Coelho não é apenas mais um mau escritor: seu obscurantismo é nocivo. Não se deve perdoá-lo pelo sucesso.

O FIM DO SAGRADO

"Ai daqueles que buscam pastores, em vez de ansiar pela liberdade! O encontro com a energia superior está ao alcance de qualquer um, mas está longe daqueles que transferem sua responsabilidade para os outros. Nosso tempo nessa terra é sagrado, e devemos celebrar cada momento. A importância disso foi completamente esquecida: até mesmo os feriados religiosos se transformaram em ocasiões para se ir à praia, ao parque, às estações de esqui. Não há mais ritos. Não se consegue mais transformar as ações ordinárias em manifestações sagradas." setembro 2006

Trecho de A Bruxa de Portobello, de Paulo Coelho

Revista Veja

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