sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Amar y pensar: el odio de querer vivir


Carmen Lúcia Fornari Diez

Professora Doutora do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná

PETIT, Santiago López. Amar y pensar: el odio de querer vivir. Barcelona: Bellaterra, 2005.

Santiago López Petit é doutor em Filosofia e professor de Filosofia Contemporânea na Universidade de Barcelona, no Departamento de Historia de la Filosofía, Estética y Filosofía de la Cultura. Desde 1980 vem atuando como conferencista em eventos de Filosofia na Espanha, França, Alemanha e Itália. Entre suas diversas publicações (artigos em revistas científicas, traduções e prefácios de livros), as mais difundidas são: Entre el Ser y el Poder: una apuesta por el querer vivir, Editorial Siglo XXI, 1994; Horror Vacui: la travesía de la Noche del Siglo. Editorial Siglo XXI, 1996; El Estado-guerra. Hondarribia, 2003 (também publicado na Itália em 2005); El infinito y la nada: el querer vivir como desafío. Ediciones Bellaterra, 2003.

Grande parte de sua trajetória intelectual foi realizada enfocando a autonomia operária. Entretanto, ao observar as transformações que ocorreram na sociedade - que designa "passagem da sociedade de fábrica à Metrópole" -, assumiu a tarefa exigida ao pensamento crítico conseqüente (ou, como dizia Gramsci, contemporâneo de sua época), que é ter coragem de olhar e analisar os processos que modificam a realidade e, na medida da reconfiguração desta, também reinventar o pensar. Dessa forma, persistindo em uma perspectiva de liberação, deslocou o foco de suas reflexões do plano do capital à política da relação, e da composição de classe aos espaços do anonimato. (PETIT, 2000, s.p.)

"Amar e pensar: o ódio de querer viver" tem por norte banir o medo de querer viver transformando-o - na vivência com o outro -, em provocação política. Sua realização centrou-se na filosofia, em estreita ligação com a política, pois a reflexão não foi suscitada por questão intelectual mas partiu da própria existência, conforme depõe o autor: "Pensar o querer viver foi a maneira de continuar vivo. Se pensei o querer viver o mais longe que pude foi, pois, por necessidade, empurrado pela própriavida" (PETIT, 2005,p.11). Assim, mesmo abandonando suas reflexões anteriores acerca da autonomia operária, nesse outro prisma a partir do qual vê o mundo, a questão política permaneceu primaz, sob o fio condutor da frase: "A vida se vinga com a vida a ser vivida", pois o aprofundamento inconteste do estudo crítico do querer viver o torna ainda mais político. E isto se dá como desnudamento da intelectualidade para um expor-se, para dizer com simplicidade que a atitude de amar, pensar e resistir significa ter uma vida política, vida política que prescinde do sistema partidário mas está entranhada na intimidade de cada um. Enfim, quando se sente que a vida estremece, emergem questões sobre seu sentido (inclusive do porquê pautá-la no trabalho), indicando que a politização não se relaciona à consciência do espaço no qual se é fixado no processo produtivo-ou de exploração - mas pela contundência de que a vida foi abalada. Assim, "Amar e Pensar" é proposta para brandir a quietude e ser a via para fazer explodir o que há de indomável em cada um, com a certeza de que o ódio à vida é a faísca para incendiar a própria vida.

Prenhe de sentido político, essa obra também permite refletir sobre as questões da educação, especialmente aos que, cansados de perspectivas maniqueístas, persistem em indignar-se e arriscam-se a acolher o novo.

O livro está organizado em sete partes, não numeradas, mas que apresentam um continuum crescente das questões fundamentais postas, desde uma primeira aproximação entre amar e pensar, do querer viver tornado desafio passando pelo ódio livre e aportando na exacerbação da vida. Retoma, aprofundando, o amar, o pensar e em seguida as relações entre esses dois termos, para chegar à proposta final de uma vida política.

Inicialmente, o autor mostra como a aproximação entre amar e pensar sempre foi rechaçada pelos pensadores, pois a estes parece ser embaraçoso encarar o amor. Todavia, acredita que para unir amar e pensar coloca-se a exigência de desprender-se do orgulho e não temer o ridículo, asseverando que não existem poder, liberdade, vida, amor ou pensamento, mas relações de poder, processos de liberação, querer viver, vivências amorosas e de pensar.

O querer viver emerge como último recurso depois que a vida foi transformada em uma mobilização total cujo resultado é a realidade óbvia, na qual são reproduzidas as prisões do possível, promessas de futuro e esperança de felicidade. Apesar da certeza de que a vida não existe, ela se tornou temática abordada intensamente, como jamais havia sido. Ora, crer na vida é situação ideal para que o poder se realize em domínio. O medo se acomoda nessa fé, que gera a esperança vã de um porto seguro.

O desafio que se põe é, portanto, realizar a transposição da vida - destruindo-a - ao querer viver, que é inseparável na relação com o outro, é deliberação e desafio, o que exige buscar três vivências diversas: a adoção do não-porvir como sustentação; a modelagem de um "nós"; a invenção de um mundo. Nesse caso, a ambivalência se potencializa de forma ímpar prestando-se ao querer viver. Potência exclusiva implicando o sentido de que a niilização do ser é seguida pela difusão do querer viver. O querer viver arrebata de si mesmo o querer viver, fazendo com que a vida se politize. O querer viver como desafio é um gesto político extremo, múltiplo e, além disso, sempre precisa ser inventado, tarefa posta a um pensamento crítico conseqüente.

A vida é expiação, mas expiação na qual não há culpados ou redenção. Tal padecimento gera o ódio à vida, porque ela é um doloroso e inevitável fardo.

Odiar a vida, sim, mas não com o ódio débil carregado de medo, como o do cínico que tenta servir-se da vida mediando relações; não com o ódio do utópico que se alimenta do ar vão da esperança; não com o ódio jovial cuja inocência impulsiona-lhe a proteger-se dentro da vida. Essas formas de ódio carecem de força para enfrentar a expiação. Há que encontrar um outro ódio. Odeia-se a vida, mas ódio é a própria vida. Assim, a vida é objetivada, tornada real, de forma que a objetivação se efetua com culpabilização. O ódio à vida a culpabiliza provocando o medo à vida. Medo que provoca mais ódio, constituindo o círculo ódio-medo-ódio..., em uma circularidade sem saída, porque esse ódio também é insuficiente.

Somente um ódio suficiente é capaz de vencer o medo para impulsionar o querer viver. à mobilização total da vida pelo óbvio, que é engrenagem dessa sociedade, se lhe deve opor o ódio. Para buscar um outro ódio, um ódio que se apieda, Santiago se reporta à literatura da Antiguidade - analisando o ódio nos episódios de Caim e Abel, Prometeu, Aquiles - e à concepção de Empédocles, resgatando a existência de um outro ódio mais primevo, ódio diferente do ódio mútuo, capaz de se despregar dos maniqueísmos para gerar-se como algo novo, inquietante em sua dificuldade de pensar e viver, mas necessário para enfrentar a vida e fugir do poder. A esse outro ódio denomina "ódio livre".

Não há como ter certeza de que caminho é o caminho, para onde se dirige e onde acabará. Os únicos espaçamentos do querer viver são a solidão e a comunidade. O ódio livre gera tudo o que nasce e perece. Apenas ele é capaz de livrar do ódio que divide. E é dentro da solidão que se aprende a solidão.

A comunidade não se manifesta a partir de uma opacidade indistinta. Inversamente, nasce do abalo coletivo que gera o querer viver. Surge como um desafio, como um gesto político radical sem contrapartida possível. Há uma impossibilidade fundamental na comunidade que a impede de vir a ser: a idéia caricata de que um "nós" - em comunhão - é a condição de sua existência. O «nós» apenas será viável enquanto um estar-junto. Assim, para que uma comunidade sobreviva, é mister que se administre sua impossibilidade radical de ser. A ambivalência desafia o poder em uma comunidade e, quando aplicada por e a favor do "nós", suscita o querer viver que radicaliza seu ódio livre, ou seja, leva à reapropriação coletiva do ódio. A provocação que se põe ao "nós" é para que ouse realizar a experiência do "nós".

Há que irritar a vida. O auge disto é o ódio livre que se apinhava na solidão. Não é possível conhecer-se quando se mantêm os auto-enganos e a pureza mansa. O embate do ódio livre contra a vida se estende na luta da vida com a vida e não com a morte. A exacerbação da vida é um combate que gera disjunção e irreversibilidade. Quando os contendores são disjuntados, significa que houve uma separação diferencial entre eles. Ou seja, foi produzida distância e ruptura do "nós". A fabricação de irreversibilidade é conseqüência da exclusão de possíveis. Jogar estriba-se na anulação de possíveis, em progressiva redução de seu número. No caso da exacerbação da vida, o que está em jogo é viver, que se possa seguir vivo. Exacerbar a vida é opor à sua irreversibilidade mais irreversibilidade, e à sua disjunção mais disjunção, desde o prisma do querer viver, uma vez que ninguém tem conhecimento do que deseja e ninguém se conhece a si próprio. Viver é sobreviver, é exacerbar a vida. A exacerbação da vida como prolongação do ódio livre muda a disposição interna do próprio querer viver. Desdobra-o em um "eu" ou "consciência de si" e em um ponto central de dor. A exacerbação será radicalizada na proporção da disjunção de ambas as instâncias.

A inocência do querer viver é extinta pela exacerbação. Querer viver desdobrado em "eu" e "centro de dor" significa abandonar a ingenuidade e saber que a vida lacera e impede de viver. Viver é gerir a crueldade. Essa consciência, esse saber que é impossível viver a vida, impulsiona a exacerbá-la, opondo-a à própria vida, para libertar a vida de suas entranhas, entendendo-a como guerra sem trégua, sem paz possível. O jogo da vida constitui seus jogadores e no desenrolar da partida acontecimentos são gerados: vitórias e derrotas. Na exacerbação da vida, os acontecimentos que se produzem são amar e pensar. Transtornar a disposição do querer viver, agravá-lo, intensificá-lo, são as condições tanto para amar como para pensar.

Santiago afirma que para pensar o amor, os conceitos postos historicamente pela filosofia não oferecem grande auxílio. Tanto a perspectiva ontológica - em Platão -, como a psicologizante - em Descartes, Locke... -, apenas debilitam o vigor do amor.

Outro conceito: da felicidade que rompe a ideologia viscosa da felicidade, aquele que, edificando o amor, movimenta-se em torno de um núcleo de dor. Conseqüentemente, o amor não traz a felicidade mas enche de vida a quem ama e alivia o cansaço de ser.Apenas expurgando os medos que torturam, exterminando as esperanças que iludem, arriscando-se, categoricamente, a despedaçar o «eu», é possível dizer que amar é a troca de nada. Quando se ama assim, quando se ama sem esperar nada, o amor se faz translúcido e se mostra como é.

Há que exacerbar a vida para amar. Amar é causar dano imenso ao outro, perversidade que não é encoberta, é crueldade consentida. O querer viver que atravessou a exacerbação da vida sabe que amar é uma força destrutiva dirigida ao outro ao qual se abraça. O que liga os amantes é o núcleo doloroso comum, força destrutiva que se converte em leito comum. Amar agride ao ser que se encerra no que é. Movimento iniciado na vivência da solidão ao partilhamento do querer viver, de modo que tanto o querer viver de um, como o do outro, deleitam-se indefinidamente. Um olhar para a interioridade desde o "eu" e expansão desde o centro comum de dor, sustentados por uma mesma força. O querer viver é inquieto e se questiona. O querer viver que ama é, em si, uma pergunta.

O autor retoma os prismas filosóficos acerca do pensar, analisando, entre outros: Aristóteles,Agostinho, Platão, Hegel, Kant, Nietzsche e Luhmann, mostrando a relação que se estabeleceu entre pensamento e ordem, e como a derrubada da aporia da ordem cedeu lugar à tautologia do pensamento da ordem, desde o Mesmo. Diante da palavra tautológica, coloca o querer viver que traspassa essa gramática deixando um rastro de paradoxos inertes. No momento em que o pensamento usual se esgota, brota um outro pensar. Da e na exacerbação da vida - enquanto prolongação do ódio livre e luta renhida contra a vida. Um pensar que se abre ao impensado, para pressentir a ambivalência, em oposição ao pensamento usual que traveste a ambivalência em dicotomia infinito-nada, iguala o infinito e o nada, nivela-os ou constrói pontes para uni-los. Todavia, pressentir a ambivalência é estar atravessado pela força da assimetria. O impensado pressentido pelo corpo, força da assimetria sobre o corpo, força da dor rumo à vida.

Mergulhar na dor a partir da vida inicializa uma posição. O sofrimento, radicalizado, descortina um horizonte zero, já que apaga o horizonte de qualquer medo. Quando o corpo se confunde com a dor já não se atemoriza com nada. Assim, é possível entender que pensar é ocupar uma posição que significa uma vitória sobre a ordem, vitória em relação à posição que a ordem constituía e protegia. Portanto, pensar implica ocupar a posição da desocupação da ordem, e opondo-se ao pensar no diálogo para ser pensar contra o pensar e daí extrair sua dimensão essencialmente política.

Amar e pensar não se constituem em gestos políticos, mas antipolíticos, o que é diferente de pré-político, pois este se isola na esfera privada. Um gesto antipolítico, ao contrário, cria uma nova e inusitada relação do corpo com o poder. Não obstante, dessa radicalidade política não se desprende qualquer política.

Toda política é sempre uma política da relação. Amar e pensar não são uma relação, mas um encontro. Por isso é impossível a existência de uma política do amor ou do pensar. Contudo, amar e pensar são gestos anti-sociais e subversivos, que contêm a mesma força rebelde do querer viver exacerbado. Como força destrutiva posta entre os dois. Como força assimétrica da dor em direção à vida. Mas quando o amor se expõe ao perigo de se fechar na vida privada, o pensar corre o risco de se tornar sentido comum.

Não há como sair ileso das experiências de amar e pensar, ambas são aventuras sem consolo. Nem o amor nem o pensamento constituem alternativas de regeneração do mundo.Alguma esperança que possa existir reside paradoxalmente em sua radical impossibilidade. Amar e pensar são necessariamente uma transgressão.

Na sociedade globalizada, há um espaço fronteiriço que resta aos que não participam do teatro da sociedade de rede - nem como empreendedores nem como precarizados, mas como sombras. Na terra de ninguém, o espaço fronteiriço esvaziado se faz linha do niilismo.

Para arrancar o querer viver da vida, o querer viver precisa abrir-se ao niilismo, internalizando-o para constituir uma prega na linha niilista, prega que compreende a autodestruição do próprio querer viver, significando amar e pensar. Assim, amar e pensar se constituem em uma prega da linha do niilismo, um expor-se e habitar o niilismo, sem enraizar-se nele, pois a prega deve sempre ser refeita. O querer viver se torna receptivo ao niilismo, também quando impele a linha niilista para além de si, realizando um gesto político radical. O gesto político radical consiste, assim, em um desafio feito pelo querer viver, ou seja, na radicalização de um gesto niilista.

Uma via política surge apenas quando o irritar a vida transforma o querer viver em um desafio tão extremo que exacerba a vida. Aí, da terra de ninguém aberta pelo ódio, irrompem gritos de luta. Uma vida política é transparente em oposição à obscura vida privada, e é edificada de simplicidade: amar, pensar e lutar.

Uma vida política pode ser solitária, estritamente pessoal e, não obstante, não ser uma vida privada. Uma vida política tem amigos, não os que segredam intimidades, mas os que compartem o mesmo fundo mútuo de arrojar-se à exacerbação e ao desafio.

A exacerbação prolongada no amar e pensar exige uma vida-sem-forma, aberta ao outro e ao impensado, disposta a ser continuamente atravessada. A vida-sem-forma é a verdade do que ama ou pensa. A distinção entre exacerbação e desafio abandona o conceito de imanência, sem cair na transcendência. Ambos articulam e canalizam o niilismo, por isso nomeiam as leis de produção da vida política.

Existe um duplo trançado entre a exacerbação (amar e pensar) e o desafio (destruição e construção), não dirigido a formar-se a si mesmo, mas à própria dissolução. Não basta que o ódio livre à vida respalde os dois pólos. Para além disso: eles devem construir pontes que funcionem como transformações; ou seja, optar por uma vida política, uma vida rasgada, sem lugar para a estetização da existência, uma vida cheia de raiva que inverte a idéia de que "não há mais nada a fazer" para assumir que "tudo está por fazer".

A leitura desse livro de Petit provoca grande desconforto uma vez que, ao expurgar quaisquer ilusões teleológicas, retira dos horizontes as certezas de onde aportar. Porém, em seu denso conteúdo e na lucidez de suas análises, longe de inspirar imobilismos ou retraimentos, "Amar e Pensar" incita a uma vida política, afetiva e reflexiva, cujo árduo e inseguro caminho leva à terra de ninguém, a um partilhar do afrontar os medos, do aprendizado de odiar livremente, de encarar a fatalidade da vida, enfim, de agudizar a experiência danosa de viver.

REFERÊNCIAS

PETIT, Santiago López. Crítica de las subjetividades latentes. Conferência proferida no Encontro "Da Autonomia Operária ao Antagonismo Difuso". Barcelona, 2000. Disponível em: . Acesso em: 20/12/2005.
______. Amar y pensar: el odio de querer vivir. Barcelona: Bellaterra, 2005.


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