terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Depois do Consenso de Washington: crescimento e reforma na América Latina


O Consenso de Washington e o Brasil: um livro esclarecedor
Depois do Consenso de Washington: crescimento e reforma na América Latina
Resenha Por Paulo Roberto de Almeida


Obra: Depois do Consenso de Washington: crescimento e reforma na América Latina
Autores: Pedro-Pablo Kuczynski e John Williamson (organizadores), Prefácio de Armínio Fraga
(São Paulo: Editora Saraiva, 2003, 320 p.; ISBN: 85-04514-8; R$ 46,00)

O liberalismo econômico é, do ponto de vista teórico, uma doutrina (com algumas tinturas de ideologia), fundamentando uma certa atitude dos atores sociais em relação ao mercado e ao papel do Estado na vida econômica, e, do ponto de vista prático, um conjunto de prescrições de política econômica cujos objetivos seriam, precisamente, retirar a mão pesada do Estado do jogo econômico e deixar que os mercados e a divisão internacional do trabalho encaminhem, ao melhor, soluções “racionais” aos complexos problemas colocados pela vida econômica das nações. Se ele o fez, em algum país, as evidências são pelo menos inconclusivas.

A despeito do que muitos acreditam e afirmam, inclusive através do epíteto alegadamente depreciativo de “neoliberalismo”, a teoria e as práticas efetivamente liberais nunca foram muito freqüentes ou utilizadas na América Latina, em todas as épocas. A rigor, no século XIX, ainda podiam ser encontrados verdadeiros liberais, doutrinários e práticos, e, procurando bem, podem ser encontrados alguns outros, identificados a sonhadores, nas faculdades de economia e no mundo empresarial de alguns países da região ao longo do século XX. Mas, terá sido certamente raro, na medida em que poucos desejavam ou pretendiam ser identificados com a ação desenfreada das forças do mercado ou o livre exercício das vantagens comparativas. O que se assistiu, ao longo de décadas, senão de séculos, de ação econômica dirigista, foram tentativas mais ou menos bem intencionadas de tirar os países latino-americanos do “atoleiro liberal” e de colocá-los no caminho do “desenvolvimento”, com várias doses de intervencionismo estatal e muitas doses, senão toneladas, de frustrações sociais e desastres econômicos. Instabilidade, espiral inflacionária, emissionismo irresponsável, atraso tecnológico, desigualdade social: nada disso é novo e certamente não foi provocado pelo liberalismo econômico ou por nefastas medidas de desregulação desenfreada.

Os problemas do subdesenvolvimento material latino-americano – de certa forma mental, também – continuam impassíveis, a despeito de alguns progressos econômicos e de alguma modernização tecnológica. Como diria Mário de Andrade, falando do Brasil dos anos 1920, “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”. Por isso, soa pelo menos curioso que pessoas aparentemente incautas decidam atribuir ao neoliberalismo, ou a seus desvios teóricos e práticos, as razões dos desastres econômicos vividos pela América Latina nos últimos dez ou vinte anos. Costuma-se atribuir o fracasso argentino, ou a crise em outros países da região, à aplicação irrefletida das regras do famoso “Consenso de Washington”, que serviriam de camisa de força para manter esses países sob a “hegemonia imperial” e a serviço do capital financeiro internacional. Quanta bobagem nesse tipo de acusação.

Pois agora chegou ao Brasil uma obra que permitirá aos brasileiros refletir melhor sobre o que são, efetivamente, essas famosas regras do “Consenso de Washington” e como sua eventual aplicação ao caso brasileiro poderá, ou não ajudar na solução de nossos angustiantes problemas de crescimento, de distribuição, de modernização social e tecnológica, de inserção da nossa economia no mundo contemporâneo da concorrência e da globalização. A obra organizada por Pedro-Pablo Kuczynski e John Williamson (sim, o próprio “dono” da expressão) apresenta a todos os curiosos assim como aos estudiosos de verdade todos os ingredientes do receituário e discute as razões do baixo desempenho efetivamente observado desde que ele foi colocado no mercado. Não sei quantos royalties John Williamson terá arrecado pelo uso (devido e indevido) do famoso binômio, mas ele certamente deve estar arrependido de não tê-la registrado no momento devido no U.S. Patent Office, com pedidos similares para todos os países da região.

De fato, não deve ter havido na literatura econômica (e sobretudo jornalística, para não falar das assembléias políticas) qualquer outra expressão tão usada e abusada ao longo dos últimos doze anos, geralmente com intenções bastante críticas, quando não deliberadamente simplificadoras. Pois bem, não há mais motivo para ignorância, má fé ou simples indiferença: tudo o que você sempre desejou saber sobre o Consenso de Washington e nunca teve a quem perguntar, tem agora como satisfazer suas necessidades intelectuais e talvez até políticas. Mas nada disso tem a ver com o neoliberalismo ou imposições de fora: tudo foi pensado como um conjunto de regras muito simples – e não de prescrições salvadoras – que pudessem ajudar os economistas e decisores políticos na região a empreenderem um conjunto de reformas que são absolutamente necessárias para o bom desempenho das sociedades nacionais da região, não para satisfação dos especuladores de Nova York ou dos tecnocratas do FMI.

O livro, coordenado por dois eminentes economistas associados ao prestigioso Institute for International Economics, de Washington, retoma o debate sobre o processo de reformas liberalizantes iniciadas na América Latina no final dos anos 1980 e que já tinha sido objeto de um volume precedente publicado pelo mesmo instituto. Ele reúne, novamente, trabalhos de conhecidos especialistas econômicos, cujas colaborações tocam nos mais importantes problemas da agenda de política econômica dos países da região, depois de uma década marcada por crises financeiras, um crescimento econômico desapontadoramente lento e praticamente nenhum progresso na esfera social e da repartição de renda.

Os estudos aqui incluídos fazem o diagnóstico da primeira geração de reformas (liberalização e estabilização macroeconômica), apresentam a segunda geração (institucional) de reformas, que são indispensáveis para criar a infra-estrutura de uma economia de mercado com progresso social, assim como discutem as iniciativas necessárias para que as frágeis economias da região encerrem a série de crises registradas nas últimas décadas. O livro também se situa no centro do debate atualmente em curso no Brasil sobre a natureza e o itinerário do processo de reformas econômicas e sociais iniciadas pelo governo anterior e em grande medida continuadas pela atual administração.

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais, diplomata.
(www.pralmeida.org)
Washington, 20.08.03

Autor:Paulo Roberto de Almeida
www.parlata.org

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