terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Comércio e diplomacia: história e atualidade


Comércio e diplomacia: história e atualidade”, Brasília, 22
fevereiro 2007, 2 p. Resenha de Demétrio Magnoli e Carlos Serapião
Jr.: Comércio Exterior e negociações internacionais: teoria e prática
(São Paulo: Saraiva, 2006, 378 p.).

A Editora precisa corrigir a ficha catalográfica deste livro, pois ela registra “negócios”, não “negociações internacionais”, como seria o certo. No mais, trata-se de uma obra correta: indispensável, mesmo, em muitos cursos de graduação em relações internacionais (talvez alguns de pós, também), que costumam servir aos alunos uma mistura de antiglobalização e de preconceitos contra o livre comércio. Supõe-se que nos cursos de economia ou de administração, a realidade seja diferente – que os professores não tentem, por exemplo, desmentir David Ricardo –, mas, mesmo para estes, o livro seria útil, pois que contém bem mais do que a simples teoria e prática do comércio exterior. Ele está “colado” às realidades comerciais, brasileira e internacional.

Escrito por um diplomata e um pesquisador acadêmico, o livro combina méritos inegáveis nos dois campos em que ele pode ser considerado excelente: a reconstituição sintética, na Unidade I, da evolução histórica do comércio internacional, do mercantilismo à globalização, seguida, na Unidade II, de uma exposição igualmente breve, mas adequada, das teorias sobre o comércio internacional. Pena que essa parte se encerre por um capítulo solitário de “introdução às negociações internacionais”, quando este tema deveria compor, de conformidade com o título da obra, uma unidade inteira. A Unidade IV tenta substituir esse vasto campo, tratando do processo decisório em política comercial, mas os seus dois capítulos são desiguais e algo insatisfatórios.

O filet mignon do livro está na Unidade III, sobre “política comercial brasileira”, mas, na verdade, ela não se conforma ao conceito, pois que tratando, não dos princípios e práticas da política comercial ao longo dos últimos 60 anos, desde o protecionismo varguista até a abertura “neoliberal”, e sim das experiências do Mercosul, Alca, OMC e de outras negociações. Essa parte é relevante, mas um pouco dependente de matérias de jornais, de comunicados de chancelarias e de artigos de revistas. Os autores citam casos concretos, que ilustram a política comercial praticada pelo Brasil, mas o conjunto dá a impressão de uma assemblagem heteróclita de episódios conjunturais ilustrativos da teoria, antes que uma análise sistemática da essência e da prática da política comercial.

Esta parte demonstra, também, que mesmo autores experientes no tratamento de questões internacionais podem incorrer em postura enviesada na avaliação do mérito relativo de políticas comerciais concretas. Em perspectiva implicitamente comparativa em relação às posturas adotadas, respectivamente, pelo Mercosul e pelo Chile – um membro associado do bloco desde 1996 e cortejado, desde sempre, para um “ingresso pleno” – os autores revelam visão involuntariamente introvertida, ou “mercosuliana”, dessas relações. Eles acham, por exemplo, que a aceitação pelo Chile de um acordo de livre comércio com os EUA “distanciou, ainda mais, do ponto de vista político, o Chile do Mercosul” (p. 324), como se a política comercial do Mercosul fosse o paradigma pelo qual devessem ser julgadas as políticas comerciais de outros países. Do ponto de vista estritamente econômico, parece bem mais racional a “entrada” do Mercosul no Chile do que o inverso, observados o coeficiente de abertura externa e as duas dúzias de acordos de livre comércio – com plena garantia de acesso, portanto – já concretizados pelo país andino com os mais diferentes parceiros.

Diversas passagens revelam ambigüidades no pensamento dos autores, como é o caso da teoria das vantagens comparativas. Eles acham que “o livre comércio foi uma ideologia nascida na Grã-Bretanha que foi decisiva para a abertura de mercados externos para os produtos industrializados britânicos” (p. 180), esquecendo-se de que a abolição das “leis dos cereais” se deu com vistas ao abastecimento do mercado interno daquele reino em produtos importados. Eles também parecem concordar com List em que o Tratado de Methuen (1713), de Portugal com a Inglaterra, “ajudou a financiar a revolução industrial inglesa”, num dos mais clamorosos equívocos de interpretação da “grande transformação” – basicamente interna – da economia britânica no decorrer do século XVIII. Más leituras de história econômica são incrivelmente persistentes, como o prova ainda hoje o sucesso de Ha-Joon Chang e do seu livro de inspiração “listiana”, Chutando a Escada, que incorre em diversos desses equívocos históricos.

No cômputo global, porém, e levando em conta a pobreza da bibliografia nessa área, o livro de Serapião e Magnoli preenche de modo satisfatório a necessidade de atualização da literatura e de discussão bem embasada dos principais problemas ligados ao comércio internacional para os cursos pertinentes (relações internacionais, economia e administração, quando não os de ciência política ou ciências sociais aplicadas, de modo geral). Numa próxima edição, sugere-se que os autores eliminem o caráter de “assemblagem” de matérias de jornais, sistematizem e uniformizem sua reflexão sobre todos os pontos tratados e produzam um verdadeiro textbook acadêmico sobre políticas e negociações comerciais.

Brasília, 22/02/2007
Autor:Paulo Roberto de Almeida

Nenhum comentário:

Postar um comentário