sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

CONCEITOS DE JORNALISMO


Mandamentos do jornalismo
09/Mai/98
Marcello Rollemberg
MICHAEL KUNCZIC /AUTOR/; CONCEITOS DE JORNALISMO

para muita gente, o jornalismo é uma das profissões mais poderosas e charmosas do mundo. Afinal, o jornalista é aquele tipo de pessoa que viaja muito, cobre guerras, revoluções, pequenas e grandes tragédias humanas, investiga com a agudeza de um detetive e denuncia e condena com a isenção de um juiz.
Talvez aí, nesse conceito exterior um tanto míope do que é ser, de fato, um jornalista, resida o mais sério problema para se entender o "métier" do homem de imprensa. É verdade que, de algumas décadas para cá, o jornalista -o repórter, mais precisamemte- ganhou essa aura artificial de super-homem, aquele que, em nome da verdade dos fatos e de melhor informar, tudo pode. Só que não pode. A história não é tão simples e brilhante assim.
Se, de um lado, essa imagem de homens atrelados à verdade absoluta e à democracia ganhou contornos reais com casos como os de Watergate, nos EUA, ou, mais recentemente e diretamente ligado ao Brasil, com a descoberta das falcatruas do governo Fernando Collor, por outro, a tão decantada e até certo ponto intocável "liberdade de imprensa" foi colocada no banco dos réus com a morte da princesa Diana. Não foram só os "paparazzi" que estiveram na berlinda, mas também um boa parcela da imprensa -séria ou não- que acabou sendo questionada.
Todas essas questões estão agora em um livro indicado sobretudo para aqueles que estudaram ou estudam em uma faculdade de Comunicação. Mas não só a esses. "Conceitos de Jornalismo", na verdade, destina-se a todos os que desejam entender melhor essa profissão tão invejada e que, de uma maneira ou outra, questionam quais são realmente seus limites.
Professor do Instituto de Comunicações da Universidade Johanes Gutenberg, de Mainz, na Alemanha, M. Kunczik vem há anos estudando os efeitos e as teorias da chamada "comunicação de massa". Ao escrever este livro, ele não fez mais um "vade mecum" da comunicação, mas sim uma obra reflexiva em que os principais pontos da profissão e da formação do bom jornalista são elencados e discutidos. "Esta obra procura preencher um vazio, clarear as condições do trabalho jornalístico -por exemplo, quais são as normas e exigências que o estruturam, quais as autopercepções profissionais que existem etc. A intenção é provocar reflexão crítica com relação à sua própria condição social e à atividade de trabalho e aguçar o senso de responsabilidade do jornalista para com a sociedade", diz o autor, tocando, no final, em um dos pontos mais sérios da questão: a responsabilidade social do jornalista.
Essa é, certamente, a mais importante e talvez a mais complicada atribuição do jornalista. Em seu nome muitas coisas boas já foram feitas, mas grandes equívocos também foram cometidos. É a tal história de querer ser detetive e juiz ao mesmo tempo. Em muitos casos, o jornalista perde a percepção de seus limites, tão empolgado (vamos colocar assim) fica com a sua pauta, com o seu trabalho. Só que essa empolgação não pode eclipsar o senso profissional, e isso Kunczik deixa muito claro em seu livro.
Ao longo das mais de 400 páginas, o autor procura todo o tempo trazer o jornalista de volta à realidade, dando contornos bem nítidos às tarefas que o cercam. Até uma lista de "mandamentos" da profissão é apresentada pelo autor, por mais óbvio que isso possa parecer. Procurando o contexto em vários outros estudiosos da comunicação, em profissionais conceituados e no próprio princípio norteador da profissão colocado pela Federação Internacional de Jornalistas, Kunczic, na verdade, encontrou informações discordantes e complementares entre si.
O estudioso G. Bentele, por exemplo, crê que se deva informar objetivamente, sem emoções e de modo desapaixonado, selecionando palavras neutras para escrever o contexto. Já o "eminente" jornalista da televisão alemã Franz Alt discorda. Para ele, "objetivo é aquilo que agrada, que é útil, que alguém quer escutar. Espectadores e partidos políticos (...) não consideram objetivo aquilo que não lhes agrada", transcreve Kunczik. Entendimentos tão dissonantes sobre um aspecto tão simples dão mostras de como a questão talvez ainda esteja longe de ser finalizada.
Mas um ponto deve ser levado em consideração na citação acima: o envolvimento dos políticos com os jornalistas, uma relação para lá de delicada. Adulados quando interessa, criticados e perseguidos quando deixam de sê-lo -principalmente nos países de Terceiro Mundo- os jornalistas são uma esfinge ainda não decifrada para a classe política. O intrincado envolvimento das duas partes é dissecado pelo autor, sempre lembrando que "o jornalismo competente, responsável e crítico constitui um apoio importante para a promoção da democracia". Tem gente que não concorda, mas isso é outra história.
Antes de fazer um estudo científico ou social do jornalismo, o que Kunczic fez, de fato, foi um alentado perfil da profissão, uma análise aprofundada e viva do que é, na verdade, ser jornalista. Para alguns, o livro talvez não traga grandes revelações. Mas, para uma parcela significativa -e aí não se inclui unicamente o profissional que ganha a vida correndo atrás das notícias- ele pode ter o sabor de uma revelação, de um guia para se entender melhor as razões pelas quais o jornalismo é considerado charmoso, mas também intrincado e muito, muito, perigoso.
Marcello Rollemberg é jornalista e escritor.


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