quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

CLIENTELISMO E POLÍTICA NO BRASIL DO SÉCULO 19

Patrões e clientes
13/Jun/98
Maria De Lourdes Janotti


RICHARD GRAHAM
Ler o livro de Richard Graham constitui um longo percurso, ao fim do qual o viajante constata que andou em círculos. Mas a viagem tem muito charme, pois o roteirista conhece bem o trajeto a ser percorrido. É uma empreitada erudita em que tesouros arquivísticos, alguns já reconhecidos, recheiam as 136 páginas de notas, mesclando-se a sugestivas indicações bibliográficas que revelam as afinidades intelectuais do autor.
Embora advirta não ter a intenção de preencher vazios ideológicos, nem de entrar em polêmicas, Richard Graham expressa diversas discordâncias interpretativas em relação a Caio Prado Jr, Werneck Sodré, Sérgio Buarque, Raymundo Faoro, Emília Viotti da Costa, Hélio Jaguaribe e outros; no entanto, o faz de forma sucinta, apresentando poucos argumentos para uma melhor avaliação de suas opiniões. Essa atitude deliberada frustra o leitor que referencia sua reflexão em posturas teóricas mais abrangentes, ainda mais considerando ser o tema "clientelismo na política brasileira", um dos mais recorrentes em nossa produção intelectual.
Talvez isso possa ser atribuído à própria construção metodológica que orientou a elaboração de seu discurso. Priorizando o estudo dos mecanismos inerentes ao sistema de patronagem e clientelismo, investigou inúmeros casos particulares, bem como analisou as circunstâncias objetivas e emocionais que envolviam os pedidos de cargos nas esferas pública e privada. Realizou com certeza um esforço considerável, refinado e paciencioso na exploração da correspondência de quatro importantes políticos: Marquês de Olinda, Marquês de Paranaguá, Barão de Loreto e Afonso Moreira Penna.
Disposta pelos vários capítulos, a exposição da pesquisa é precedida por introduções gerais, em que sintetiza longos períodos cronológicos em poucos parágrafos, e encerrada por conclusões parciais. O sentido dessas seções é praticamente o mesmo: reafirmar a persistência desde a época colonial de estruturas sociais rigidamente hierarquizadas, que, embora dotadas de alguma permeabilidade, exigiam de seus integrantes constantes provas de reafirmação de seu status, medido pelo prestígio advindo da obtenção de favores do governo.
Ninguém nesse sistema podia ser independente de seu "patrão" ou de seu "cliente", dependendo uns dos outros em uma cadeia de relações de dupla linha de forças: do fazendeiro ao imperador e do governo central ao local.
Descobre-se, pouco a pouco, a preferência do autor por uma linha de interpretação quase estruturalista, propensa a congelar seu objeto, voltada principalmente para a observação das permanências. Uma pesquisa altamente profissional confere autoridade ao discurso, mas sua potencialidade indagadora fica subestimada por voltar-se exclusivamente para a confirmação de que "o clientelismo ao mesmo tempo sustentava a parafernália do Estado e era sua razão de ser (...). A busca de posições governamentais dependia da manipulação de uma extensa trama de ligações, de modo tal que, neste sentido, o Estado ajudava a formar a nação. Mais uma vez se pode dizer: o clientelismo gerou o Brasil".
Surpreende que um conhecedor das circunstâncias envolvidas na economia da escravidão e na expansão do capitalismo na América do Sul não tenha assinalado as interligações entre as conjunturas de instabilidade e suas repercussões na formação e na atuação da classe política brasileira. Não deixa o autor de se referir a diferentes formas de contestação e às tensões que elas encerravam, mas sem lhes atribuir vitalidade nem explorar suas possibilidades, preferindo considerar natimortas as ações bem intencionadas dos homens da época, eles mesmos vítimas, algumas vezes inconscientes, dos vícios do sistema clientelístico.
Um círculo de ferro solda às relações clientelísticas todas as demais dimensões sociopolíticas e ideológicas, as estruturas da política, a rigidez hierárquica, a necessidade de controle social, o tráfico de influências, a face sem rosto da nação, o teatro das eleições e a força do poder local dos fazendeiros.
Como aquelas obras fechadas que englobam uma nítida gama de objetivos e montam estratégias adequadas para executá-los, demonstrando sua eficácia comprobatória documental, este livro se encerra em si próprio, numa solidez em que não há espaço para dúvidas. Isto porque seu pensamento não se desenvolve em uma perspectiva dialética criadora, na qual os confrontos e as lutas, perdidas ou ganhas, adquirem seus significados e as mudanças, mesmo insignificantes, apontam para os canais da insatisfação e da resistência.
Ninguém discorda da importância do clientelismo e da patronagem na história do Brasil, mas o que levanta dúvidas neste livro é sua convicção de que a vida política se reduz ao sistema clientelístico, nele se explica e, necessariamente, nele se representa.
Na perspectiva do autor, partidos, facções e programas não adquirem nenhuma relevância por duas razões: pelo fato de que no Brasil não se concretizou um modelo partidário europeu e pela inexistência de substância ideológica nas agremiações políticas. A decorrência que se segue é lógica; liberais ou conservadores não possuíam idéias diferentes e nem prática política própria por serem oriundos das classes rurais, proprietárias e comerciantes, atadas por fortes laços familiares e regionais.
Reconhecemos que muitos pensam dessa maneira, mas há alguns aspectos que devem ser considerados. Os teóricos da política se referem a partidos com orientação ideológica nítida somente nos inícios do século 20, principalmente tomando-se como referência o aparecimento da pauta socialista. Salientam a existência de vínculos partidários com estruturas tradicionais familiares em tensão constante com as exigências do capitalismo, mesmo tomando o exemplo dos partidos ingleses.
Classe e status também caracterizam os partidos ocidentais, em diferentes composições de forças, dependendo do lugar e da época. Clientelismo encontra-se em todos eles, mesmo nos atuais, onde o caso japonês é clássico, mas suas nuanças históricas são importantes para a compreensão dos vários ritmos da política e não apenas o da longa duração. Portanto, não era possível no Brasil ser diferente, ainda mais que estes traços, aqui e na América Latina, foram acentuados pela férrea dependência dos mercados externos.
Para demonstrar a fragilidade programática dos partidos, Graham menciona o clássico caso das leis abolicionistas, inicialmente propostas pelos liberais e concretizadas por gabinetes conservadores. Ora, se a abolição já era aceita pela maioria dos segmentos das classes dominantes e era uma exigência para a constituição de um mercado de trabalho, não há como deixar de reconhecer que qualquer um dos dois partidos poderia conduzir tal processo.
Nem sempre as posições liberais e conservadoras foram coincidentes e nem tampouco a burocracia de Estado deixou de exercer sua parcela de poder; este é o jogo da política. Divididos na época da Regência, período dos mais interessantes para o estudo da formação das classes dominantes brasileiras e dos seus partidos, empenharam-se em diversas lutas armadas, ampliando seu espaço de atuação e estabelecendo preceitos legais de convivência política. O autor menciona algumas dessas rebeliões, para concluir que após as conflagrações não houve nenhuma modificação política substancial, continuando o sistema clientelístico a reger as ações dos mais eminentes chefes revolucionários.
Mas nem todos os movimentos tiveram a mesma amplitude e o mesmo nível de participação de classes. Lembrando a Balaiada e a Cabanagem, sabemos que os proprietários recuaram e cederam às forças do governo, no momento em que a luta assumiu um irreversível caráter popular. Os poderosos amargaram seus prejuízos e as forças populares, compostas de escravos, tropeiros e toda sorte de desgarrados e despossuídos dos sertões, foram aniquiladas.
Ao pensar somente na lentidão das mudanças estruturais, deixa-se de captar a historicidade do momento, correndo-se o risco de, ao menosprezar a prática política dos proprietários, ignorar e desqualificar a potencialidade da luta popular, que, em alguns poucos momentos de nossa história, aterrorizou patrões e clientes a ponto de estes reconhecerem a esfera de poder do Estado monárquico e também do republicano.

Maria de Lourdes Janotti é professora de história na USP e autora de "Os Subversivos da República" (Brasiliense).


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