sexta-feira, 27 de julho de 2012

As coisas: uma história dos anos sessenta


 
Georges Perec, Ed. Companhia das Letras

Primeiro romance de um dos mais inventivos e prolíficos escritores do século XX, As coisas: uma história dos anos sessenta é um livro sobre os encantos do prazer consumista e os sonhos de riqueza do casal Sylvie e Jérôme. Os dois trabalham em pesquisas de opinião para agências de publicidade (tão comuns atualmente no Brasil da emergente e desejada classe C, cujos gostos e preferências não param de ser mapeados). O emprego, embora precário, permite que eles tenham certa mobilidade no dia a dia (“Flanavam como só os estudantes sabem flanar”), mas oferece pouco para seus infindáveis sonhos com produtos refinados.
Os personagens procuram a felicidade em lojas de usados e acreditam que a satisfação plena estaria no exato equilíbrio entre recursos e desejos. Brigam por dinheiro. Sonham com uma eventual herança e com a ideia de que, como mágica, tudo o que quisessem estaria ao alcance de seus bolsos. O problema, perfeitamente descrito no livro, está em outra espécie de magia: a conversa fantasmagórica entre as coisas.
São as coisas que falam, subordinam e revelam as pessoas. Perec faz uma escolha descritiva que dá voz aos objetos, às mercadorias. Até quando Sylvie e Jérôme decidem aderir ao protesto contra a Guerra da Argélia e participam de comitês e manifestações, lugares onde vozes se encontram para encorpar uma contramaré, os personagens ainda parecem silenciosos: “o engajamento deles foi apenas epidérmico”.
Nem a aventura extracontinental dos jovens foi suficiente para que enxergassem melhor o lugar que ocupavam. Ao contrário dos beats, que buscavam o autêntico em suas viagens, Sylvie e Jérôme viram-se perdidos quando distantes de suas referências de consumo.
As coisas, embora não tenha a experimentação formal de outras obras de Perec, é um excelente romance e prenuncia o grande escritor que estava por vir. Além disso, é original pelo enfoque com que ele põe à vista a sociedade de consumo: sem perceber, pode-se estar vivendo (e sonhando) às margens de um imenso vazio.



João Carlos Ribeiro Jr.
Graduado em Ciências Sociais e mestrando em Teoria Kiterária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo

Le Monde Diplomatique Brasil

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