quarta-feira, 28 de março de 2012

La ville au Brésil (XVIIIe — XXe siècles): naissances, renaissances



Júnia Ferreira Furtado
Pesquisadora do CNPq — Depto. de História, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) — Av. Antônio Carlos, 6627. 30310-770 Belo Horizonte — MG — Brasil. juniaf@fafich.ufmg.br

Laurent Vidal (Org.) La ville au Brésil (XVIIIe — XXe siècles): naissances, renaissances
Paris: Rivages des Xantons, 2008. 402p.

Entre 16 e 18 de 2005 realizou-se na França, em La Rochelle e Brouage, um colóquio intitulado "La ville au Brésil: naissances, renaissances". Agora, três anos depois, publica-se um livro que aborda as principais questões e os temas desenvolvidos por ocasião do colóquio. Organizado por Laurent Vidal, historiador da Universidade de La Rochelle, o livro apresenta 25 artigos, um dos quais a título de conclusão, mesclando principalmente autores franceses e brasileiros, mas não só, que versam sobre o processo urbano em nosso país.

O Brasil tem se apresentado como um espaço preferencial para o estudo da formação, desenvolvimento e decadência das cidades, "um verdadeiro laboratório, um vasto terreno de experiências". Como nos alerta Alain Musset, no texto que serve de conclusão ao livro, "das cinzas de uma cidade brasileira pode-se observar sua mudança de forma, de estatuto e de função". As cidades, por serem tema de caráter transdisciplinar, têm interessado a especialistas de diferentes áreas, mas notadamente aos historiadores. Essa diversidade se reflete na escolha dos articulistas do livro, o que só enriquece e estimula o debate. São várias as questões que norteiam os diferentes artigos: Como se funda uma vila? Como um arraial se transforma em vila ou cidade? Quais os significados do espaço urbano e de que maneiras ele é apropriado? Como se opera o processo de transição entre a formação, o auge e a decadência dos espaços urbanos? Como se desenrola o tempo urbano? Enfim, como as urbes nascem e se transformam ao longo do tempo?

Desde o primeiro capítulo, que versa sobre a fundação do Rio de Janeiro, no século XVI, os autores lançam olhares críticos e se debruçam sobre vários mitos que há muito têm perdurado na historiografia. Nesse artigo, escrito por Maurício Abreu, como também no que versa sobre Vila Boa de Goiás, por Renata Malcher Araújo, e em quase todos os demais que se referem ao nascimento de urbes coloniais, questiona-se a idéia, semeada por Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, da falta de planejamento das cidades brasileiras criadas pela metrópole portuguesa. Outro paradigma posto em questão é o da decadência urbana enfrentada por algumas cidades como é o caso de Ouro Preto, no artigo de Cláudia Damasceno Fonseca e Renato Pinto Venâncio, ou Salvador, no capítulo escrito por Pedro de Almeida Vasconcelos. Até mesmo a idéia arraigada de que a cidade contemporânea tem se tornado espaço pouco democrático é desmistificada por alguns deles, como o de Paulo Costa Gomes, que apresenta o espaço das praias cariocas como locus de convivência democrática de vários grupos heterogêneos de moradores da cidade do Rio de Janeiro, ou ainda o de James Houlston, que revela o caráter reivindicatório de regras e direitos democráticos no discurso das gangs urbanas, bem como o artigo de Dominique Vidal que questiona diretamente o tema.

O livro se divide em duas grandes seções, uma que aborda o processo fundacional, os "Nascimentos" de várias urbes, mas que também toca e questiona o momento de decadência e morte de algumas delas, e a segunda, chamada de "Renascimentos", que discute as transformações, as intervenções e as experiências vividas nos e pelos espaços urbanos. O espectro geográfico é amplo: Rio de Janeiro, Salvador, Goiás Velho, Brasília, São Paulo, Niterói, Porto Velho, Anápolis, Vila Bela, Niterói e Marabá são alguns dos inúmeros estudos de caso apresentados. Há estudos comparativos, como o de Rubenilson Teixeira e Ângela Lúcia Ferreira, que compara o processo de formação e desenvolvimento urbano de Natal e Assu, no Ceará, ou o de Maria Encarnação Sposito, que discute a formação sócio-espacial da rede urbana em São Paulo no boom cafeeiro. Mas há alguns artigos, como o de Fania Friedman, sobre as vilas do café no Rio de Janeiro, ou o de Hervé Théry, sobre as capitais brasileiras fundadas no século XX, que não se limitam a uma ou duas cidades específicas, mas tratam de toda uma rede de cidades. Algumas são próximas uma das outras, como o tecido urbano em torno de Marabá, estudado por Leandro Rocha, outras tantas são distanciadas geograficamente, como as capitais brasileiras fundadas no século XX, analisadas por Hervé Théry.

O marco cronológico é o da longa duração. Há artigos que versam sobre a fundação de cidades, desde o período colonial, como o Rio de Janeiro no século XVI (e não XVIII como o subtítulo do livro parece enquadrar); passando pelo início do século XX, como é o caso de Marabá, analisado por Leandro Mendes Rocha, e de Porto Velho, estudado por Martine Droulers e Laurent Vidal; até as décadas mais recentes, como é o caso de Brasília, estudado por Heliana Angotti-Salgueiro, através das imagens fotográficas de Marcel Gautherot. Há também casos em que uma mesma cidade é examinada pelo autor ao longo de um período bastante amplo, como é o caso de Ouro Preto, cujo processo de transformação da urbe é visto entre os séculos XVIII e XX, ou o de Niterói, descrito entre 1819 e 1930, por Marlice Azevedo e Fernanda Teixeira.

Se "desenho e engenho" foram a base sobre a qual nasceram várias urbes brasileiras, como nos casos clássicos de Vila Bela, Belo Horizonte ou Brasília, as mutações perpétuas por que passam as cidades brasileiras são resultado de uma relação dinâmica vivenciada entre os seus espaços e seus moradores. Sobre essas mudanças nos falam vários artigos, como o de Sylvie Miaux, sobre os condomínios do bairro da Tijuca, ou o de Rodrigo Valverde, sobre o Largo da Carioca, ambos no Rio de Janeiro, ou o de Sylvia Macet, sobre as festas em Goiás Velho, ou ainda o de Alain Musset, sobre o que diz a linguagem dos graffiti nos muros das cidades brasileiras. A questão do planejamento urbano é outro tema que surge do processo de transformação pelo qual as urbes passam ao longo do tempo. Tal é o caso de São Paulo, examinado por Maria Stella Bresciani, ou do Rio de Janeiro, examinado por Vera Rezende e Fernanda Furtado.

O livro não apenas aborda a cidade na sua concretude, mas também fala de imagens e símbolos construídos sobre elas. O artigo de Tânia Regina de Luca discute, por exemplo, as imagens de decadência das cidades do Vale do Paraíba construídas por Monteiro Lobato, mostrando tratar-se não de cidades reais, mas de metáforas do Brasil da época. Rémy Lucas apresenta as diversas imagens construídas sobre o arraial de Belo Monte, desde a linguagem jornalística concomitante à Guerra de Canudos até a obra literária que versa sobre o episódio.

Enfim, há toda uma amplitude de temáticas, questões e abordagens que uma pequena resenha não dá conta de abarcar. No entanto, é essa mesma diversidade que justifica e serve de convite ao leitor para que se aventure por esse mundo urbano brasileiro em mutação perpétua, descrito de forma instigante e criativa por esses autores.
Revista Brasileira de História

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