quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O ANO DO GALO. VERDADES SOBRE A CHINA e A ECONOMIA NÃO MENTE


Guy Sorman – O ANO DO GALO. VERDADES SOBRE A CHINA e A ECONOMIA NÃO MENTE. Tradução brasileira: São Paulo, Editora É Realizações, 2008

Antonio Paim
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Guy Sorman, jornalista francês de grande nomeada, notadamente a partir da década de oitenta passou a abordar temas polêmicos que, ao contrário do que supunham os seus oponentes, serviram para aumentar a sua audiência, transformando-o numa referência. Estão nesse caso os livros The Conservative Revolution in América (1984) e Exit from Socialism (1990).

Para escrever Sair do socialismo, logo em seguida à queda do Muro de Berlim (novembro, 1989), Sorman entrevistou as principais lideranças emergentes no Leste.
As entrevistas, por si mesmas, evidenciavam as escassas possibilidades de que países como Rússia e Polônia viessem a constituir sistemas democráticos. Em primeiro lugar, com a única exceção da então denominada Tchecoslováquia, sequer tiveram no passado essa experiência.

Mesmo essa única exceção, não conseguiu estruturar um projeto democrático que lhe servisse de Norte. Começou fracionando-se. Eslováquia e República Tcheca formaram logo dois países. Na atualidade, a República Tcheca tem 26 partidos representados no Parlamento. Apesar de admitida na Comunidade Européia o que lhe assegurou a sobrevivência econômica elegeu para a Presidência oponente dessa decisão (pertencente ao grupo chamado de euro-cético) de que resultou tivesse a Comunidade ficado propensa a expulsa-la (o Presidente da Comissão Européia, órgão executivo da Comunidade, o português Durão Barroso, chamou publicamente o Presidente da Tchecoslováquia, Vaclav Klaus, de chantagista).

O desdobramento do quadro político nos outros países não é muito diferente. Na Rússia, os setenta anos de comunismo serviram sobretudo para reforçar a tradição despótica que a caracterizou ao longo de sua milenar história. De modo que, embora não se trate mais de aberto totalitarismo, o regime em vigor estruturou-se em bases autoritárias, de que a mídia tem fornecido freqüentes exemplos.

Nos antigos satélites, a situação não é muito diversa da vigente na Tchecoslováquia. O exemplo da Polônia ilustra bem a situação, por ser o país onde o sistema comunista foi derrubado, pacificamente, por movimento, popularizado com o nome de Solidariedade (graças à presença de Gorbachov no poder, na Rússia, garantia de não intervenção do Exército Vermelho, como se dera no passado, na Hungria). Nas primeiras eleições parlamentares livres (1991), concorreram mais de cem partidos, vinte e nove dos quais conseguiram pelo menos eleger um deputado. Esse quadro não se alterou no período subseqüente.

Em síntese, no Leste Europeu, decorridos mais de vinte anos da derrocada do comunismo, vigora, na maioria dos ex-satélites soviéticos, o que o conhecido estudioso italiano da política, Giovani Sartori, denominou de “pluralismo atomizado”, para indicar que impossibilita o funcionamento do sistema democrático-representativo, dependente dos partidos políticos. Tudo indica que a manutenção de eleições periódicas, e o aparente respeito às garantias constitucionais, sem que as violações redundem em sua eliminação, deve-se ao fato de que constitui condição de permanência na Comunidade Européia, a que foram admitidos.

Vista à distância, o resultado descrito parece fácil de ter sido percebido na época, o que não ocorreu. Sorman, que a previu, foi duramente criticado. Dava consistência à sua previsão o fato de que apontou a dificuldade com que iriam esbarrar: a ausência completa de lideranças liberais, isto é, de líderes políticos minimamente familiarizados com a teoria do governo representativo, que lhes tivesse proporcionado a consciência de sua complexidade e eventualmente o caminho a ser seguido na transição.

Os dois livros objeto desta resenha seguem a linha precedentemente esboçada: contrapor-se às simplificações popularizadas pelas “viúvas do comunismo” que ainda encontram audiência, sobretudo no seu país de origem, a França. Merecem que chamemos a atenção para a importância (e, de certa forma, a novidade, tendo em vista que, no particular, muito nos assemelhamos à França).

The Empire of Lies foi traduzido ao português com o título de O ano do Galo. Verdades sobre a China.

Sorman dispôs-se a escrever The Empire of Lies depois de sucessivas visitas àquele país e de haver ali permanecido durante dois anos inteiros (2005 e 2006). Nesse período, esteve em diferentes localidades, conseguindo identificar dissidentes, entrevista-los, como também a dirigentes comunistas. Do mesmo modo que com a publicação de Sair do socialismo, pretende que círculos intelectuais do Ocidente, notadamente da França, procurem enxergar a China com outros olhos. E, talvez, que as potencias ocidentais não persistam na tolerância às arbitrariedades ali cometidas, ou pelo menos, que suas lideranças não sejam surpreendidas quando os fatos para os quais adverte se tornem gritantes, como ocorreu com a antiga URSS.

A primeira ilusão em relação à China consiste na suposição, alardeada com certa insistência, de que, no fim de contas, o “capitalismo” acabará desembocando na democracia. Ignora-se a total ingerência do Partido Comunista na economia na suposição de que a prosperidade acarretada pelo desenvolvimento econômico conduzirá à democracia. Lembra que no próprio Sudeste Asiático há exemplos de que tal não acontece: Singapura.

Outra ilusão consiste na insistência de que a base cultural facultada pelo confucionismo conduzirá a passos efetivos na direção do ordenamento democrático, invocando o exemplo de Taiwan. Nesta ilha, insiste Sorman, o que há de singular é a convivência da tradição confucionista com o budismo, o catolicismo e o protestantismo. Assim, se o reordenamento em causa requer suportes culturais, à luz do exemplo seria proveniente do pluralismo, que não é tolerado na China, impondo-se a unanimidade em torno do Partido Comunista.

Outra crítica é dirigida ao confronto com a União Soviética, na tentativa de favorecer a China. Na verdade, os indícios que aponta permitem classificá-la como igualmente totalitária. O Prêmio Nobel da Paz facultado em 2010, ao dissidente Liu Xiaobo, sem dúvida, veio em favor da tese de Sorman. A feroz repressão contra manifestantes na Praça da Paz Celestial, ocorrida há cerca de duas décadas, evidencia a persistência dessa política.
A seu ver, o Ocidente tem manifestado uma crença desmedida nas estatísticas chinesas, esquecendo que a União Soviética as falsificava sem qualquer “má consciência”.

Cabe lembrar que o filósofo polonês Leszek Kolakowski (1927/2009) obrigado a abandonar seu país natal e acolhido pela Universidade inglesa de Oxford fundamentou a tese de que o suporte do comunismo, na prática do que chamou diretamente de Grande Mentira, provém de sua crença na hipótese de que “os fins justificam os meios”.
A crítica norte-americana recebeu favoravelmente as advertências de Sorman, ressaltando a consistência de sua base documental.

Quanto ao outro livro A economia não mente veio a ser editado em 2008, tanto na França como no caso da tradução brasileira. Consiste numa contribuição original à discussão ocorrida a propósito da crise financeira, surgida no ano anterior da edição, e que se acha em vias de superação. Preserva inteira atualidade, como espero demonstrar nas breves indicações adiante.

O ponto de partida diz respeito à constatação de que, segundo o comprovam os dados estatísticos, em apenas uma geração o crescimento econômico estendeu-se por todas as partes do planeta. O motor desse fenômeno denomina-se inovação. A experiência indica, também, que nem toda inovação será bem sucedida. Assim, a exemplo do que gera ou acelera crescimento, a economia progride por tentativa e erro. A pane que se tornara patente foi corretamente diagnosticada e programada a intervenção estatal para corrigi-la e não para restaurar o modelo anterior de minuciosa regulamentação, inibidora do que tem assegurado a difusão da prosperidade (denominado, como indicamos, de inovação).

Nessa altura, pergunta o autor: qual é a mensagem? E, responde: “Aprender com seus sucessos e erros, sem jamais renunciar a uma abordagem científica, sem jamais ceder nem à euforia nem ao pânico. O que de pior pode acontecer, em caso de crise, é renunciar aos conhecimentos adquiridos para recair nas paixões ideológicas”. Essas paixões, lembra, no século passado implicaram em “matança maior que qualquer epidemia”,
A comprovação da tese antes resumida começa pela demonstração dos notáveis avanços alcançados pela ciência econômica, possibilitando a melhor compreensão dos motores do crescimento. À luz dessa compreensão, Sorman empreende o balanço da globalização. Esse balanço é suficientemente abrangente para incluir não apenas os emergentes, como é de praxe, mas os continentes tradicionalmente retardatários e mesmo o Leste Europeu.

Igualmente inovadora é a análise do que denomina de declínio da Europa, isto é, o fato de que a criação da Comunidade não se tenha traduzido na disseminação do dinamismo apresentado pela Alemanha mas da contaminação do conjunto pelos “lanterninhas”. Acredita e irá tentar comprova-lo que corresponde a “fenômeno sem mistério” para os economistas. Como expositor de reconhecida competência, Sorman produz, também aqui, demonstração convincente do que afirma.

A conclusão central da obra acha-se formulada deste modo: a despeito das preferências políticas e das discórdias teóricas, a economia tornou-se uma ciência ancorada numa base de conhecimento e experiências incontestáveis. Sintetiza em dez teses o que conteria de consensual.


Guy Sorman
Nascido em Paris, em 1944, Guy Sorman é professor do Instituto de Ciência Política conhecido pela sigla em francês sciensepô e tem ministrado cursos em universidades norte-americanas, Stanford entre elas. Colabora regularmente nos principais jornais franceses, artigos transcritos em periódicos de diversos países. Tem publicado ensaios notáveis no site www.city-journal.org, mantido pelo Manhattan Institute for Political Research, sediado em New York. Seu último ensaio, dedicado ao Japão depois da última catástrofe natural, parte da tese de que “o país, com a classe de sempre, continuará sendo a principal potência asiática”.
Revista Liberdade e Cidadania

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